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Pacheco vendeu empresas endividadas a lobista do setor de transporte

Vendas ocorreram em momentos-chaves da discussão, pela ANTT, do marco regulatório do transporte interestadual

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O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vendeu duas empresas de ônibus com dívidas milionárias e licenças regulatórias vencidas para o grupo de Rubens Lessa Carvalho, megaempresário que comanda o transporte coletivo em Minas Gerais e um dos principais articuladores do setor no país.

As vendas ocorreram em momentos-chaves da discussão, pela ANTT, da revisão do marco regulatório do transporte interestadual de passageiros. As novas regras, aprovadas em dezembro de 2023, beneficiam grandes empresas do setor, como o grupo empresarial de Lessa, que comprou as duas empresas de Pacheco. A ANTT tem forte influência do senador mineiro, responsável pela indicação de ao menos dois diretores da agência – incluindo o relator da nova versão do marco regulatório.

Procurado, Pacheco afirmou que o negócio é “absolutamente normal” e que foi feito com “conceituado grupo do setor e sem qualquer correlação com a minha atuação pública”. Acrescentou ainda que a iniciativa de vender as empresas se deu em razão do diagnóstico de uma doença grave pelo pai do senador, que administrava as companhias.

Por sua vez, Lessa destacou a “regularidade” na transação e acrescentou que assumiu os passivos das companhias. Nenhum dos dois quis revelar os valores da negociação, dizendo apenas que seguiram o parâmetro do mercado. A ANTT destacou que o novo marco visa “assegurar a prestação adequada dos serviços aos usuários”.

Empresário Rubens Lessa, dono do grupo Saritur
Empresário Rubens Lessa, dono do grupo Saritur

Rubens Lessa é fundador do grupo Saritur e presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Minas Gerais (Fetram), do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros Metropolitano (Sintram) e da seção do Transporte Rodoviário de Passageiros da Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Pacheco vende a Viação Real

A primeira venda ocorreu em outubro de 2021 e envolveu a Viação Real LTDA, revelam documentos obtidos pela coluna. A empresa tem sede em Cianorte, no Paraná, e mais de quatro décadas de existência. Pacheco era sócio da companhia por meio da CH3 Participações e Empreendimentos SA, a holding de empresas do senador.

Criada em julho de 2011 para administrar as sociedades de Pacheco, a CH3 tinha 42,5% das cotas da Viação Real LTDA à época da venda. Outros 42,5% pertenciam a Hélio Costa Pacheco, pai do senador e administrador da companhia, e 15% a Helio Costa Pacheco Júnior, irmão do presidente do Senado.

Documento obtido pela coluna confirma venda da Viação Real, que pertencia a Pacheco, a grupo do empresário Rubens Lessa
Documento obtido pela coluna confirma a venda da Viação Real, que pertencia a Pacheco, a grupo do empresário Rubens Lessa

Apesar do capital social de R$ 2 milhões, a Viação Real não tinha licença válida na ANTT e possuía ao menos uma dívida, de R$ 366 mil, que estava sendo cobrada na Justiça pelo governo do Paraná, segundo documentos obtidos pela coluna. Além disso, tinha apenas um veículo cadastrado na agência reguladora (em nota, Pacheco explicou que a empresa tinha, na verdade, cerca de 60 veículos que operavam em vias estaduais, dispensando o cadastro na agência nacional).

Oficialmente, a compra da Viação Real foi feita por Sarah Lage Lessa Carvalho, filha de Rubens Lessa, e Augusto de Carvalho Ganem, braço-direito do empresário. Uma semana após a aquisição, os novos sócios integraram 28 ônibus, avaliados em R$ 8,2 milhões, ao patrimônio da empresa. O capital social subiu, então, para R$ 10,2 milhões. O valor da venda da companhia, no entanto, não foi divulgado por Pacheco nem por Rubens Lessa.

