Exército defendeu estafeta de Bolsonaro investigado por incitar golpe
Oficial, que trabalhava no gabinete de Jair Bolsonaro, está atualmente empregado no PL, partido do ex-presidente da República
atualizado
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Em ofício datado de março deste ano — já sob o governo Lula, portanto –, o Exército defendeu o capitão Andriely Cirino, alvo de uma investigação no Ministério Público por incitar um golpe de Estado por mensagens distribuídas via WhatsApp.
O capitão Andriely Cirino trabalhava no Palácio do Planalto e era pago com dinheiro público para gravar vídeos curtos do então presidente Jair Bolsonaro para distribuição imediata nas redes sociais bolsonaristas.
A apuração da Procuradoria teve início após a descoberta de que, a partir da derrota de Bolsonaro, o oficial distribuiu mensagens de teor golpista.
Inicialmente, o caso foi para o Ministério Público Militar, o qual entendeu que a atribuição não era sua e remeteu os autos para o Ministério Público Federal em Brasília.
Com o procedimento já no MPF, oficiais procuraram o capitão para intimá-lo, mas não tiveram sucesso — ele não foi localizado nos endereços declarados.
O destino de Cirino, porém, é curioso. Como mostrou a coluna nesta terça-feira, em junho deste ano ele foi contratado pelo PL, o partido de Jair Bolsonaro, e hoje integra o staff que serve ao ex-presidente.
“Sem crime”
A coluna teve acesso aos autos da investigação e deles faz parte um ofício no qual o Exército rechaça as suspeitas sobre a conduta do capitão e o defende abertamente, sem meias palavras.
Enviado em 24 de março ao Ministério Público Militar, que havia solicitado explicações, o papel é assinado pelo general de divisão Alexandre de Almeida Porto, que à época estava respondendo pela vice-chefia do DGP, o Departamento Geral de Pessoal do Exército, onde Cirino foi lotado após deixar o Planalto.
No ofício, o general responde pontualmente sobre as mensagens do capitão e sobre as suspeitas que supostamente o enredam em três crimes previstos no Código Penal — incitação das Forças Armadas contra as instituições, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e tentativa de depor, com emprego de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente eleito. Diz ele:
“Este Departamento entende no que diz respeito aos artigos 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de estado) do Código Penal, que não há referência a emprego de violência ou grave ameaça na suposta conduta do militar, pois, no Direito Penal, a violência é caracterizada pela utilização de força física ou pressão psicológica contra a vítima, enquanto a grave ameaça é a utilização de meios que causem medo ou terror à vítima”.
O general diz ainda que “no que se refere aos fatos narrados, e, especialmente, quanto ao artigo 286 do Código Penal (incitação ao crime), tal conduta ilícita consiste em estimular ou instigar outra pessoa a cometer um crime, isto é, para que se configure esse tipo penal é necessário que a instigação tenha sido capaz de influenciar a decisão do sujeito instigado em (sic) praticar o crime, mesmo que este não tenha sido efetivamente realizado, o que também não resta caracterizado”.
Alexandre de Almeida Porto sustenta também que não há “indícios do cometimento de crime militar por parte do Capitão Andriely Cirino”. “Com base nos elementos disponibilizados, não há, no entendimento deste Departamento, e, numa leitura dos fatos e condutas narrados, indícios de materialidade de crime militar”, diz o general, acrescentando que a abertura de um procedimento do tipo no Exército poderia expor os responsáveis a um possível enquadramento por abuso de autoridade.
Caso prossegue no MPF
Os argumentos parecem ter surtido efeito, pelo menos no Ministério Público Militar. Foi pouco depois da manifestação do general que a promotora Ana Carolina Teles, que estava encarregada do caso, entendeu que não havia de fato crime militar e resolveu encaminhar o material para o MPF.
Na Procuradoria da República no Distrito Federal, a apuração prossegue. Agora que tem seu paradeiro conhecido, Cirino deverá ser chamado a prestar depoimento.
O capitão, que estava na ativa à época do envio das mensagens, integrava o time de estafetas militares que servia a Bolsonaro no gabinete presidencial. Parte do grupo continuou com o ex-presidente depois que ele deixou o Planalto e ganhou, como prêmio, uma boquinha no PL.