Corpo de Bombeiros apura denúncias de excessos em curso de formação
Há relatos de humilhação por parte de oficiais e treinamentos em intensidade além da necessária
atualizado
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A corregedoria do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal instaurou inquérito policial militar para apurar denúncias de excessos praticados durante o Curso de Formação de Praças 2018. O Ministério Público Militar (MPM) também foi acionado e deve acompanhar a apuração.
Os crimes investigados estão tipificados no artigo 213 do Código Penal Militar e consistem em expor a perigo a vida ou a saúde os alunos, privando-os de alimentação ou cuidados indispensáveis, expondo a trabalhos excessivos ou inadequados e abusando de meios de correção ou disciplina.
As acusações foram feitas de forma anônima. Os alunos temem ser prejudicados. Há relatos de humilhação por parte de oficiais e treinamentos em intensidade além da necessária, mesmo para a formação de bombeiros militares, que precisam estar preparados para atuar sob chuva, sol e estresse contínuo.A pena para a infração, caso os excessos sejam confirmados, é de detenção. Se o fato resultar em lesão grave, a punição pode dar cadeia – até quatro anos. E sobe para até 10 anos de prisão se houver morte. O major dos Bombeiros Ivan Luiz Ferreira dos Santos foi designado como encarregado do processo.
A portaria que instaurou o inquérito, assinada pelo corregedor Eduardo José Mundim, também determina que os trabalhos de apuração sejam concluídos e entregues no prazo de 40 dias a contar da data da publicação, 22 de março.
Em nota enviada ao Metrópoles, a corporação confirmou que foi instaurado o inquérito e que não pode passar detalhes até a conclusão das investigações. A primeira turma do curso de formação foi convocada em janeiro de 2018.
Tortura física e psicológica
Assédio, abusos e excessos em cursos de formação na área militar não são raros. Em 2014, o Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas (CPJA), da Escola de Direito da FGV de São Paulo, e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entrevistaram 21 mil profissionais da área de segurança (policiais civis, militares, rodoviários e bombeiros).
Entre eles, 38,8% afirmaram que já foram vítimas de tortura física ou psicológica no treinamento ou fora dele e 64,4% disseram ter sido humilhados ou desrespeitados por oficiais.
Os dados constam da pesquisa Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública. Apesar dos números alarmantes, o tema ainda é pouco discutido dentro e fora das corporações. E, às vezes, os excessos resultam em morte. Em 2012, um soldado do Exército Brasileiro morreu durante treinamento de resistência no campo de instrução de adestramento de Brasília, em Santa Maria. Ele se afogou durante a travessia de um rio de lama.
Em 2008, um sargento do Corpo de Bombeiros também morreu afogado, no Lago Paranoá, durante curso de formação de mergulhadores.
Processo conturbado
O último concurso para ingresso no Corpo de Bombeiros foi cercado por denúncias e escândalos. As primeiras provas da seleção, em fevereiro do ano passado, foram marcadas por tumulto. Centenas de candidatos tiveram problemas com os locais do certame. A confusão foi parar na Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
Segundo o MPDFT, a Ouvidoria do órgão recebeu mais de 100 denúncias contra a seleção, por falhas como a não designação prévia das salas de avaliação, atrasos para o começo da aplicação dos testes, cadernos de provas sem nomes, entre outros.
De acordo com relatos dos candidatos ao Metrópoles na época, a banca responsável não disponibilizou a folha oficial para a redação. As pessoas que realizaram a prova tiveram de identificar o rascunho com o número da inscrição, o nome e o CPF. Além disso, reclamaram que, no conteúdo do teste, foram cobrados assuntos que não estavam previstos no edital.
Por determinação do MP, o exame foi anulado pela banca por “face da inconsistência havida relativa à ausência de folha de respostas da prova discursiva”. Os testes foram aplicados novamente em outras datas.
A prova também é investigada pela Polícia Civil na operação que apura a atuação da chamada Máfia dos Concursos. A ação, batizada de Panoptes (referência ao monstro da mitologia que tinha 100 olhos), identificou pelo menos três modus operandi da quadrilha. O grupo agia com a utilização de pontos eletrônicos, identidades falsas para que outras pessoas fizessem a prova no lugar dos inscritos, além do uso de celulares.