Marçal deu procuração a réu acusado de integrar grupo de traficante
Procuração assinada por Marçal dá poderes para réu o representar em órgãos do governo federal
atualizado
Compartilhar notícia
Candidato a prefeito de São Paulo, o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) concedeu poderes para que um empresário acusado de integrar a organização criminosa de um megatraficante o representasse junto a órgãos do governo federal, revelam documentos obtidos pela coluna. Florindo Miranda Ciorlin, empresário e piloto nomeado por Pablo Marçal para representá-lo, é acusado pelo Ministério Público Federal de atuar na aquisição e ocultação de aeronaves para traficantes responsáveis pelo transporte de pelo menos 5,1 toneladas de cocaína da Bolívia ao Brasil.
A procuração a favor de Florindo foi assinada por Marçal em 28 de outubro de 2021. Naquela data, o empresário já havia sido preso pela Polícia Federal, denunciado pelo Ministério Público e se tornado réu na 1ª Vara Federal Cível e Criminal de Cáceres (MT). Bastava uma pesquisa simples no Google para conhecer o histórico do piloto.
Apesar de Marçal não ser citado na investigação da PF, a procuração revela uma ligação direta do candidato com o empresário acusado de integrar o crime organizado de tráfico de drogas. Até então, era público o envolvimento de lideranças do PRTB, partido do ex-coach, com um esquema criminoso coordenado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). Marçal disse que, se pudesse, teria afastado o presidente do PRTB, Leonardo Avalanche. Ele classificou a situação como “constrangedora” e afirmou que não tem “amor por bandido”.
Procurado, Marçal se limitou a informar que sua relação com Florindo é estritamente profissional.
Além de Pablo Marçal, assina a procuração Marcos Paulo de Oliveira, sócio do candidato na Aviation Participações LTDA. Oficialmente, o documento constitui como procuradora a Preflight Serviços Aeronáuticos LTDA – empresa especializada em assessoria de compra de aeronaves que pertence a Florindo e a seu irmão Ewerton Miranda Ciorlin – para representar a Aviation Participações em duas agências do governo federal: a Anac, que regula o mercado aéreo, e a Anatel, de telecomunicações.
A procuração transfere poderes para Florindo realizar todos “os atos que se fizerem necessários, para a obtenção de documentos pertinentes à aeronave de prefixo PR-FAC […], podendo assinar documentos e praticar todos os atos necessários ao bom e fiel cumprimento do presente mandato”. Funciona quase como uma “carta branca”.
A referida aeronave de prefixo PR-FAC pertence a Marçal. Trata-se de um Cessna Aircraft, modelo 510 e ano 2008. O jatinho foi comprado pelo ex-coach em outubro de 2021 por R$ 9,13 milhões, segundo documentos obtidos pela coluna. Após a aquisição, o ex-coach mandou imprimir a bandeira do Brasil na cauda do avião.
A aeronave foi usada por Pablo Marçal durante a campanha dele em 2022. Na ocasião, o ex-coach iniciou uma disputa pela Presidência da República, mas seu então partido, o Pros, retirou a candidatura para apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No mesmo pleito, Marçal concorreu a deputado federal por São Paulo; contudo, apesar de ter conquistado votos suficientes para ser eleito, teve o registro negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A atuação de Florindo
Florindo e o irmão Ewerton Ciorlin foram alvo da Operação Grão Branco, da Polícia Federal, deflagrada em 30 de abril de 2021 – portanto, seis meses antes de Pablo Marçal nomeá-los como procuradores.
A operação desmontou a organização criminosa liderada pelo megatraficante Ary Flávio Swenson Hernandes, suspeito de traficar mais de 5 toneladas de drogas.
Foram cumpridos mais de 110 mandados judiciais em nove estados. Trinta e oito pessoas foram presas, incluindo Florindo. O empresário, no entanto, teve a prisão temporária revogada duas semanas depois. Em seguida, foi denunciado pelo Ministério Público Federal e se tornou réu na Justiça Federal. O processo, porém, ainda não foi julgado.
