Deputado lucrou R$ 10,5 mi em 2 anos com empresa beneficiada via Perse
Felipe Carreras é dono de produtora que faz shows com bets. Deputado foi beneficiado em R$ 1 milhão com lei criada por ele mesmo
atualizado
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O deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE) recebeu R$ 10,5 milhões de lucro, nos últimos dois anos, da empresa de eventos Festa Cheia, da qual é sócio. O valor equivale a 68% do patrimônio declarado pelo político nas eleições de 2022, de R$ 15,4 milhões. Ou seja, em dois anos ele conseguiu lucrar o equivalente a dois terços do que acumulou ao longo de uma vida inteira.
Conforme revelou a coluna nessa terça-feira (3/12), a Festa Cheia consta na lista de beneficiárias do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), cuja lei foi criada, desenhada e articulada pelo próprio deputado. A empresa foi isenta de pagar R$ 529,2 mil em impostos ao longo dos primeiros oito meses deste ano.
Com sede em Recife, a Festa Cheia promove eventos com presenças de artistas famosos e patrocínio de bets – apesar de Carreras ter sido o relator da CPI das Apostas Esportivas na Câmara.
A empresa realizou mais de 30 shows, camarotes e festivais entre janeiro de 2023 e novembro de 2024, segundo levantamento feito pela coluna junto às redes sociais da produtora. São megaeventos realizados nas principais cidades de Pernambuco, como Recife, Olinda e Caruaru, e no Rio de Janeiro.
Em 2023, a Festa Cheia teve um faturamento de R$ 20,2 milhões. Desse total, o lucro foi de R$ 15 milhões, o que representa um resultado líquido de 74,3%, considerado fora da curva.
O contrato social da empresa estabelece que o lucro seja distribuído aos sócios anualmente, de acordo com a participação. Carreras detém 50% das quotas da companhia. A outra metade pertence ao promoter e sócio-administrador Augusto Acioli.
Naquele ano de 2023, a Festa Cheia distribuiu R$ 14,9 milhões em dividendos. Isso significa que o deputado ganhou R$ 7,5 milhões de lucro.
Já em 2022 a empresa teve receita de R$ 8,3 milhões e resultado de R$ 6,4 milhões (77%). A produtora, então, distribuiu R$ 4,2 milhões aos sócios. Ao contrário do que prevê o contrato social, contudo, Carreras ficou com a maior parte naquele ano. O deputado ganhou R$ 3 milhões do lucro e Augusto Acioli, R$ 1,2 milhão.
A coluna teve acesso aos balanços de 2022 e 2023 da Festa Cheia enviados à Junta Comercial de Pernambuco (Jucepe). A empresa não disponibilizou os dados dos anos anteriores.
Empresas de deputado foram beneficiadas em quase R$ 1 milhão via Perse
Além da Festa Cheia, Carreras é sócio do restaurante Ruffo, que também ganhou isenção fiscal por meio do Perse. O estabelecimento foi beneficiado em R$ 410,7 mil nos primeiros meses deste ano, segundo dados da Receita. Somando-se à isenção da Festa Cheia, o benefício chega próximo de R$ 1 milhão.
O restaurante Ruffo fica localizado no alto de um prédio em Recife e oferece uma vista privilegiada da capital.
O estabelecimento foi aberto em agosto de 2022, quatro meses depois do fim da emergência sanitária causada pela Covid-19, o que indica que a empresa não foi afetada pelo auge da crise da pandemia.
Carreras é sócio do restaurante através da Festa Cheia, que detém 50% das cotas (na prática, isso significa que o deputado tem 25% de participação no restaurante). Os outros 50% pertencem a José Walter Pedrosa Cavalcanti Filho, o seu Tito, que é ex-assessor do parlamentar pernambucano.
O que diz o deputado
Procurado, o deputado explicou que a inclusão das empresas no Perse seguiu os critérios estabelecidos pela legislação e a finalidade do programa que atende a segmentos específicos.
“É importante lembrar que o setor enfrentou um longo tempo de proibição de funcionamento durante a pandemia, o que gerou prejuízos profundos, com faturamento perto de zero. Foi o primeiro a parar de funcionar e o último a voltar”, afirmou.
Carreras ressaltou que o fato de a empresa Festa Cheia ter conseguido se reerguer e apresentar bons resultados recentes, conforme demonstrado pela coluna, não elimina os impactos sofridos no período mais crítico.
“Quero enfatizar que, enquanto deputado e presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Turismo e da Frente em Defesa da Produção Cultural e Entretenimento, defendi os setores como um todo, e não uma empresa específica”, disse. “O Perse é uma política de Estado, não de governo”, prosseguiu.
Sobre o restaurante Ruffo, o deputado ressaltou que não tem qualquer participação na gestão do estabelecimento, sendo apenas sócio-investidor.
“A decisão de adesão ao Perse foi tomada pela administração da empresa, dentro dos parâmetros legais. O CNAE bares e restaurantes está contemplado no Perse devido à sua importância estratégica na geração de empregos e na recuperação econômica, conforme demonstrado pelos dados do IBGE e do Ministério do Trabalho”, explicou o parlamentar.
“Defendo rigorosamente o bom uso do programa, de forma transparente e justa, cumprindo absolutamente o que está estabelecido na lei criada e aprovada pelo Congresso Nacional. Caso a Receita Federal identifique qualquer irregularidade, é responsabilidade dela revisar o enquadramento de empresas que não estão em conformidade, inclusive recorrendo de decisões judiciais”, continuou Carreras.
Por fim, negou ter infringido o princípio da impessoalidade ao criar e articular pela isenção que beneficiou ele mesmo.
“Seria estranho e até uma forma de traição com o setor que eu represento e me elegeu se eu não fizesse a defesa que faço. A Câmara é uma casa plural e tem parlamentares que tem sua plataforma de atuação de acordo que sua experiência”, disse ele.
“Tem deputado que é do agro e defende o agronegócio. Deputado hoteleiro que defende o turismo. Deputado artista que defende a classe artística. Deputado professor que defende a educação. Deputado médico que defende a saúde. Deputado militar que defende a categoria. Esse é o processo normal e democrático”, afirmou.