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É recorrente na história a metáfora de longos e curtos séculos para designar mudanças na forma de organizar a sociedade, o modo de produção e o papel das instituições. A educação como a conhecemos se organiza dessa forma a partir de uma grande ruptura da sociedade, a passagem de uma sociedade agrária para a era industrial. Desde então, com maior ou menor intensidade, a educação seguiu muito de perto as transformações que se processam no ambiente físico da produção.
Ocorre que há muitos anos a produção deslocou-se do ambiente físico para incorporar outras dimensões da realização da produção. O putting-out característico da revolução industrial do século 21 e seu surgimento na Inglaterra está muito presente nas mesmas cadeias produtivas globais que deram dinamismo ao modelo inglês de produção, com uma sofisticação e intensidade, que somente as novas rupturas assim o permitiram.
A educação ao longo do ano da pandemia vivenciou uma situação que se esperava, mas não se sabia para quando. Segundo a Unesco, 87% da população em idade escolar foi interditada de ir à escola. Foi um movimento brutal, que fez a entidade lançar uma campanha global: A educação não pode parar. E foi com essa metáfora que penso que o século 21 chegou na educação. De repente, milhões de estudantes e docentes se viram numa nova realidade.
Como se fosse num livro de ficção, a educação passou a exigir um novo domínio. Não era mais o ambiente físico, característico da era industrial que passou a predominar, seja na educação básica ou na superior. Agora o processo de ensino-aprendizagem passou a experimentar outros espaços.
E foi assim, aprendendo e fazendo que o ano escolar de 2020 foi sendo desenrolado. Alguns estados e municípios com uma desenvoltura surpreendente, diferentemente das universidades públicas, em particular, as federais, que se perderam nos propósitos e seguiram a sina: o ótimo é inimigo do bom. Na educação pública existe o possível.O século 21 chega na educação com constatações óbvias. O papel do gestor escolar, o envolvimento da comunidade e o efeito-escola fazem a diferença nas populações que sempre tiveram dificuldades. Não à toa temos hoje no Brasil dois grandes casos de sucesso: o estado do Ceará, no ensino fundamental, e o estado de Pernambuco, no ensino médio; seguidos muito de perto pelo Piauí e o Maranhão. Todos do Nordeste, onde se tem o menor orçamento disponível para a educação. O que explica que o Ceará, com metade do orçamento per capita ao ano por aluno, tenha o dobro do desempenho de um aluno do Distrito Federal?
Já são 20 anos de uma mesma ideia colocada em prática: conhecer o aluno, conversar com a família, envolver a comunidade, empoderar o diretor. É isso. Uma boa educação não precisa de grandes soluções. Fazer o bom é melhor do que dizer que quer o ótimo. A educação precisa de compromisso em toda a cadeia de decisão daqueles que tem o papel de implementar.
Carlos Matus, o grande ministro de Allende, formulou uma máxima: planeja quem executa; e executa melhor quem planeja.
O grande problema na educação é que sempre se delega àquele que está no topo da cadeia de decisão o que fazer. É por isso que as políticas de educação falham. Persegue-se a melhor lei, o mais detalhado dos decretos; e se esquece de que quem implementa políticas não é o presidente, nem o governador e nem o prefeito. São as professoras e os professores junto com seus alunos.
Remi Castioni é doutor em educação pela Unicamp e professor da Faculdade de Educação da UnB, desde 2005. Atua nos programas de pós-graduação em educação, tanto na modalidade acadêmica como profissional. Seus estudos voltam-se para a implementação de políticas de educação e a transição entre a escola e o mundo do trabalho. Segundo o Repositório Institucional da UnB é o professor da área da educação que mais trabalhos publicou. Os dados sobre sua produção acadêmica podem ser conferidos aqui.