Egípcia ficou “completamente abalada” após ser assediada por diplomata
Diplomata brasileiro assediou funcionária egípcia com beijo na boca, mas Itamaraty não viu “conduta escandalosa” e o manteve no cargo
atualizado
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A funcionária egípcia que foi assediada sexualmente pelo diplomata brasileiro Rubem Mendes de Oliveira ficou “completamente abalada” após ter sido beijada na boca sem consentimento, relatou um servidor que trabalhou com a vítima.
O caso de assédio sexual, revelado pela coluna, ocorreu em 28 de fevereiro de 2022 dentro da Embaixada do Brasil no Egito. Rubem, hoje com 60 anos, respondeu a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), mas não foi expulso – apesar de a legislação brasileira prever a demissão de servidores públicos por “conduta escandalosa”. Por outro lado, o servidor ganhou cargos de chefia e atualmente trabalha na embaixada brasileira em Berna, na Suíça.
Em depoimento, um funcionário do Itamaraty que trabalhou com Rubem e a vítima no Egito relatou que a mulher, que na época tinha 23 anos, ficou “muito abalada” nos primeiros dias. Ele relatou também que a jovem o procurou algumas vezes “chorando” para conversar.
“Era claro o seu sentimento de culpa, de violação, muito evidente para todo mundo”, acrescentou a testemunha.
O estado de constrangimento é descrito pela própria vítima ao fazer a denúncia que originou o PAD no Itamaraty. Em relato enviado por e-mail (leia aqui a íntegra) a jovem descreve que sentiu “nojo” e que o ato lhe trouxe “muita dor e raiva”.
“Ele me abraçou e me beijou nos lábios, não nas bochechas, e isso me deixou em choque total. Eu não era capaz de abrir minha boca e dizer qualquer palavra. Eu congelei. Minha mente não conseguia nem imaginar o que tinha acontecido. Então, eu dei as costas para ele e me dirigi para a porta de seu gabinete, enquanto o ouvia dizer: ‘Assim eu nunca vou te esquecer’. Saí para o meu escritório para desinfetar a boca por nojo, peguei minha bolsa e deixei imediatamente a embaixada”, relata a jovem.
Após sair da embaixada, a vítima entrou no carro e desabou a chorar.
“Quando entrei no carro, não consegui nem dirigir, meu corpo estava tremendo e liguei para [uma amiga] para contar o que aconteceu e comecei a chorar. Até que ela me acalmou um pouco e eu consegui recuperar minha força. Cancelei um compromisso e fui para casa. No dia seguinte, passei o dia chorando”, acrescenta.
A funcionária egípcia relatou ainda que ficou quase duas semanas triste, com raiva, chorando. Sem conseguir se concentrar no trabalho. “Me senti perdida, não sabia o que fazer e não sabia o que iria acontecer”.
A jovem tinha medo de denunciar o diplomata pois temia que o pai dela, se soubesse do caso de assédio, a proibiria de trabalhar. Mesmo assim, ela fez a denúncia quase um mês depois. Enviou um e-mail para a embaixada, que abriu um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
Rubem confessou ter beijado a funcionária, mas se disse arrependido.
Itamaraty não viu “conduta escandalosa” de diplomata e o manteve no cargo
A lei 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos, prevê a demissão de funcionários em casos de “conduta escandalosa”. O Itamaraty, porém, não entendeu que houve conduta escandalosa por parte de Rubem.
Na conclusão do PAD, o Ministério das Relações Exteriores avaliou que o diplomata apresentou “conduta incompatível com a moralidade administrativa” e não observou as “normas legais e regulamentares”. Nesses casos, a pena é mais branda.
No dia 21 de dezembro de 2022, o então ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, determinou 40 dias de suspensão. A punição, no entanto, foi convertida em multa. Naquele período, Rubem estava na embaixada de Porto Príncipe e a sua ausência, segundo o Itamaraty, poderia afetar o trabalho da missão diplomática.
Mesmo depois do caso de assédio, Rubem foi “promovido” duas vezes a cargos de chefia nas embaixadas em que trabalhou. A mais recente ocorreu em agosto deste ano, quando virou chefe do Setor de Promoção Comercial (Secom) e de Ciência, Tecnologia e Inovação (Sectec) do Brasil em Berna. A nova função lhe garante rendimentos extras.
Por mês, o servidor ganha quase R$ 100 mil. O último contracheque de Rubem disponível no Portal da Transparência é de dezembro do ano passado. Na ocasião, ele recebeu US$ 10.804,14 de salário (o equivalente a R$ 61.075,81 na cotação atual) e mais US$ 5.758,72 (R$ 32.554,05) em verbas de indenização.
O diplomata também é beneficiado financeiramente quando muda de embaixada.
Em fevereiro de 2022, quando foi de Cairo para Porto Príncipe, ganhou R$ 114.494,27 do Itamaraty como “ajuda de custo”. Em junho deste ano, recebeu mais R$ 136.785,40 para se transferir do país caribenho para a Suíça, onde reside atualmente.
O que diz o Itamaraty
Procurado, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que a ocupação dos cargos de chefia pelo diplomata não se relaciona a promoção. “As funções que ocupou e que ocupa atualmente são funções compatíveis com o seu nível hierárquico. O referido servidor é conselheiro da carreira de diplomata desde 2014, não tendo recebido nenhuma promoção no âmbito da carreira desde então”, esclareceu.
O ministério explicou ainda que a chefia de setores é “fato corriqueiro para diplomatas no exterior, não sendo incomum, em postos pequenos e médios, que um diplomata chefie um ou mais setores, tendo em vista a necessidade de distribuir as tarefas entre um número relativamente restrito de diplomatas”.
“O servidor foi responsabilizado e devidamente penalizado por suas condutas, e os objetivos da atividade disciplinar parecem ter sido alcançados”, acrescentou.
Rubem foi procurado por e-mail, mas não retornou. O advogado dele disse que não iria se manifestar.