Governo Lula perde R$ 573,3 milhões em prescrição de multas do Ibama
Ao todo, foram 1.316 autos de infração prescritos. As multas mais antigas do Ibama remontam a 1991
atualizado
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O governo Lula (PT) deixou de receber R$ 573,3 milhões com a prescrição de multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos últimos dois anos. O valor equivale a um quarto do orçamento do órgão ambiental.
Somente de janeiro a outubro de 2024, foram R$ 270,3 milhões, ante os R$ 303 milhões de 2023. No total, 1.316 autos de infração prescreveram. A coluna obteve os dados via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Na prática, o Ibama identifica os infratores e aplica as multas. O processo, no entanto, fica parado durante anos, até que prescreve. O valor, então, deixa de ser recolhido aos cofres públicos.
Há multas prescritas que foram registradas há décadas – a mais antiga remonta a 1991. Entre os principais motivos da prescrição, estão a falta de servidores do Ibama e o excesso de judicialização por parte dos infratores.
Lista de infratores
A lista de infratores que tiveram as multas prescritas é composta por agricultores, empresas e empresários de diferentes segmentos da economia: construtoras, siderúrgicas, petroleiras, pecuaristas, entre outros.
Um dos casos que chama a atenção é o da Petrobras, que deixou de pagar R$ 7,7 milhões em valores atualizados. Três multas da estatal prescreveram no último ano. A maior delas, de R$ 6,1 milhões, foi aplicada em 2008, devido ao funcionamento de serviço potencialmente poluidor em Salvador (BA), o que contrariaria normas legais e regulamentos pertinentes.
Procurada, a petrolífera informou que “realiza uma avaliação técnica e jurídica das mesmas e, como permite a legislação brasileira, reserva-se o direito de contestá-las administrativamente nos casos em que há divergência de entendimento”.
Ainda por meio de nota, a Petrobras ressaltou também “que tais questionamentos, muitas vezes, são acatados pelos órgãos competentes, o que resulta na anulação ou redução do valor das multas. Dessa forma, eventuais pagamentos dependem da conclusão dos trâmites administrativos e processuais, cujos prazos e andamento, em sua grande maioria, não estão sob responsabilidade da empresa”.
Até mesmo órgãos da Administração Pública escaparam de quitar as multas com o governo federal por prescrição. É o caso do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que teve três autos de infração prescritos entre 2023 e 2024 que, juntos, somam mais de R$ 40 milhões.
Em 2007, o Incra foi multado em R$ 24,6 milhões pelo Ibama sob a acusação de destruir e danificar 17,5 mil hectares da Amazônia em área de especial preservação, no Assentamento Boa Esperança I, II e III, em Nova Ubiratã (MT).
Naquele mesmo ano, o órgão foi multado, em R$ 9,3 milhões, por “instalar projeto de assentamento agrário sem o licenciamento ambiental do órgão competente” na cidade de Ponta Porã (MS). Outra multa que deveria ter sido paga pelo Incra se refere à implementação do Projeto de Assentamento Vale do Arinos, em Juara (MT). Segundo o Ibama, houve efetivo impacto ambiental, sem licença de órgão competente.
Procurado, o Incra informou, em nota, ter celebrado um acordo com o Ibama que atualmente passa por análise de ambos no que tange aos termos para enfrentamento dos passivos ambientais. “Enquanto isso, estão suspensas as aplicações de multas, penalidades, a inclusão do Incra no Cadin e os prazos administrativos”, informou o órgão, em nota enviada à coluna.
Na lista de infratores com multas prescritas estão também a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), considerada a maior indústria siderúrgica do país e da América Latina, com um passivo de R$ 7 milhões que deixou de ser arrecadado; a Rumo Malha Sul S.A., da Rumo Logística, que pertence ao Grupo Cosan, que teve multa prescrita de R$ 578 mil; a Bunge Alimentos, de nutrição animal (R$ 7,6 milhões).
O que diz o presidente do Ibama sobre multas prescritas
Para o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho (PSB), o Brasil vive uma “indústria de crimes ambientais” e um conjunto de fatores explica a prescrição das multas:
“Um deles é uma intensa judicialização das multas. Os autuados não querem, obviamente, pagar e acabam recorrendo do ponto de vista administrativo, mas também jurídico. Outro problema grave é a falta de servidores”, disse o ex-deputado federal, em conversa com a coluna.
“Temos um problema de ineficiência que o Tribunal de Contas da União fiscaliza e avalia que é, de fato, temos um volume de multas muito maior do que a nossa capacidade de lidar com todas elas”, assentiu. “O tribunal coloca que, de fato, precisamos ter mais eficiência não só na cobrança, mas no próprio julgamento desses autos de infração. E isso não é de agora”, completou.
Nessa linha, segundo disse, o órgão contava com 6,3 mil servidores até 2007. Atualmente são 2,7 mil. Desse montante, mil estão para se aposentar nos próximos três anos. Rodrigo Agostinho contou ainda que na última década, 89 escritórios do Ibama foram fechados por falta de pessoal e que o país conta, atualmente, com cerca de 700 fiscais.
O envelhecimento dos agentes também é outro problema apontado pelo presidente do Ibama, uma vez que muitos servidores não têm idade para ir a campo.
