O elo entre o gabinete de Netanyahu, os Bolsonaro e a crise com Israel
Governo Lula acredita que a administração de Netanyahu se move em favor do ex-presidente. Gesto de embaixador chamou atenção do Itamaraty
atualizado
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Em meio à turbulenta crise com Israel, integrantes do governo brasileiro têm chamado a atenção, nos bastidores, para ligações diretas do gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, com a cena política brasileira, em especial com o clã Bolsonaro, e levantado diferentes hipóteses – algumas mais, outras menos plausíveis – para o fato de Tel Aviv ter decidido subir o tom e partir para o confronto com o presidente Lula.
Entre os vários apontamentos feitos nos últimos dias em conversas mantidas entre o Palácio do Planalto e o Itamaraty para avaliar o cenário, surgiu o nome de Yossi Shelley, que foi embaixador de Israel no Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro, criou laços estreitos com a família do ex-presidente e hoje ocupa a estratégica função de chefe de gabinete de Netanyahu.
Relações íntimas com o ex-clã presidencial
Amigo pessoal do primeiro-ministro, que o indicou para o posto, o ex-militar Shelley ficou à frente da embaixada israelense em Brasília de 2017 até 2021. Nesse período, estabeleceu uma relação de intimidade com Bolsonaro e seus filhos e, ainda, com integrantes da equipe do então presidente brasileiro.
Em sua passagem pelo Brasil, houve até um episódio pitoresco que deu o que falar. Em julho de 2019, o então embaixador israelense publicou a foto de um almoço com Bolsonaro na qual apareciam pratos com lagosta, uma iguaria proibida, assim como outros frutos do mar, pelas regras de alimentação da judaica. À época, virou piada a tentativa mal-sucedida de, antes de tornar a imagem pública, apagar o que havia nos pratos (foto em destaque).
Atualmente, Shelley é um dos mais importantes integrantes da equipe de Netanyahu, o que lhe dá um papel de relevo na condução da crise com o Brasil.
A ligação com os Bolsonaro não é, por óbvio, um elemento central na reação de Israel a Lula, até porque o país tem muito mais com o que se preocupar. A avaliação que se faz no Itamaraty é a de que o governo israelense aproveitou a declaração do presidente brasileiro ligando a ofensiva em Gaza ao Holocausto para criar um fato político capaz de ajudar Netanyahu a se fortalecer na política interna – o primeiro-ministro amarga baixos percentuais de aprovação popular.
A conexão de Tel Aviv com a cena política brasileira, porém, é listada como um elemento lateral que não pode ser desconsiderado.
Desconfiança envolve visita de Bolsonaro a Israel
Um episódio recente, anterior à crise, chamou atenção da cúpula do governo e ajudou a levantar suspeitas de que o governo israelense estaria ajudando Jair Bolsonaro a se soerguer do ponto de vista de imagem em meio às investigações de que é alvo.
Pouco antes de o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, ordenar a apreensão do passaporte de Bolsonaro, o atual embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, fez chegar ao Itamaraty a informação de que havia um convite para Bolsonaro visitar Israel, mas que esse convite nada tinha a ver com o governo israelense.
Era, evidentemente, uma forma de o diplomata sinalizar para o governo Lula que Israel não estaria se imiscuindo na política interna brasileira nem se movendo, oficialmente, para dar palanque ao principal oponente do atual presidente.
Só que a iniciativa do embaixador acabou por sinalizar exatamente o contrário. A mensagem fez surgir na cúpula do governo a desconfiança de que, sim, a administração de Netanyahu estaria, ainda que indiretamente, envolvida na visita de Bolsonaro a Israel.
Um dos sinais disso, segundo uma fonte muito bem situada, foi o esforço de Daniel Zonshine para ressaltar que se tratava de uma viagem de “caráter privado”, sem qualquer convite oficial, e que nenhuma instituição ligada ao governo israelense estaria patrocinando a viagem.
A iniciativa do embaixador foi vista como uma “vacina” e a aposta no Itamaraty e no Planalto era que, em algum momento, caso realmente fosse a Israel, Jair Bolsonaro acabaria por ter encontros “fortuitos” com gente importante do governo local, talvez até o próprio Netanyahu, e, claro, exploraria politicamente esses encontros junto à sua militância.
Embaixador sob ameaça de expulsão
Já nos últimos dias, com a especulação de que Zonshine poderia participar do ato convocado por Bolsonaro para domingo na avenida Paulista, as desconfianças se ampliaram.
Tanto que, dentro do governo, já havia o entendimento de que, se o embaixador realmente comparecesse à manifestação, não haveria alternativa a Lula senão expulsá-lo do Brasil, uma vez que ele estaria declaradamente se envolvendo na política interna do Brasil.
“Se ele for, teremos que mandá-lo embora”, cravou à coluna um importante integrante do governo.
O alerta continua ligado, enquanto a crise diplomática também segue em aberto. A resposta desta terça-feira do chanceler Mauro Vieira a seu homólogo israelense, Israel Katz, que havia declarado Lula “persona non grata” no país, foi vista como um passo necessário para não deixar as palavras duras do chefe da diplomacia de Israel sem uma reação à altura. Agora, o Itamaraty avalia que é preciso esperar os próximos passos de Tel Aviv para decidir o que fazer.