Deputado beneficiado em R$ 4 milhões via Perse será investigado no TCU
Coluna revelou que duas empresas do deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE) foram beneficiadas por lei criada pelo parlamentar
atualizado
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O subprocurador-geral Lucas Furtado, que representa o Ministério Público (MP) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), identificou indícios de irregularidades na aplicação de benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) a empresas do deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE).
Conforme a coluna revelou, o parlamentar foi beneficiado em quase R$ 1 milhão nos oito primeiros meses deste ano por meio do Perse. As empresas também receberam outros R$ 3 milhões em isenção em 2022 e 2023. Carreras, contudo, é autor da própria legislação e considerado o principal articulador da renovação do programa neste ano.
“Utilizar a aprovação de leis para se obter benefícios diretos a empresas em que o parlamentar atua como sócio é afronta direta a esses princípios [da impessoalidade e da moralidade]. É possível visualizar que esse descumprimento também possui relação com aspectos financeiros afetos à competência deste Tribunal de Contas”, escreveu o subprocurador.
A partir da representação de Furtado, o TCU abriu um processo. O relator do caso será o ministro Antonio Anastasia.
Caso seja confirmado os indícios de irregularidade, Furtado pediu também que seja instaurado processo de tomada de contas especial para responsabilização dos agentes envolvidos e que o caso seja enviado ao Ministério Público Federal (MPF).
As empresas de Carreras, a produtora de eventos Festa Cheia e o restaurante Ruffo, ambas com sede em Recife, foram isentas de pagar R$ 940 mil em impostos em 2024 graças a lei do Perse – criada, desenhada e articulada pelo parlamentar, sob o pretexto de recuperar as perdas ocasionadas pela pandemia da Covid-19 no setor de eventos.
As companhias tiveram outros R$ 3,2 milhões em isenção fiscal por meio do Perse em 2022 e 2023, segundo dados do Portal da Transparência.
O que escreveu o procurador
Na representação, Lucas Furtado destaca importância do Perse (Lei 14.148/2021), que beneficiou várias empresas do setor de eventos. No entanto, o subprocurador pondera sobre as empresas ligadas ao parlamentar.
“Ainda que isso não comprometa a funcionalidade e todos os benefícios trazidos pelo Perse para um setor de tão variada atuação, entendo que a reportagem traz indícios de que a aplicação do Perse especificamente para as empresas Festa Cheia Produções e Propaganda Ltda e Restaurante Ruffo possa não ter seguido a devida interpretação legal”, observou.
Diante desses elementos, o subprocurador entendeu que “se pode estar diante de descumprimento de preceitos básicos aplicáveis à administração pública, como o princípio da impessoalidade e da moralidade”.
“Vejo como necessária a atuação desta Corte para verificar possíveis descumprimentos a tais preceitos, tendo em vista a direta atuação do parlamentar na aprovação e, mais ainda, na prorrogação da Lei do Perse”, escreveu Lucas Furtado.
Empresas gozam de boa saúde financeira
A Festa Cheia tem feito shows a todo vapor, com patrocínios de bets e presenças de artistas famosos. Em 2023, a produtora teve um faturamento de R$ 20,2 milhões. Desse total, o lucro foi de R$ 15 milhões, o que representa um resultado líquido de 74,3%, considerado fora da curva.
Já em 2022, a receita foi de R$ 8,3 milhões e o resultado líquido, de R$ 6,4 milhões (77%).
Nos últimos dois anos, Carreras ganhou R$ 10,5 milhões de lucro da Festa Cheia. O valor equivale a 68% do patrimônio declarado pelo político nas eleições de 2022, de R$ 15,4 milhões. Ou seja, em dois anos ele conseguiu lucrar o equivalente a dois terços do que acumulou ao longo de uma vida inteira.
A reportagem mostrou também que o restaurante Ruffo foi criado quatro meses depois do fim da emergência sanitária da Covid-19 e não foi atingida pelo auge da crise causada pela pandemia.
O que diz o deputado beneficiado pelo Perse
Procurado, Felipe Carreras assegurou que a inclusão de suas empresas no Perse seguiu os critérios estabelecidos pela legislação e explicou que trabalha a favor do setor como um todo, e não de companhias específicas.
“É importante lembrar que o setor enfrentou um longo tempo de proibição de funcionamento durante a pandemia, o que gerou prejuízos profundos, com faturamento perto de zero. Foi o primeiro a parar de funcionar e o último a voltar”, afirmou.
Carreras ressaltou que o fato de a empresa Festa Cheia ter conseguido se reerguer e apresentar bons resultados recentes, conforme demonstrado pela coluna, não elimina os impactos sofridos no período mais crítico.
“Quero enfatizar que, enquanto deputado e presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Turismo e da Frente em Defesa da Produção Cultural e Entretenimento, defendi os setores como um todo, e não uma empresa específica”, disse. “O Perse é uma política de Estado, não de governo”, prosseguiu.
Sobre o restaurante Ruffo, o deputado ressaltou que não tem qualquer participação na gestão do estabelecimento, sendo apenas sócio-investidor.
“A decisão de adesão ao Perse foi tomada pela administração da empresa, dentro dos parâmetros legais. O CNAE bares e restaurantes está contemplado no Perse devido à sua importância estratégica na geração de empregos e na recuperação econômica, conforme demonstrado pelos dados do IBGE e do Ministério do Trabalho”, explicou o parlamentar.
“Defendo rigorosamente o bom uso do programa, de forma transparente e justa, cumprindo absolutamente o que está estabelecido na lei criada e aprovada pelo Congresso Nacional. Caso a Receita Federal identifique qualquer irregularidade, é responsabilidade dela revisar o enquadramento de empresas que não estão em conformidade, inclusive recorrendo de decisões judiciais”, continuou Carreras.
Por fim, negou ter infringido o princípio da impessoalidade ao criar e articular pela isenção que beneficiou ele mesmo.
“Seria estranho e até uma forma de traição com o setor que eu represento e me elegeu se eu não fizesse a defesa que faço. A Câmara é uma casa plural e tem parlamentares que tem sua plataforma de atuação de acordo que sua experiência”, disse ele.
“Tem deputado que é do agro e defende o agronegócio. Deputado hoteleiro que defende o turismo. Deputado artista que defende a classe artística. Deputado professor que defende a educação. Deputado médico que defende a saúde. Deputado militar que defende a categoria. Esse é o processo normal e democrático”, afirmou.