A investigação da Polícia Federal identificou que Florindo atuou em favor da organização criminosa adquirindo e regularizando aeronaves usadas no tráfico. O empresário chegou a utilizar documentos falsos e laranjas com o objetivo de ocultar o verdadeiro dono dos jatinhos. Além disso, Florindo deu aulas para pilotos do grupo criminoso e chegou a manifestar interesse em ir à Bolívia para conhecer Ary Flávio Hernandes pessoalmente.
“Florindo tinha total ciência de que as aeronaves as quais ajudava a adquirir, titular e transferir eram utilizadas para o tráfico de drogas. Desse modo, Florindo não apenas estava exercendo sua atividade comercial, mas contribuindo, com consciência e vontade, para que estas fossem adquiridas e utilizadas pelos traficantes, além de demonstrar interesse em pessoalmente pilotá-las e conhecer o líder da Orcim, Ary Flávio Swenson Hernandes.”
O relatório da Polícia Federal cita ainda que Florindo conversava em códigos com membros da organização criminosa, entre eles, Eliseu Hernandes, pai do megatraficante. Mensagens interceptadas pelos investigadores mostram extenso diálogos entre os dois.
“Sem a intermediação dos irmãos Ciorlin, certamente o grupo criminoso não teria sucesso na importação e no transporte de cocaína por meio de aeronaves, havendo indícios seguros de que ambos (Florindo e Ewerton) tinham a ciência de que estavam contribuindo para o tráfico internacional.” Ao contrário do irmão, Ewerton Ciorlin já foi absolvido.
No âmbito do processo, a defesa de Florindo alegou que o empresário estava apenas fazendo seu trabalho de forma legal. Florindo afirmou que sua empresa, a Preflight, é reconhecida nacionalmente e que precisa se relacionar diretamente com seus clientes.
Para a defesa, a denúncia do MPF se pautou exclusivamente em “achismos e convicções”. “A conclusão do órgão acusador é tomada com base apenas em suposições e achismos pinçados de conversas entre qualquer vendedor que busca prestar um bom serviço e atender as necessidades do comprador, que especifica as próprias necessidades”, assinalaram os advogados Henrique Tremura Lopes, Luciano Macri Neto e Augusto Cunha Junior.
Florindo alegou, ainda, que as transações das aeronaves para o grupo criminoso foram realizadas dentro de “padrões internacionais de cuidado” e afirmou que as interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal foram ilegais.
“A primeira interceptação telefônica foi autorizada em 26/03/2020. Apesar de não haver qualquer referência a Florindo, salienta-se que tal medida, que deveria ser a última a ser utilizada, foi requerida de plano pela autoridade policial, iniciando-se, assim, uma verdadeira pescaria probatória [fishing expedition]”, afirmaram os advogados.
O que diz Pablo Marçal
Em nota, a assessoria de Pablo Marçal afirmou que o candidato “não possui qualquer relação pessoal com o Sr. Florindo, sendo sua atuação restrita a um contrato profissional para a realização de transferências de aeronaves.”
Por sua vez, o advogado Henrique Tremura Lopes, que representa Florindo Ciorlin na ação, disse que a Preflight não interrompeu os serviços após a Grão Branco e que “continua atuando até hoje da maneira como sempre atuou”.
“O Florindo e o Ewerton, apenas e tão somente, prestam serviços de assessoria de transferência e compra e venda de aeronaves. Nunca tiveram qualquer envolvimento com qualquer integrante da suposta organização. A única coisa que fizeram é que, quando um cliente os procuram, eles prestam assessoria da forma como prestam a qualquer clientes, e foi isso que aconteceu neste caso”, afirmou o advogado.
“A Preflight é uma empresa série e idônea, que presta serviços e é reconhecida nacionalmente pela excelencência. E todos os serviços são chancelados pela Anac”, acresentou Tremura Lopes.
Questionado sobre as conversas interceptadas pela PF que indicam o interesse de Florindo em ir para a Bolívia e conhecer o megatraficante, a defesa explicou que a corporação fez uma interpretação “absolutamente” equivocada.