Saidinha de Natal: mais de 2 mil presos não voltaram para cadeias
Quatorze estados e o Distrito Federal concederam benefício da saidinha de Natal a 48,2 mil pessoas; cerca de 4,3% delas não retornaram
atualizado
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Mais de 2 mil presos que tiveram direito à saidinha de Natal entre o fim de 2024 e o início de 2025 não retornaram aos presídios brasileiros, conforme revela levantamento da coluna.
No total, 48.372 presos de 15 estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Pará, Amapá, Roraima, Sergipe, Ceará, Paraíba, Piauí e Maranhão) e do Distrito Federal tiveram direito ao benefício. Desses, 2.042 não retornaram, o equivalente a 4,3%.
Proporcionalmente, o Rio de Janeiro foi o estado que registrou a maior taxa de detentos que não retornaram. Dos 1.494 beneficiados, 260 (cerca de 14%) estão foragidos. Já em números absolutos, São Paulo lidera o ranking, com 1.292 “fujões”.
Seis estados (Acre, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco e Tocantins) informaram que não concederam a saída temporária. Outros quatro (Alagoas, Bahia, Rio Grande do Norte e Rondônia) não responderam e Minas Gerais informou não ter compilado os dados ainda. A coluna procurou todas as unidades federativas há uma semana.
A saidinha é concedida apenas a detentos que estejam no regime semiaberto (ou seja, que trabalham de dia e dormem na cadeia), que possuam bom comportamento e que tenham cumprido parte da pena (1/6 para réus que cumprem a primeira condenação, e 1/4 para reincidentes). Também não podem ter praticado faltas graves no último ano. A decisão é tomada pela Justiça, e o direito está previsto na Lei de Execuções Penais.
Quando o preso não retorna à unidade prisional após a saída temporária, ele é considerado foragido. Em regra, o detento perde o benefício do regime semiaberto. Ao ser recapturado, portanto, volta ao regime fechado. Essa mudança de regime é determinada pela Justiça.
O que dizem especialistas sobre a saidinha de Natal
A advogada Sofia Fromer, coordenadora do Justa, centro de pesquisa sobre políticas judiciais, avalia que a taxa de 4,3% de não retorno é considerada “baixa” e segue a tendência observada em anos anteriores. Fromer ainda destaca que o Estado precisa pensar em caminhos de ressocialização.
“Prisão não é para sempre”, afirma, em conversa com a coluna. “Então, é importante que nesse momento a pessoa tenha contato com a família dela, com a cidade, com outros ambientes que não a prisão”, acrescenta Fromer.
A especialista ressalta ainda que o país precisa inverter o funil de investimento em políticas de execução penal. “Gastamos muito para prender e para manter as pessoas presas, e pouco para pensar em políticas para essas pessoas que saem do sistema prisional. E, justamente nesse eixo, entram as saídas temporárias, de pensar em como essas pessoas podem se reestruturar e criar novos caminhos depois da prisão”, afirma.
Para o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão consultivo e regulador do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Douglas de Melo Martins, é fundamental que os Estados preparem e orientem os presos sobre as consequências do não retorno.
“Em vez de restringirmos a saída, temos que preparar melhor as pessoas para a saída. Isso é algo importante”, endossa. “Via de regra, o preso não tem um nível cultural ou de formação elevado. Não pode acontecer de a pessoa receber o alvará e ir embora”, explica.
Martins também falou sobre a importância de combater o crime organizado e as facções dentro dos presídios, uma vez que detentos não retornam ao sistema prisional devido a ameaças, segundo ele.
Procurada para comentar o levantamento da coluna, a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do MJSP, não se manifestou.
Veja o que diz cada estado:
São Paulo
O número de “fujões” é puxado por São Paulo: dos 31.838 que saíram, 1.292 (4,1%) não voltaram dentro do prazo determinado. Mais 39 pessoas liberadas foram presas em flagrante por homicídio, roubo, furto, tráfico e violência doméstica, entre outros crimes.
