Espião russo: caso Allan dos Santos pesou para “não” do governo Lula aos EUA
Washington pediu a extradição de Sergey Cherkasov, mas o processo foi barrado sumariamente, no Ministério da Justiça
atualizado
Compartilhar notícia
A postura americana em relação à ordem de prisão do blogueiro radical bolsonarista Allan dos Santos pesou na decisão do Ministério da Justiça de Lula de barrar o pedido feito pela administração de Joe Biden para extraditar para os Estados Unidos o espião russo Sergey Vladimirovich Cherkasov.
Condenado por uso de documentos falsos, Cherkasov está preso em uma área especial da penitenciária federal de segurança máxima de Brasília e é alvo de uma segunda investigação, por lavagem de dinheiro.
Assim como o governo russo, os Estados Unidos solicitaram a extradição do espião, sob a alegação de que ele atuou em território americano no período em que usou uma identidade brasileira falsa.
Como a coluna informou ontem, em primeira mão, o pedido americano foi rejeitado sumariamente pelo governo brasileiro, já na primeira análise, no Ministério da Justiça.
Embora a negativa tenha sido justificada com argumentos técnicos, o fator político teve grande peso na decisão, dizem fontes graduadas do governo a par do assunto.
Segundo uma dessas fontes, um dos motivos principais para a negativa foi a falta de reciprocidade dos americanos em pedidos similares que são feitos pelo Brasil a Washington.
O caso do radical bolsonarista Allan dos Santos é não apenas lembrado como o maior exemplo disso como apontado como uma das razões do “veredicto”, avalizado pela alta cúpula do governo.
Morando nos Estados Unidos, de onde dispara ataques até hoje contra as instituições brasileiras em eventos e em lives transmitidas pela internet, o blogueiro tem contra si uma ordem de prisão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Ele é acusado de ameaçar autoridades, praticar crimes contra a honra e de incitar a prática de crimes.
O governo americano, porém, nunca se dispôs a extraditá-lo para o Brasil, queixa-se um importante integrante do governo Lula.
“Você sabe quando os EUA vão extraditar o Allan dos Santos? Pau que dá em Chico também dá em Francisco”, afirma, sob reserva, um dos envolvidos na decisão.
A prisão do espião
Sergey Cherkasov foi preso pela Polícia Federal em abril do ano passado, no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
Apontado como integrante do GRU, braço da inteligência militar russa, o espião viveu durante anos no Brasil. Ele havia assumido uma identidade brasileira: Victor Muller Ferreira.
Sob a máscara do personagem construído ao longo de quase uma década, chegou a viajar para os Estados Unidos, motivo pelo qual passou a ser investigado também em território americano.
A prisão de Cherkasov se deu depois que autoridades holandesas desarticularam um plano para infiltrá-lo na Corte Penal de Haia, na Holanda, onde correm processos contra o presidente russo, Vladimir Putin.
Flagrado ao chegar à Holanda em um voo que havia partido de Guarulhos, ele foi enviado de volta ao Brasil, e a PF, acionada pela inteligência holandesa, o prendeu no desembarque.
Dois pedidos de extradição
O governo de Joe Biden pediu a extradição do espião para os Estados Unidos em razão das suspeitas de que ele, com a identidade brasileira falsa, teria operado em solo americano no período em que fez um curso em uma das mais prestigiosas universidades de Washington.
A solicitação foi feita ao DRCI, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, vinculado ao Ministério da Justiça. Cabe ao órgão avaliar se os pedidos de extradição cumprem os requisitos administrativos e legais, em uma primeira fase do processo. Preenchidos os requisitos, os casos são enviados ao Supremo Tribunal Federal, que os julga antes de o presidente da República dar a palavra final.
No caso do pedido americano, o processo parou já na primeira etapa. Foi barrado durante essa análise prévia no departamento subordinado ao ministro Flávio Dino. Com isso, nem chegou ao STF.
A Rússia já havia pedido a extradição de Cherkasov, alegando que ele é um criminoso comum condenado pela justiça local e que, por isso, precisa ser enviado de volta ao país para cumprir pena. Trata-se de uma tática usada frequentemente por Moscou para repatriar seus espiões quando eles são pilhados em atividade no exterior. As autoridades brasileiras já sabem, porém, que a alegação é falsa.
O pedido de extradição feito pelo governo russo já havia recebido o aval do Ministério da Justiça e está em tramitação no Supremo, nas mãos do ministro Edson Fachin.