PF: roteiro da CPMI do 8/1 era estratégia para embaraçar investigações
A PF listou o documento encontrado com general Mário Fernandes como uma das “ações para embaraçar as investigações” de golpe de Estado
atualizado
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A Polícia Federal concluiu que o documento encontrado no HD do general Mário Fernandes (foto em destaque) que trazia um roteiro a ser usado por deputados bolsonaristas durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro foi uma das estratégias adotadas pelos investigados para “embaraçar” as investigações à tentativa de golpe de Estado.
O roteiro foi revelado pela coluna nesse domingo (24/11).
A PF também encontrou um caderno com anotações em que era possível identificar a atuação de Fernandes para “criar narrativa com a finalidade de tentar atribuir ao então ministro da Justiça Flávio Dino a responsabilidade por omissão da tentativa de golpe de Estado”, em relação aos ataques à Praça dos Três Poderes.
A conclusão consta no relatório da PF que indiciou 37 pessoas, incluindo Fernandes e o ex-presidente Jair Bolsonaro, pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
A lista de indiciados conta também com os ex-ministros Walter Braga Netto e Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos; o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid; além do presidente do PL, Valdemar Costa Neto. O sigilo do documento foi retirado e divulgado nesta terça-feira (26/11).
O que dizia o roteiro
O documento de três páginas, encontrado em um HD externo de Mário Fernandes, foi criado no dia 16 de maio de 2023, 10 dias antes de a CPMI do 8 de Janeiro ser instalada. Naquela data, o militar ocupava um cargo de natureza especial no gabinete do deputado federal general Pazuello (PL).
O roteiro revela estratégias e detalhes de como bolsonaristas tentaram criar uma narrativa em relação aos movimentos golpistas. “O conteúdo demonstra, as estratégias, denominadas de ‘ideias-forças’, de atuação da oposição na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Atos de 8 de janeiro de 2023”, diz a PF no relatório final.
“Um dos objetivos descrito seria imputar os atos golpistas ao governo eleito, afastando a responsabilidade do grupo investigado e, com isso, desgastar o governo com o afastamento de ministros e conseguir o impeachment do atual presidente da República”, explica a PF no inquérito.
O que tinha no roteiro da CPMI do 8 de Janeiro
O documento traz orientações que deveriam ser exploradas pela oposição visando atacar o governo federal, o STF, o ministro Alexandre de Moraes e a Polícia Federal (PF).
Elas foram chamadas de “ideias-forças” e tinham as seguintes finalidades:
- Desgastar o governo com afastamento dos ministros; e impeachment do presidente da República;
- Desgaste do STF e de Moraes, a fim de acabar com “ditadura da toga”; impeachment de ministros da Suprema Corte;
- Anular a prisão e articular a soltura dos “patriotas”.
- O roteiro também lista autoridades que devem ser convocadas (como o então ministro da Justiça Flávio Dino e o ex-ministro do GSI general Gonçalves Dias) e faz sugestões de inúmeras perguntas.
“Outrossim, o documento tenta disseminar uma ação de intimidação e coação contra a Polícia Federal, criando a narrativa de que o órgão policial cometeu abuso ao cumprir ordens ilegais por ocasião da prisão dos golpistas do 08 de janeiro, tendo como finalidade anular as referidas medidas cautelares”.
Caderno de anotações cita Dino, Marcos do Val e 8 de janeiro
A PF ligou o documento encontrado no HD de Mário Fernandes com anotações do militar em um caderno dele, que também foi apreendido e periciado. Diante disso, os investigadores encontraram “novos registros referentes aos atos golpistas” do 8 de janeiro e menções ao então ministro da Justiça Flávio Dino, que poderiam ser abordados na CPMI.
Ainda do caderno de Mário Fernandes, a PF encontrou anotações “Visão Marcos do Val”, com menções ao senador Marcos do Val (Podemos).
“Chama a atenção algumas anotações que evidenciam que o grupo criminoso, por meio do referido Senador, tinha a intenção de praticar atos para atacar o ministro Alexandre de Moraes. O documento ainda descreve a expressão ‘FD’, possivelmente fazendo referência ao então Ministro da Justiça Flávio Dino e a letra “L”, como associada, possivelmente, ao presidente Lula”.
Quem é o general Mário Mario Fernandes?
Ex-ministro interino da Secretaria-Geral da Presidência da República, o general Mário Fernandes era apontado como o “ponto focal” entre o Palácio do Planalto e o acampamento em frente ao Quartel General (QG) do Exército no governo Bolsonaro. O militar foi preso pela Polícia Federal (PF) em 19 de novembro.
Fernandes é suspeito de ser um dos líderes do plano de matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na época.
Moraes derruba sigilo da PF e encaminha relatório à PGR
O ministro do STF Alexandre de Moraes derrubou o sigilo do relatório final da Polícia Federal que investiga a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Moraes enviou ainda os documentos à Procuradoria-Geral da República (PGR), atualmente comandada por Paulo Gonet.
A PGR analisará as provas apresentadas pela PF e, a partir de então, pode decidir se apresenta denúncia ou não contra os investigados. O parecer será direcionado ao ministro Moraes. Caso seja oferecida denúncia, os 37 indiciados se tornam réus.
O que a PF descobriu?
A PF descobriu uma trama golpista visando impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do vice dele, Geraldo Alckmin (PSB), ao término das eleições presidenciais de 2022, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) perdeu o pleito.
O plano previa, inclusive, o assassinato de Lula, Alckmim e Moraes. A partir da quebra de sigilo telefônico e telemático de aparelhos celulares e computadores, a PF encontrou áudios e conversas em que os investigados tramam o golpe de Estado.
PF dividiu em seis núcleos os indiciados de golpe de Estado
As investigações da PF apontam que os 37 indiciados “se estruturaram por meio de divisão de tarefas”, o que resultou nos seguintes grupos:
- a) Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;
Integrantes: Mauro Cesar Barbosa Cid, Anderson Torres, Angelo Martins Denicoli, Fernando Cerimedo, Eder Lindsay Magalhães Balbino, Hélio Ferreira Lima, Guilherme Marques Almeida, Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros e Tércio Arnaud Tomaz.
- b) Núcleo Responsável por Incitar Militares a Aderirem ao Golpe de Estado;
Integrantes: Walter Souza Braga Netto, Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, Ailton Gonçalves Moraes Barros, Bernardo Romão Correa Neto e Mauro Cesar Barbosa Cid.
- c) Núcleo Jurídico;
Integrantes: Filipe Garcia Martins Pereira, Anderson Gustavo Torres, Amauri Feres Saad, Jose Eduardo de Oliveira E Silva e Mauro Cesar Barbosa Cid.
- d) Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;
Integrantes: Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, Bernardo Romão Correa Neto, Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins De Oliveira, Alex de Araújo Rodrigues e Cleverson Ney Magalhães.
- e) Núcleo de Inteligência Paralela;
Integrantes: Augusto Heleno Ribeiro Pereira, Marcelo Costa Camara e Mauro Cesar Barbosa Cid.
- f) Núcleo de Oficiais de Alta Patente com Influência e Apoio a Outros Núcleos
Integrantes: Walter Souza Braga Netto, Almir Garnier Santos, Mario Fernandes, Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, Laércio Vergílio e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.