“É importante lembrar que, quando o preso não retorna à unidade prisional, é considerado foragido e perde automaticamente o benefício do regime semiaberto — ou seja, quando recapturado, volta ao regime fechado”, diz a nota.
Pará
Depois do estado paulista, o Pará procura 260 dos 2.324 presos libertados temporariamente (11,1%) na saidinha de Natal. Mais 51 foram recapturados. “São concedidos sete dias de saída temporária para quem cumpre pena em regime semiaberto, possui bom comportamento, entre outros requisitos, avaliados pelo Judiciário”, informa.
Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro vem logo em seguida: faltam 210 das 1.494 pessoas privadas de liberdade beneficiadas – isto é, 14,1%. O estado fluminense salienta, no entanto, que existe a possibilidade de retorno espontâneo deles.
Paraná
Foram 1.121 presos liberados no Paraná, dos quais 53 (4,7%) não voltaram às penitenciárias. Trata-se de dados parciais de Curitiba e da região metropolitana, já que os apenados da região de Londrina têm até a próxima sexta-feira (10/1) para retornar.
Sergipe
Dos 757 presidiários liberados na saidinha de Natal no estado, 49 (6,5%) não retornaram. A saída temporária ocorreu nos dias 27 e 28 de dezembro, com data de retorno marcada, respectivamente, para 2 e 3 de janeiro.
Espírito Santo
O estado capixaba tem 43 “fujões” dos 2.542 que tiveram o benefício da saidinha de Natal concedido. É o equivalente a 1,7%. As saídas começaram ainda em novembro.
“As saidinhas são realizadas por cinco períodos no ano, de forma escalonada, e definidas pelas varas de execução penal. Conforme o estabelecido na Lei de Execução Penal, o detento deve retornar à unidade prisional de origem no prazo de sete dias”, comunica.
Santa Catarina
O estado liberou 1.773 apenados, dos quais 35 (2%) não retornaram; desses, 11 foram recapturados. “O benefício da saída temporária, concedido durante o período de festas de fim de ano, demonstra um equilíbrio entre a promoção da reintegração social dos presos e o acompanhamento rigoroso de sua execução”, escreve.
Rio Grande do Sul
Do total de 1.957 presos contemplados com a saidinha de Natal, 31 (1,6%) evadiram. Já entre os que retornaram, 156 foram após o prazo. Os benefícios se dividem entre Natal e Ano-Novo.
Distrito Federal
A capital federal liberou 1.869 presidiários temporariamente no fim de ano, dos quais 27 (1,4%) não voltaram. Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF), dois se envolveram em ocorrência policial durante a saidinha de Natal.
“Aquele que não retornar no dia e no horário previstos será considerado foragido e poderá perder o direito ao regime semiaberto. A VEP/DF [Vara de Execuções Penais] estabeleceu, por meio da portaria, nove saídas temporárias este ano, totalizando 36 dias”, informa.
Amapá
No estado, 11 dos 143 presos (7,7%) liberados na saidinha de Natal ainda estão à solta. Nenhum foi recapturado, tampouco foi registrado outro crime. As saídas ocorreram de 23 a 26 de dezembro e de 24 a 29 de dezembro.
Ceará
Dos 133 liberados na saidinha de Natal, a Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará (Seap-CE) informou que 11 (8,3%) não retornaram dentro do período determinado.
Roraima
O estado libertou temporariamente 602 pessoas, das quais nove (1,5%) não retornaram. Mais dois foram capturados.
“Dentre os declarados foragidos, quatro são de nacionalidade venezuelana. Esse é o menor número já registrado de reeducandos que não retornaram no prazo estabelecido. Isso é reflexo do acompanhamento e monitoramento eficaz realizado pelos policiais penais que atuam na Divisão de Segurança e Captura, bem como os programas de ressocialização que são ofertados no sistema prisional”, diz a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania.
Piauí
Dos 460 liberados temporariamente na saidinha de Natal no estado, nove (2%) não voltaram. Um foi recapturado.
