O clã Bolsonaro, a fila da cidadania italiana e uma interrogação
Notícia sobre pedido de Flávio e Eduardo levou à suspeita de que os filhos do presidente estariam passando na frente de outros interessados
atualizado
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Revelada pela coluna, a ida do senador Flávio Bolsonaro e do deputado Eduardo Bolsonaro à embaixada da Itália em Brasília na semana passada para dar sequência ao processo de obtenção de cidadania italiana gerou inquietação entre outros brasileiros que, assim como eles, querem se tornar cidadãos do país europeu.
Ao responder sobre o assunto, Flávio afirmou que iniciou em 2019 o processo de cidadania. Ocorre que, de acordo com pessoas que aguardam há anos na fila e com especialistas no assunto, a última convocação da embaixada para os solicitantes apresentarem documentos incluiu apenas quem deu início aos procedimentos em 2018 — se Flávio realmente iniciou em 2019, como diz, pela via normal a vez dele ainda não teria chegado.
A notícia e a explicação de Flávio levaram à suspeita de que os filhos do presidente possam estar furando a fila ou recebendo algum tratamento privilegiado da embaixada italiana.
Advogado especializado em cidadania italiana, Diego Sottili diz que a informação disponível no momento é a de que a última chamada foi para os postulantes que ingressaram com seus processos em 2018.
Sotilli afirma que se os filhos de Bolsonaro realmente tiverem iniciado o processo em 2019, e se a visita da semana passada serviu para a entrega de documentos – a última etapa burocrática antes da decisão final das autoridades italianas –, é um indício de que a fila pode estar sendo burlada.
Outro advogado que atua na área, Christian Mantovani, criou um grupo no Facebook em 2017 no qual pessoas que iniciaram o processo para obtenção de cidadania italiana junto à embaixada em Brasília trocam informações sobre os trâmites e o desenrolar da fila.
Um controle informal do grupo indica que nos últimos meses realmente estão sendo convocadas pessoas que requereram a cidadania em 2018. Ainda assim, o andamento do processo está lento: a última pessoa do grupo que foi contatada teve a entrega de documentos agendada para 2023.
Mantovani diz conhecer ao menos 12 pessoas que iniciaram os trâmites em 2019, mesmo ano em que Flávio Bolsonaro diz ter começado o seu processo, mas ainda não receberam qualquer comunicação sobre o agendamento.
A coluna procurou Flávio Bolsonaro e a embaixada da Itália para indagar sobre a suspeita de que estaria havendo privilégio para o clã presidencial, mas não obteve retorno.
Antes, indagado sobre a visita de Flávio Bolsonaro para avançar no processo de cidadania, o embaixador italiano no Brasil, Francesco Azzarello, havia declarado que não pode informar detalhes por uma questão de privacidade. Sobre o processo de concessão de residência, ele afirmou que a embaixada atua de acordo com as normas.
Disse Azzarello: “Confirmo que o senador Flavio Bolsonaro esteve na embaixada na manhã de terça-feira, 8 de novembro, mas eu não o encontrei pessoalmente. Em relação às razões da visita do senador, por parte da embaixada, existe, claramente, uma questão de respeito pela privacidade. Em matéria consular, a embaixada atua sempre em conformidade com as normas vigentes”.
Na semana passada, a coluna mostrou também que, além de Flávio e Eduardo, outros dois filhos de Jair Bolsonaro, Carlos e Jair Renan, já possuem os documentos necessários para a obtenção da cidadania – os papéis são necessários para dar início ao processo junto à embaixada italiana. O trabalho de coleta da documentação foi feito por uma empresa de Curitiba contratada pela família do presidente. A empresa confirmou que fez o serviço para os Bolsonaro, mas se negou a dar detalhes.