Onze dias antes da venda, em 30 de setembro, a CNT enviou ofício à ANTT com críticas à minuta do marco regulatório de transporte de passageiros que estava vigente naquele momento. Lessa já era o presidente da seção da Confederação que cuidava do assunto.

Ônibus da Viação Real, empresa que era do senador Rodrigo Pacheco
Ônibus da Viação Real, empresa que era do senador Rodrigo Pacheco

Na primeira reunião após o ofício e logo depois da venda da Viação Real, a ANTT, atendendo a interesses diretos da CNT, decidiu elaborar nova minuta para o marco e reabrir o processo de audiência pública. A posição que prevaleceu na foi adotada pelo diretor-geral da agência, Rafael Vitale, cuja indicação é atribuída a Pacheco.

Pacheco vende a Auto Ônibus Santa Rita

A segunda venda ocorreu em agosto de 2022. Fundada há 60 anos e sediada em Fernandópolis (SP), a Auto Ônibus Santa Rita LTDA acumulava R$ 1 milhão em dívidas ativas da União, segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), e estava há quatro anos sem licença de operação da ANTT. Soma-se a isso um débito de R$ 133,7 mil ao estado de São Paulo e dezenas de processos trabalhistas em curso. O último registro de frota associada à empresa é de 2017, quando tinha quatro ônibus.

Nesse mesmo ano de 2017, a Auto Ônibus Santa Rita sofreu derrota judicial em processo no qual buscava reverter decisão da ANTT que havia impedido a empresa de operar as três linhas que detinha até então para transporte interestadual. O motivo: ausência de capital social mínimo e ônibus sem potência de motor exigido para os deslocamentos.

Pacheco era sócio majoritário da Auto Ônibus Santa Rita. A CH3, holding de empresas do senador, detinha 80% das cotas quando a empresa foi vendida. Os outros 20% pertenciam ao pai do político. A venda foi feita para a Viação Real, já em nome do grupo de Lessa. O valor da negociação foi mantido em sigilo por ambas as partes.

Documento obtido pela coluna confirma venda da Auto Ônibus, que pertencia a Pacheco, a grupo do empresário Rubens Lessa
Documento confirma a venda da Auto Ônibus Santa Rita, que pertencia a Pacheco, a grupo do empresário Rubens Lessa

Novamente na véspera da venda, em 22 de agosto de 2022, a CNT enviou à ANTT contribuições à consulta pública sobre a revisão do marco regulatório. A Confederação se posicionou contra a abertura do mercado.

“O ingresso indiscriminado de empresas em mercados que não comportam mais de um operador pode, no curto prazo, fazer com que as empresas tenham dificuldades em respeitar exigências, como regularidade e concessão de gratuidades. No longo prazo, estas entradas podem inviabilizar, inclusive, a operação das empresas incumbentes, que podem optar por concentrar sua atuação nas rotas mais lucrativas ao invés de incorrerem em prejuízos para concorrerem em mercados que não são economicamente viáveis”, assinalou.

A CNT também acrescentou que o “excesso” de ofertantes no mercado pode resultar em queda na qualidade e segurança na prestação do serviço. “Desse modo, corre-se o risco de, com base em sugestões de alterações regulatórias aparentemente voltadas para a introdução de concorrência, tornar inviável a operação das empresas existentes, que seriam substituídas por um modelo insustentável no longo prazo”, finalizou.

Novo marco regulatório beneficia grandes empresas do setor

O marco regulatório aprovado pela ANTT atendeu os pedidos da CNT, consequentemente beneficiando as grandes empresas do setor, como o grupo de Rubens Lessa.

As novas regras são criticadas pelas companhias que tentam ingressar no mercado e pelo Ministério Público Federal (MPF). Um parecer técnico da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão, da Procuradoria-Geral da República (PGR), aponta que a ANTT estabeleceu no novo marco dispositivos que conferem “privilégio injustificado” às empresas que já comandam o setor, conforme revelou a coluna Guilherme Amado, do Metrópoles.

