Polícia goiana investiga esquema de fraude em concursos de todo o país
Segundo o responsável pelo caso, a organização criminosa tem atuação nacional, mas comando é de Brasília, Goiânia e região do Entorno
atualizado
Compartilhar notícia
A investigação policial que apura denúncias de fraude no processo seletivo para o cargo de delegado da Polícia Civil (PC) de Goiás tem desvendado detalhes de um esquema criminoso com atuação em todo o território nacional. Em menos de um mês, a partir da prisão de cinco suspeitos, agentes da Polícia Civil goiana passaram a monitorar os passos de uma centena de pessoas, que, mediante extorsão, agiriam na adulteração de resultados de exames de proficiência, vestibulares e seleções públicas realizados nas 27 unidades da Federação. Entre os investigados, há candidatos e integrantes das bancas organizadoras dos certames.
O adjunto da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública (Dercap) de Goiás, Rômulo Figueredo de Matos, conduz a investigação sobre o grupo. Rômulo conta com um time de 30 investigadores e mais 30 colaboradores indiretos da polícia do estado. Desde a primeira quinzena de março, os policiais realizaram diligências, prisões e cumprimento de mandados de busca e apreensão em Brasília, Goiânia e cidades do Entorno do Distrito Federal, onde o comando do grupo de fraudadores estaria sediado.
“Já temos mais de 100 investigados e provas para indiciar até 30 pessoas, entre participantes dessas seleções e gente de dentro e de fora das entidades que organizam os processos seletivos”, informou o delegado Rômulo. Um trabalho, que, segundo ele, está longe de acabar. “Não temos nem prazo. Vamos divulgar o resultado em fases. A primeira terminou com as prisões realizadas em março. Os resultados da segunda etapa serão divulgados, no mais tardar, mês que vem, devido aos feriados de abril”, acrescentou, ao explicar a razão pela qual, agora, a investigação é conduzida sob sigilo.
O trabalho é árduo e detalhado porque, ao identificar um suspeito, a polícia investiga seu passado, atuação presente e até relações pessoais e familiares, para desvendar se amigos e parentes foram beneficiados no esquema. Foi assim que os agentes descobriram, por exemplo, que pessoas presas na década de 1990 por fraude em concurso atuam com o bando agora investigado. “É um grupo altamente organizado que age de tal forma que até eu, habituado com a investigação criminal, jamais tinha me deparado com um esquema desse tamanho”, ressaltou o delegado.
Do fim ao começo
A especialização da quadrilha obrigou a equipe da Dercap a inverter a ordem dos trabalhos. Em geral, a polícia primeiro apura os detalhes para depois realizar prisões. Mas, neste caso, ocorreram primeiro as detenções. Só depois a polícia partiu para a investigação do grupo. “Tivemos uma situação excepcional, que nos obrigou a prendê-los logo para conseguirmos avançar”, ressaltou Rômulo Figueredo.
Em 12 de março, logo depois da aplicação das provas subjetivas, cinco pessoas foram presas em flagrante. Outros quatro suspeitos só não foram detidos porque a operação policial teria vazado nas redes sociais. Ex-assessor do deputado federal Jovair Arantes (PTB-GO), o médico Antônio Carlos da Silva foi apontado pela polícia como aliciador no esquema. Silva seria o responsável por prometer aprovação imediata, mediante pagamentos que variavam de R$ 120 mil a R$ 395 mil.
Nota 9,5
Ex-vereador de Palmeiras de Goiás, Magno Marra Mendes tirou 9,5 na primeira fase do concurso e está entre os presos no dia da segunda fase do certame. Com nota 9, outro detido é o bacharel em direito Armando Colodeto Júnior. Completam a lista Suzane Fonseca dos Santos e o contador Fábio Alves de Oliveira, que nem cumpre o requisito fundamental à participação da seleção (formação em direito): ele disse à polícia que um diploma falsificado do curso exigido seria providenciado por Antônio Carlos.
Um dos detidos informou também que chegou a vender o carro e que negociava uma casa para pagar a organização criminosa. Três deles teriam admitido aos policiais pertencer ao bando, mas não confirmaram isso durante a audiência de custódia, em 14 de março, quando todos acabaram liberados (mas eles estão impedidos de deixar o estado).
