Que fim levou o manual anticorrupção do PT
Partido investiu em uma cartilha com regras internas para evitar desvios de conduta, mas não explica o que foi feito dela
atualizado
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No início de 2019, quando havia acabado de ser derrotado nas urnas e o ex-presidente Lula ainda estava na cadeia, o PT contratou um escritório de advocacia para elaborar um “programa de combate ostensivo à corrupção”. O objetivo era estabelecer regras mais claras e rígidas para prevenir desvios de conduta de seus dirigentes e colaboradores e criar um setor de compliance, que ficaria responsável por fiscalizar e punir malfeitos.
O trabalho foi desenvolvido por um escritório sediado no Paraná, terra da presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann, e custou R$ 150 mil. O serviço foi concluído no início do ano passado, quando foram apresentados à cúpula petista a proposta de um manual anticorrupção e de uma resolução com normas a serem seguidas pela área de compliance.
Os documentos foram apresentados pelo PT à Justiça Eleitoral para justificar o contrato com o escritório de advocacia. O manual continha 21 artigos que listavam oito condutas consideradas ilícitas, como “oferecer vantagens indevidas de qualquer natureza para se obter qualquer finalidade lícita ou ilícita”, a famosa propina, e “ocultar a origem ou o valor de contribuições e doações recebidas”, o popular caixa dois.
Entre as vantagens consideradas indevidas no documento estavam, além de dinheiro e doações, “presentes”, “viagens” e “benfeitorias em bens particulares” – não por acaso, agrados como os que levaram Lula a ser condenado nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Os processos, como se sabe, depois foram anulados pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou o ex-juiz Sergio Moro suspeito para julgar o ex-presidente.
As normas do manual, segundo o próprio documento, deveriam ser aplicadas “a todos os integrantes e colaboradores do Partido dos Trabalhadores, independentemente de cargo ou função exercidos”. Já a proposta de resolução previa a criação do tal setor de compliance, que se encarregaria de receber e investigar denúncias contra dirigentes e colaboradores.
“O escritório foi contratado para produzir as bases do compliance. Foi feito o manual, foram produzidas várias normas e tudo isso foi entregue. Eles é que têm de concretizar isso internamente”, disse à coluna o advogado Luiz Carlos Rocha, contratado para o serviço no início de 2019, quando o PT ainda juntava os cacos da derrota para Jair Bolsonaro na disputa pela Presidência e Lula ainda estava em uma cela especial da Polícia Federal em Curitiba (na foto em destaque, a PF faz buscas na sede nacional do partido, em São Paulo, como parte da Operação Lava Jato).
Hoje, como o cenário político é completamente diferente – Lula recuperou a liberdade e os direitos políticos e lidera as pesquisas de intenção de voto para presidente, a Lava Jato não existe mais e o tema da corrupção perdeu espaço no debate público –, o assunto parece ter deixado de ser prioridade para o PT.
Políticos petistas ouvidos pela coluna não souberam dizer que destino teve o manual anticorrupção nem se a proposta de criar uma divisão de compliance foi implementada. Procurado, o partido também não respondeu se o setor foi criado. Em nota, limitou-se a dizer que “os relatórios apresentados pela consultoria contratada em 2019 contribuíram para o aperfeiçoamento constante das práticas e normas internas de utilização de recursos do PT, tanto próprios quanto provenientes dos fundos partidário e eleitoral”.
“Todos os contratos do PT contêm regras éticas e de compliance que têm de ser observadas pelos colaboradores internos e externos, assim como pelos contratados, contando com controle interno que acompanha sua execução, orientada pela assessoria jurídica e contábil que expede orientações de aplicação prática, velando pela regularidade da gestão”, diz ainda a nota.