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Marinha paga R$ 4 mi de pensão a mulher morta, e filha usa dinheiro

Mulher foi condenada por estelionato e agora é cobrada na Justiça para que devolva montante depositado indevidamente pela Marinha

Arte/Metrópoles
ilustração de militar da marinha em um porta-retrato e a mão de uma mulher
1 de 1 ilustração de militar da marinha em um porta-retrato e a mão de uma mulher - Foto: Arte/Metrópoles

atualizado

A Marinha pagou pensão militar, durante quase duas décadas, a uma mulher morta. A Força depositou R$ 1,2 milhão (o equivalente a R$ 3,8 milhões em valores atualizados) na conta da falecida, entre 2000 e 2018, mas não conseguiu recuperar o dinheiro, pois a filha da pensionista tinha acesso ao cartão e usou o dinheiro indevidamente.

Alda Soares dos Santos Montenegro, filha e procuradora da ex-pensionista, foi condenada a três anos e dois meses pela Justiça Militar. Agora, a Advocacia-Geral da União (AGU) cobra R$ 3,8 milhões dela, que se diz arrependida, mas alega não ter condições para pagar.

A mãe de Alda recebia pensão como filha solteira de militar e faleceu em agosto de 2000. A Marinha não cessou o pagamento. Alda, por sua vez, aproveitou a situação, deixou de informar o óbito à Força e, com o auxílio de duas primas, agiu para perpetrar a fraude ao longo de duas décadas. O último pagamento foi realizado pela Marinha em janeiro de 2018.

No decorrer desse período, a Marinha solicitou nove provas de vida, mas não conseguiu identificar a fraude. Isso porque Alda pedia a uma prima que se passasse pela mãe dela. A farsa colou.

Trecho da ação da AGU contra filha que usou dinheiro de pensão depositada indevidamente pela Marinha na conta da mãe falecida
Trecho da ação da AGU contra filha que usou dinheiro de pensão depositada indevidamente pela Marinha na conta da mãe falecida

“Além de, inicialmente, ter omitido a informação sobre o óbito da ex-pensionista para continuar sacando os valores da pensão militar, a acusada, agindo de forma comissiva, orquestrou uma engenhosa artimanha para burlar o instrumento de fiscalização da Administração Militar, no caso, o procedimento de prova de vida, utilizando-se de interposta pessoa que se fazia passar pela falecida”, assinalou o ministro Lúcio Mário de Barros Góes, do Superior Tribunal Militar (STM), ao condená-la a três anos e dois meses de reclusão, em abril de 2021.

Atualmente, Alda tem 63 anos e mora em São Gonçalo. Ela é alvo de uma ação de cobrança impetrada pela AGU para ressarcimento de R$ 3,8 milhões, valor corrigido pela variação da Selic e atualizado com juros de mora.

Estelionatos & estelionatos

O caso de Alda não é isolado. Levantamento feito pela coluna encontrou mais de uma dezena de processos em que as Forças Armadas depositam a pensão na conta de mortos durante anos, e os filhos, netos ou procuradores acabam usando o dinheiro indevidamente. Juntos, somam quase R$ 8 milhões em fraudes.

A situação é enquadrada como crime de estelionato. A jurisprudência do tribunal militar tem se consolidado no sentido de que a movimentação da conta bancária de pensionista morto, somada à não comunicação do falecimento, configura o silêncio “conveniente e malicioso”. Tais elementos são considerados suficientes para caracterizar a fraude.

Nos próximos dias, a coluna publica uma série de reportagens sobre fraudes em pensões militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. São casos que beiram o absurdo e representam milhões de reais desperdiçados pela União, ano após ano. As pensões militares entraram na mira do governo federal ante a necessidade de conter os gastos públicos.

Neta usou pensão da avó falecida para fazer compras nas Casas Bahia

No último dia 2 de setembro, o STM manteve a condenação a dois anos de prisão de Alcy Mare Sant’Anna Magalhães por também usar o dinheiro depositado indevidamente na conta da avó falecida, que era pensionista militar do Exército.

Alcy era a única procuradora da avó, que morreu em abril de 2007. Nesse caso, o Exército depositou a pensão por pouco mais de uma década, até outubro de 2018, na conta da falecida, no valor total de R$ 1,02 milhão. A neta não comunicou o óbito ao Serviço de Inativos e Pensionistas (SIP) da Força, nem ao banco.

Quando o Exército descobriu a fraude, em 2018, já era tarde demais. Alcy já tinha retirado e usado R$ 367,3 mil da conta da avó falecida.

O Ministério Público Militar apontou que a neta usou o cartão para fazer compras nas Casas Bahia e que tinha o costume de sacar os valores depositados indevidamente.

Trecho da denúncia do MPM contra neta que usou dinheiro de pensão depositada indevidamente pelo Exército na conta da avó falecida
Trecho da denúncia do MPM contra neta que usou dinheiro de pensão depositada indevidamente pelo Exército na conta da avó falecida

“Nesse sentido, a acusada agiu com o ardil consistente na não comunicação do óbito ao Serviço de Inativos e Pensionistas da 1ª Região Militar, ao qual a ex-pensionista era vinculada, ou mesmo ao Banco do Brasil, onde estava registrada a conta para depósitos das pensões, para apropriar-se dos valores destinados à pensionista falecida, valendo-se de documentos, cartões e senhas para efetuar retiradas e pagamentos”, assinalou o ministro relator Celso Luiz Nazareth, do STM.

“A conduta amolda-se perfeitamente às hipóteses de ‘fraudes previdenciárias’, recorrentemente julgadas por este Tribunal, em que há, por parte da acusada, a intenção deliberada de induzir e de manter a Administração Militar em erro”, prosseguiu.

Pouco antes de o STM manter a condenação, a AGU entrou com uma ação de execução contra Alcy cobrando R$ 1,5 milhão, de acordo com cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU). O valor considera o montante depositado indevidamente na conta da avó, atualizado com juros, além de uma multa de R$ 90 mil.

Desde então, a Justiça não conseguiu localizar a neta. Em outubro, o juiz substituto Eduardo Aidê Bueno de Camargo, da 3ª Vara Federal de Niterói, determinou o prazo de um ano para encontrar a executada ou os bens penhoráveis dela; caso contrário, os autos deverão ser arquivados.

O que dizem Exército, Marinha e Aeronáutica

Procurado, o Exército informou que, a fim de impedir o pagamento de pensões a pessoas falecidas, são adotados dois procedimentos:

  • Prova de vida: comprovação de que o beneficiário ainda está vivo e pode continuar recebendo seu benefício previdenciário. Trata-se de um procedimento importante para evitar fraudes e pagamentos indevidos, por isso deve ocorrer periodicamente; e
  • Cruzamento de base de dados: todos os meses, dados de pagamento de pessoal são comparados com as informações existentes no Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc), que é uma base de governo que tem por finalidade captar, processar, arquivar e disponibilizar dados relativos a registros de nascimento, casamento, óbito e natimorto, produzidos pelos cartórios de registro civil das pessoas naturais.

A Marinha e a Aeronáutica não se manifestaram. O espaço segue aberto.

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