Em 15 de março, quando a Decarp cumpriu mandados de busca e apreensão na casa e no consultório de Antônio Carlos, foram encontrados documentos e anotações que citavam o certame, com a indicação de valores e nomes. O processo seletivo oferecia 36 vagas de delegado, com salários de R$ 15.250,02. Posteriormente, o Conselho Regional de Medicina de Goiás informou que o suposto aliciador perdeu suas credenciais de médico, cassadas pelo CRM-GO.
Segundo Rômulo, há suspeitos que chegaram a vender bens para deixar Goiás e até mesmo o país. “Mas seguem monitorados e vamos chegar até eles”, promete o delegado, que tem compartilhado informações com o Ministério Público de Goiás e pedido apoio à Delegacia Especial de Repressão ao Crime Organizado (Deco), da Polícia Civil do Distrito Federal.
Já fizemos dezenas de diligências, inclusive em Brasília e na sede do Cebraspe (Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação, Seleção e Promoção de Eventos), que organizou sozinho o concurso para delegados. Apesar de ser para a Polícia Civil de Goiás, nem na segurança pudemos atuar. Foi tudo feito pelo Cebraspe
Rômulo Figueredo de Matos, delegado adjunto da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública (Dercap) de Goiás
Servidores suspeitos
O delegado confirma que tem investigado a participação de servidores da organização social brasiliense, que foi excluída pelo governo federal, na semana passada, da banca organizadora da próxima edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2017). “É real a participação de mais de uma pessoa de dentro do Cebraspe. Já temos provas. Sozinha, uma pessoa não provoca o estrago que temos verificado. E essa participação não seria só no concurso da Polícia Civil de Goiás, mas em outros vestibulares e seleções fraudados pelo grupo”, adiantou.
No entanto, Rômulo diz que é prematuro apontar quantas pessoas do centro estariam envolvidas no esquema. “Agora, ainda é cedo pra dizer se envolve do ‘Zé’ ao diretor, se seria uma questão institucional. O que dá pra dizer é que há mais de uma pessoa da entidade envolvida”, resumiu o coordenador das apurações policiais, acrescentando que o Cebraspe tem colaborado com as investigações.
Por meio da assessoria de imprensa, a organização social afirmou ao Metrópoles que “o concurso (da PC Goiás) está suspenso em razão de investigações de denúncias, apuradas em inquérito civil público”. O Cebraspe informou que “não houve nenhuma diligência nem da polícia nem de qualquer outro órgão neste centro”. Ainda de acordo com a instituição, “o Cebraspe tem contribuído integralmente fornecendo todas as informações solicitadas pela polícia do estado para a apuração dos fatos e é o maior interessado no esclarecimento dessa situação”.
Na Justiça
A promotora de Justiça de Goiás Leila Maria de Oliveira pediu liminarmente, em 24 de março, a suspensão judicial do certame para delegado da PC de Goiás. O processo hoje está suspenso, mas apenas por decisão administrativa da Secretaria de Planejamento estadual. O caso aguarda, agora, decisão da juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Goiânia, Zilmene Gomide da Silva Manzolli. A expectativa é de que ela conceda ou negue a liminar nos próximos dias.
Leila Maria não quis conceder entrevistas para não atrapalhar as investigações sigilosas da Dercap, mas autorizou a reportagem a usar na íntegra as informações que constam na ação civil pública apresentada por ela ao Tribunal de Justiça de Goiás. No documento, a promotora sustenta que a Justiça não pode permitir a retomada do concurso, pois seriam muitas e robustas as provas de que houve fraude no processo.
A promotora destaca que “não há dúvidas de que há participação de empregados do Cespe/Cebraspe na organização criminosa”. Segundo o documento, essa certeza se deve ao fato de que, apesar de não se conhecerem, todos os suspeitos afirmaram em seus depoimentos que foram orientados a deixar questões em branco. Elas seriam preenchidas posteriormente por integrantes do grupo.
Tal ato só poderia ser praticado por empregados da própria banca, que possuem acesso aos cartões-resposta dos candidatos após estes serem entregues aos fiscais de prova
Trecho da ação impetrada pela promotoria Leila Maria de Oliveira
No documento, a promotora considerou que a fraude violou claramente “os princípios da isonomia, da moralidade e da eficiência, tornando o certame insustentável”. “Ante o exposto, não resta outra solução se não buscar judicialmente o cancelamento de todo o certame e a contratação de nova banca, via licitação, para organizar um novo concurso”, encerra Leila Maria.
O delegado Rômulo Figueira Matos não descarta pedir, em uma próxima fase da investigação, apoio da Polícia Federal, devido a abrangência nacional dos fraudadores de seleções públicas.