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Por que o pôr do sol de Brasília é mais bonito que os outros

Nós, os povos do deserto brasiliense, começamos a travessia da seca. E com ela, o espetáculo feérico ao nascer e ao morrer do dia

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Desde as últimas chuvas de maio, há pouco menos de duas semanas, o céu de Brasília voltou a ficar afogueado, ao nascer e ao pôr do Sol. Será assim pelos próximos quatro meses: febril, com variações do amarelo ao vermelho que nem o Pantone dá conta de reproduzir.

(Mas ele quase acertou: a cor Pantone 2019 é o living coral 16-1546, retirado da cor dos corais e de certos peixinhos do fundo do oceano, segundo site da empresa. Mais umas gotas de vermelho no coral e teríamos um Pantone cor do céu de Brasília).

Foi um maio singular esse que acaba amanhã. No mês mais bonito do calendário candango (no meu particular concurso de beleza dos meses), choveu duas vezes e meia mais do que a média dos maios passados.

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Os 76 milímetros cúbicos de chuva das primeiras duas semanas do mês limparam toda a sujeira da atmosfera e deixaram Brasília de olhos lavados e pronta para a seca vindoura. Na régua da meteorologia, 76 m³ significa que em cada metro cúbico caíram 76 milímetros de água ou 7,6 centímetros.

De agora em diante, as chuvas vão minguar até que restem poucas gotas de umidade na atmosfera. Só de ontem para hoje, a umidade máxima cai de 95% para 78%, 17 pontos percentuais. Num suceder contínuo de falta de chuva, chegaremos aos 15% de umidade no sempre implacável agosto. É quando nós, os povos do deserto brasiliense, temos a sensação de um afogamento seco. Tudo se dará sob um céu devastador, com espetáculos feéricos ao nascer e ao morrer do dia.

Embora nosso ufanismo nos faça acreditar que o céu de Brasília é mais céu que os outros céus, a abóbada daqui gorjeia como as de lá. A diferença é que a combinação da topografia com o urbanismo a arquitetura, essa sofisticada combinação reverencia o firmamento. E não é nada fortuito: doutor Lucio sabia muito bem o que estava fazendo.

É uma cidade construída num terreno convexo, com imensos vazios e edifícios compactos, tudo calculado para que a civilização não perturbasse o universo, como as cidades-templos eram feitas para servir aos deuses.

Nesta cidade-templo que nos acolhe, a luz originariamente branca que vem do Sol vai se afogueando porque aqui há mais espaço para que ela se propague céu afora. E a explicação é física: a atmosfera que envolve a Terra e permite a vida é a mesma que retém partículas de poeira, de poluição e de gotículas d’água. Quando a luz branca incide nesta cortina fluída, surgem as cores fogosas do nascer e do pôr do sol — e a onda de luz mais longa é a vermelha, de quando o Sol se despede da Terra, daí tamanho esplendor.

Livre para espalhar as ondas de luz pela atmosfera, o Sol de Brasília surge e vai embora como no primeiro dia do começo do mundo. Um bom motivo para não se deixar levar pela tristeza.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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