“A metodologia de abertura proposta pela ANTT, em vez de incentivar a prestação de serviço adequado por intermédio da competição, privilegia a sustentabilidade financeira das empresas incumbentes no mercado”, diz o parecer.

As novas regras, explica o MPF, representam limitação à competição do setor por privilegiar a permanência das grandes empresas, poupando-as de serem contestadas por possíveis concorrentes mais eficientes e também admitindo como critério determinante da viabilidade econômica “um parâmetro de sustentabilidade financeira construído ao longo de anos de experiência de mercado operando sob um regime de restrita concorrência”.

Novo marco regulatório beneficia grandes empresas do setor, diz parecer do MPF
Novo marco regulatório beneficia grandes empresas do setor, diz parecer do MPF

“Além disso, a Informação identificou que a proposta de processo seletivo poderia conferir indevida vantagem competitiva aos agentes que já operam no mercado em relação a possíveis entrantes, já que os incumbentes não serão submetidos aos processos seletivos para continuarem operando nos mercados para os quais já têm autorização”, prossegue.

A Secretaria de Reformas Econômicas, do Ministério da Fazenda, também identificou um “regime de privilégios” com o novo marco regulatório. A pasta entende que a premissa adotada para “aferição de inviabilidade econômica pode incorrer inclusive no risco de abuso regulatório nos termos previstos no artigo 4º da lei de liberdade econômica”.

“Utilizando-se de metodologia de análise recomendada pela OCDE, a Secretaria de Reformas Econômicas conclui que a regulamentação proposta pela ANTT sobre inviabilidade econômica resulta em quatro efeitos indesejáveis para o mercado de transporte rodoviário interestadual de passageiros: limitar o número de fornecedores, limitar a concorrência entre as empresas, limitar as opções dos clientes e limitar a informação disponível”, relata o Ministério Público Federal, em referência à secretaria da Fazenda.

O que dizem Pacheco e Rubens Lessa

Em nota, Rodrigo Pacheco disse que a venda das empresas se deu “regularmente, com o novo proprietário as adquirindo com todos os seus ativos, inclusive frota de cerca de 65 veículos, e linhas regulares no estado do Paraná, não sujeitas à ANTT”.

Pontuou ainda que o pagamento se deu, exclusivamente, com a assunção de passivos bancário e fiscal, de valor equivalente ao ativo. “Trata-se de negócio absolutamente normal, feito com conceituado grupo do setor e sem qualquer correlação com a minha atuação pública”, afirmou.

O empresário Rubens Lessa reforçou que o grupo “adquiriu as empresas e seus ativos em processo regular de negociação comercial com seu antigo proprietário, em valor de mercado, assumindo o passivo e registrando o negócio na Junta Comercial”.

Lessa disse também que as linhas são no estado do Paraná, operações metropolitanas e intermunicipais, nenhuma delas sob a regulação da ANTT. “Além disso, nosso grupo atua prioritariamente em transporte municipal, metropolitano e estadual, sendo que as linhas federais não somam sequer 1% de nossa operação geral”, acrescentou.

Por sua vez, a ANTT explicou que o novo marco regulatório para o transporte regular rodoviário coletivo interestadual de passageiros (TRIP) foi desenvolvido após amplo debate com a sociedade, usuários, agentes econômicos e entidades estatais, todos contribuindo ativamente para a regulamentação.

“Essa colaboração foi aberta a todos interessados em contribuir para a construção do texto, sem restrições. As sugestões coletadas tanto em sessões presenciais quanto on-line foram tecnicamente analisadas, publicadas no portal e consideradas na elaboração do documento.”

A ANTT destacou, por fim, que o novo marco visa assegurar a prestação adequada dos serviços aos usuários e fomentar a concorrência isonômica entre operadores, diminuindo o fardo regulatório e simplificando processos burocráticos.

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