Colaboradores de concursos denunciam bancas: calote e comida estragada
Eles trabalham como fiscais, aplicadores de prova e chefes de sala. São tão vítimas da desorganização das bancas quanto os candidatos
atualizado
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Imagine trabalhar durante horas e não receber pelo serviço prestado. Para alguns, isso pode ser considerado incomum. O calote, porém, não é fato raro para fiscais, aplicadores de prova e chefes de sala de concursos públicos no Distrito Federal. Os “colaboradores”, como são chamados, denunciam uma rotina de descaso por parte das bancas organizadoras.
Esse é o caso de Layane Ferreira Pinto, 28 anos, que trabalha como fiscal ou chefe de sala de concursos há três anos. Ela largou o emprego como publicitária, começou a estudar para certames e aproveitou a oportunidade para ser colaboradora. Hoje, esta é a principal fonte de renda da jovem. “Apesar do valor que a gente ganha ser baixo, me ajuda a comprar o que eu preciso”, explica. Ela conta que a renda oriunda da atividade varia entre R$ 80 e R$ 120 por prova.
A fiscal ressalta que quem trabalha nesse ramo vive sob incertezas, porque, segundo ela, parte das bancas não faz contratos formais para convocar os trabalhadores. “Algumas empresas fazem documentos oficiais on-line e têm banco de dados para colaboradores. Mas, em outras, você apenas assina um recibo atestando que recebeu o dinheiro. Não tem qualquer tipo de contrato ou comprovação de que você trabalhou”, conta.
Na opinião de Wellington Ramos, 32, a falta de fiscalização é o maior problema. Ele é um dos colaboradores que diz ter recebido pagamento parcial no concurso da Secretaria de Desenvolvimento Social do Distrito Federal (Sedest), antiga Sedestmidh.
“Não volto a trabalhar com o Ibrae [banca organizadora]. A não ser que eu esteja totalmente sem dinheiro. Se não, não compensa”, desabafa ele, que estuda psicologia, faz análise de sistemas como freelancer e trabalha em concursos há três anos e meio.
Assim como Layane, ele lembra que não são todas as bancas que causam problemas recorrentes com os funcionários. Para ele, instituições pouco conhecidas ou com poucas aplicações de concursos costumam ser as protagonistas dos transtornos.
“As bancas precisam de ter um canal para ouvir as críticas dos colaboradores, tal como existe um para atender os candidatos”, destaca. Além disso, Wellington reitera que quem trabalha nesse ramo precisa ter noção dos próprios direitos. “Os colaboradores têm que se unir para entender que a gente não pode se sujeitar a qualquer tipo de situação. Precisamos ser uma classe mais unida”, afirma.
Desordem
Cinco casos recentes de confusões em concursos públicos no Distrito Federal colocaram a desorganização das empresas em foco. Layane trabalhou em três deles: o da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o do Exame Nacional para Certificação de Competência de Jovens e Adultos (Encceja) e o da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap).
Em março de 2018, colaboradores do certame da Abin denunciaram que a comida servida no horário de almoço estava estragada. Ouvidos pelo Metrópoles, eles descreveram a situação: feijão “babando”, frango azedo e alface preto. A prova foi realizada pelo Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe). Cinco mil pessoas foram recrutadas para trabalhar no evento, segundo a organizadora.
Em agosto do mesmo ano, outro problema: a Fundação Getúlio Vargas (FGV) atrasou o pagamento dos fiscais que trabalharam no certame do Encceja. Os funcionários deveriam receber R$ 180 no dia da aplicação da prova, mas só foram pagos depois de um mês. “Essas ocasiões foram horríveis”, lembra Layane.
Suspenso em dezembro do ano passado, o concurso da Novacap também deu dor de cabeça aos funcionários. Segundo relatos, a empresa Inaz do Pará não pagou o valor prometido.
Layane lembra de outros dois casos dos quais não participou, mas gerou prejuízos para colegas que prestaram serviços. No mês de outubro de 2018, ao menos 31 colaboradores do Cebraspe teriam passado mal após comer o almoço oferecido pela empresa durante a aplicação das provas do concurso do Ministério Público da União (MPU). Aproximadamente 15 mil pessoas foram contratadas para trabalhar neste certame, de acordo com informações do Cebraspe.
Em março deste ano, pessoas que trabalharam no concurso público da antiga Sedestmidh foram prejudicados pela banca organizadora, o Instituto Brasil de Educação (Ibrae). Alguns funcionários receberam o pagamento parcial e atrasado após confusão na aplicação das provas e suspensão do certame. Outros, sequer receberam.
Procurado pelo Metrópoles, o Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF) esclarece que apura as irregularidades de empresas quando há denúncia. Por isso, é importante que os colaboradores prejudicados relatem os problemas à pasta por meio do Sistema de Coleta de Denúncias.
O MPT-DF também informa que não presta esclarecimentos sobre direitos trabalhistas. Estas dúvidas devem ser tiradas na Central de Atendimento Alô Trabalho, por meio do telefone 158.
Outro lado
Acionado pela reportagem, o Cebraspe informou que possui um banco de colaboradores capacitados para trabalhar nos eventos realizados pela instituição e que faz “o pagamento dos colaboradores, devidamente registrados em sistema próprio, exclusivamente por meio de depósito em conta corrente”.
Sobre as refeições servidas aos trabalhadores, esclareceu que “são oferecidos lanches para aqueles que atuarem em certames a partir de 4 horas e 30 minutos e, nos casos em que os eventos ocorram nos turnos matutino e vespertino, também é disponibilizado almoço para todos os contratados”.
Em 2018, o Cebraspe serviu cerca de 7,5 mil marmitas. “Registramos problemas pontuais com apenas algumas delas. Apesar de quase a totalidade das refeições fornecidas pelas empresas contratadas para esse fim não apresentar qualquer problema, o centro está com processo de compras aberto para a renovação da empresa que fornece refeições”, divulgou, em nota.
O Metrópoles também procurou a Fundação Getúlio Vargas, Inaz do Pará e Instituto Brasil de Educação, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.