Maranhão
Dos 752 internos que obtiveram o benefício da Saidinha de Natal, a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap) do Maranhão informou que 57 não retornaram. A pasta esclareceu ainda, por meio de nota, que “os custodiados que não retornaram e não cumpriram a determinação estão sob pena de regressão de regime e outras sanções”. A saidinha ocorreu entre os dias 20 e 26 de dezembro.
Mato Grosso do Sul
Na retaguarda, o estado concedeu o benefício a 566 pessoas privadas de liberdade, das quais duas não voltaram. Os números são parciais.
Paraíba
Dos 41 beneficiados na saidinha de Natal, todos voltaram. Um deles teve que ser recapturado após dois dias. A saidinha de Natal ocorreu de 24 a 26 de dezembro e a do Ano-Novo, de 31 de dezembro a 2 de janeiro.
Minas Gerais
Procurados pela coluna, os órgãos da Administração Pública estadual anunciaram que ainda não terminaram de compilar os dados da saidinha de Natal. Em nota, a Secretaria de Estado e Segurança Pública (Sejusp) informou que “a saída temporária é um benefício concedido por lei, aplicado pelo Judiciário a um determinado perfil de preso”. O benefício consiste em 35 dias, “divididos em cinco saídas de sete dias ao longo do ano, em datas consideradas favoráveis à ressocialização”.
Por isso, a Sejusp-MG recomendou que a coluna procurasse o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para obter esclarecimentos sobre a saidinha de Natal. No entanto, o TJMG informou que os números deveriam ser apurados “com áreas correlatadas ao assunto” — ou seja, com a Sejusp.
Novamente procurada, a Sejusp reiterou que a previsão é ter os dados sobre a saidinha de Natal compilados, o que inclui o total de beneficiários e os números de não retornos, na segunda quinzena de janeiro. “Prazo necessário para que os beneficiados do Ano-Novo retornem e o Depen-MG (Departamento Penitenciário de Minas Gerais) consolide os dados.”
Acre
Não houve saída extra no fim de ano, informou o governo do Acre. “Todos os presos que atendem aos critérios da saída temporária já estavam incluídos no benefício do monitoramento eletrônico. Em todo o estado, há 2.683”.
Amazonas
Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informou que “não existe a modalidade” de saidinha de Natal no Amazonas, uma vez que os detentos do regime semiaberto são monitorados por tornozeleira eletrônica.
Goiás
A Diretoria-Geral de Polícia Penal de Goiás informou que não existe saidinha temporária “em massa” de presos. Aqueles que têm direito ao benefício, como reeducando do semiaberto, são monitorados por tornozeleira eletrônica. “Ou seja, eles já estão nas ruas, mas com monitoração 24 horas por dia da Polícia Penal. Hoje são aproximadamente 9 mil presos monitorados com tornozeleira eletrônica.”
O que pode ocorrer, segundo o órgão, é o preso querer deixar seu raio de monitoramento para visitar a família em outro estado ou cidade. “Neste caso, ele pede ao juiz da Execução Penal autorização para viajar. Com a concessão autorizada pelo magistrado, a Polícia Penal amplia a área de monitoramento eletrônica.”
O órgão informou que, até o momento, nenhum preso rompeu o dispositivo entre o fim de ano e o início de 2025.
Mato Grosso
A Secretaria de Estado e Segurança Pública do Mato Grosso informou que “não houve saidinha de Natal e que todas as liberações/saídas só ocorrem — quando ocorrem — com autorização do Poder Judiciário”.
Pernambuco
A Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização de Pernambuco também informou que o estado não tem “saidinhas nas festas de fim de ano”.
Tocantins
A Secretaria da Cidadania e Justiça do Tocantins (Seciju), por meio do Sistema Penal, informou que não houve saída de custodiados no Natal e Ano-Novo. “No que tange às concessões de saidinha de Natal destinadas aos custodiados em cumprimento de medida em regime semiaberto nas unidades penais tocantinenses, devem ser consentidas pelo Poder Judiciário.”