TCU: Forças Armadas pagam R$ 43 milhões por ano em pensão fora da lei
Área técnica do Tribunal de Contas da União concluiu que pensão por morte ficta paga pelas Forças Armadas não tem amparo na legislação atual
atualizado
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Relatório da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) obtido pela coluna concluiu que as Forças Armadas pagam pensões a familiares de militares expulsos sem o amparo devido na legislação brasileira. A chamada pensão por “morte ficta” custa cerca de R$ 43 milhões por ano. Entre os beneficiados, estão parentes de militares que cometeram crimes de homicídio, tráfico internacional de drogas e até tentativa de estupro.
O gasto da União com pensões e aposentadorias das Forças Armadas entrou na mira do Ministério da Fazenda, que tem buscado equilibrar as contas públicas. Mudanças na Previdência militar foram incluídas no pacote fiscal, mas as alterações só devem ser discutidas no próximo ano.
Entre as propostas da Fazenda, está justamente o fim da pensão para familiares de militares expulsos. Hoje o benefício é pago a parentes dos oficiais que foram excluídos e que, portanto, perdem a patente. O art. 20 da Lei nº 3.765/1960, com redação dada pela Lei nº 13.954/2019, diz que: “O oficial da ativa, da reserva remunerada ou reformado, contribuinte obrigatório da pensão militar, que perder posto e patente deixará aos seus beneficiários a pensão militar correspondente ao posto que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço”.
Para a Unidade de Auditoria Especializada em Pessoal (AudPessoal) da Secretaria-Geral de Controle Externo do TCU, no entanto, a pensão por morte ficta não deveria nem mesmo estar sendo paga da maneira que está, pois a legislação atual não traz previsão expressa sobre o pagamento do benefício a parentes de ex-militar ainda vivo. Pelo contrário, o direito à pensão deveria nascer somente com o óbito do contribuinte.
A área técnica concluiu que a pensão por morte ficta das Forças Armadas é “obra de uma inércia interpretativa” e resulta de uma “interpretação anacrônica, contrária aos princípios constitucionais”.
“O pressuposto da ‘morte ficta’ pode ser visto como um estímulo à má conduta daquele militar que deseja se desligar das Forças Armadas, mas que não tem todos os requisitos para solicitar a reserva remunerada, a gerar situações que motivem sua exclusão”, assinala a AudPessoal.
“É um benefício que confere maiores vantagens aos familiares do militar expulso, pois lhes garante acesso ao sistema previdenciário militar antes da morte real do instituidor, em plena capacidade laboral, enquanto os militares da atividade somente deixarão pensão aos seus dependentes no caso de morte, após contribuir durante toda a carreira militar”, prossegue.
O relatório da área técnica é do último dia 25 de novembro e foi anexado no âmbito de um processo que questiona a pensão paga à esposa do ex-major Ailton Gonçalves Moraes Barros, indiciado pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado e por fraudar cartão de vacinação contra a Covid-19.
Marinalva Leite da Silva Barros, mulher de Ailton Barros, ganha R$ 22,8 mil por mês em pensão de morte ficta. O ex-major foi considerado incompatível com o oficialato e foi expulso do Exército em 2006.
Dados obtidos pela Fiquem Sabendo, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que as Forças Armadas pagaram R$ 43 milhões em pensões por morte ficta em 2023. No total, são cerca de 530 beneficiários do Exército, da Aeronáutica e da Marinha.
Condenado por tráfico internacional de drogas, o ex-segundo-sargento Manoel Silva Rodrigues também integra a lista de “mortos-vivos”. Ele foi expulso da Aeronáutica em 2022, três anos depois de ser flagrado transportando 38 quilos de cocaína em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) na Espanha. A família do militar ganha R$ 5,7 mil.
O que dizem as Forças Armadas
Em nota, o Exército informou que cumpre as medidas judiciais determinadas e não se manifesta sobre processos em curso e conduzidos por outros órgãos e instituições. Aeronáutica e Marinha foram procuradas pela coluna na sexta-feira (13/12), mas não se manifestaram sobre o relatório do TCU.
O Ministério da Defesa, órgão que exerce a direção superior das Forças Armadas, não quis se pronunciar.