Por outro lado, o presidente do Ibama chama a atenção para o fato do uso da tecnologia facilitar o trabalho de fiscalização. Agostinho explica que o uso de computadores e imagens de satélites permitem que autuações sejam aplicadas pelos agentes do Ibama a quilômetros de distância dos locais da infração.
“Existe outro ponto importante que a gente também tinha uma quantidade muito grande de servidores numa época que não existia tanta tecnologia como tem hoje. Então, com inteligência artificial, com imagem de satélite, eu consigo fazer [a fiscalização]. Por exemplo: se a pessoa está desmatando agora no Amapá, eu autuo ela aqui do Ibama. Não preciso mandar um fiscal lá na propriedade. Eu faço isso via satélite”, pontuou.
Concurso do Ibama em fevereiro de 2025
Para repor esse desfalque do quadro de pessoal, o órgão convocou cerca de 200 aprovados no último certame. Rodrigo Agostinho informou também que, em fevereiro de 2025, o Ibama vai lançar concurso com 460 vagas.
Como funciona a prescrição de multas
Em ofício, o Ibama explicou à coluna que há três tipos de prescrição: punitiva, intercorrente e executória. Cada uma tem requisitos distintos com base na Lei nº 9.873/1999. Confira:
- Prescrição da pretensão punitiva: prazo que a administração tem para agir, sendo de 5 anos a partir da prática do ato ou, em infração continuada, do fim da infração;
- Prescrição intercorrente: é quando o processo administrativo fica sem movimentação por mais de 3 anos;
- Prescrição executória: prazo para cobrança judicial da multa depois do término do processo.
Uma pessoa que comete uma infração ambiental no Brasil, segundo explicou o presidente do Ibama, pode ser triplamente responsabilizada: administrativamente (embargos, interdições, perda de equipamentos, perda do animal); criminalmente (aplicação de penas baixas) e a terceira esfera é a cível (reparar o dano). Essa última sanção é a única que não prescreve. Dessa forma, se alguém destruir uma floresta, ela terá que recuperar o dano causado.
“A administrativa e a penal prescrevem. Então, o que o autuado faz: ele sempre trabalha na lógica do seguinte: ‘eu vou botar advogado, se eu tiver dinheiro, eu vou botar advogado e vou brigar até o último dia’. Então, isso não tem muito a ver com a conversão da multa. Isso tem a ver com o esforço do autuado de não ser responsabilizado.”
Uso de laranjas dificulta cobrança de multas na Amazônia
O uso de laranjas por parte de grileiros e garimpeiros é outro grande desafio para que o Ibama consiga cobrar as multas. Rodrigo Agostinho explica que isso é uma prática muito comum na região da Floresta Amazônica.
“O desmatamento na Amazônia muitas vezes acontece com o processo de grilagem da terra. Então, as pessoas se apropriam da terra pública, desmatam ilegalmente. É uma terra que normalmente não está cadastrada, não se sabe quem está lá. Não tem título, não tem cartório, a não ser quando a pessoa faz o Cadastro Rural.”
Muitas vezes, esses laranjas, segundo ele, são pessoas sem condições que se sujeitam a esse tipo de situação em troca de alguns trocados.
Ações do Ibama para diminuir perdas de arrecadação com as multas
Agostinho relatou que o projeto dele é devolver o recurso das multas para o meio ambiente com o programa Conversão de Multas Ambientais, retomado em 2023 após ser descontinuado durante a gestão do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL).
Funciona assim: o autuado, em vez de pagar na Justiça, vai se propor a recuperar o meio ambiente. Não se trata de cobrança da multa. A adesão à conversão da autuação é feita de forma voluntária pelo infrator.
Para o presidente, o projeto tem dado certo. “A conversão é uma solução que a gente espera que muitos autuados parem de brigar com o Ibama [na Justiça]. A ideia é evitar a judicialização, que tem um custo enorme, e as pessoas, de fato, invistam em meio ambiente”, afirmou.
“Queremos agora ganhar escala, mas, para ganhar escala, o Tribunal de Contas da União recomendou selecionarmos um banco para gerir os recursos”, completou Agostinho. Os valores não entram para os cofres do Ibama, mas sim para uma conta bancária específica. Nesse sentido, ele disse que o Ibama está prestes a assinar um contrato com a Caixa Econômica Federal para a instituição financeira gerir as contas de conversão de multa de cada autuado.
Renegociação dos valores das multas ambientais
Em outubro de 2024, a Advocacia-Geral da União (AGU) regulamentou uma portaria do Desenrola das empresas com dívidas ativas com autarquias, agências reguladoras e fundações federais. O passivo renegociado inclui também multas aplicadas pelo Ibama.
Dessa forma, Rodrigo Agostinho informou que, até o início de dezembro, o Ibama recebeu R$ 422 milhões em multas que foram renegociadas pela AGU.
O Desenrola criado para empresas devedoras prevê descontos que variam de 5% a 70%, mas depende do perfil do devedor e do tempo de inscrição em dívida ativa. Os devedores podem quitar os débitos à vista ou parcelar em até 145 meses. As transações envolvem também abatimento de juros.
As empresas tiveram o prazo do dia 21 de outubro até 31 de dezembro para aderir ao programa. A expectativa da AGU é arrecadar R$ 4 bilhões.