Espião russo: área de inteligência quer extradição para os EUA
Oficiais brasileiros entendem que mandá-lo de volta para Moscou, como quer o governo de Vladimir Putin, é ceder a uma descarada mentira
atualizado
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A cúpula da área de inteligência do governo trabalha silenciosamente nos bastidores para que o espião russo Sergey Vladimirovich Cherkasov seja deportado para os Estados Unidos e não para a Rússia, como quer o governo de Vladimir Putin.
Cherkasov foi preso pela Polícia Federal em abril do ano passado no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. A prisão se deu depois que autoridades holandesas desarticularam o plano dele de ingressar em um programa de estágio na Corte Penal de Haia, onde correm processos contra Putin, usando uma identidade brasileira falsa.
Desde o governo de Jair Bolsonaro, o caso é tratado com máximo cuidado pelo Brasil por envolver sérios riscos de crise diplomática.
Atualmente, há dois pedidos de extradição de Cherkasov. O primeiro foi feito pela Rússia. O outro é do governo americano, que investiga o espião porque, também usando a identidade falsa, ele esteve nos Estados Unidos e, por lá, passou uma temporada em uma das mais prestigiosas universidades de Washington.
“Mentira”
O pedido de extradição feito ao Brasil pela Rússia usa um expediente conhecido na comunidade de inteligência para tentar levar de volta para casa espiões pilhados e detidos em franca operação.
Além de, evidentemente, negar que Cherkasov seja um agente secreto, o governo de Putin alega que ele é um criminoso comum condenado pela justiça russa e que, por isso, precisa ser extraditado.
As autoridades brasileiras sabem que essa história é tão falsa quanto a identidade brasileira do espião — uma história “montada” pelas autoridades russas para ter Cherkasov de volta em Moscou.
É justamente por esse motivo que a área de inteligência do governo brasileiro trabalha para que o pedido feito pela Rússia não seja atendido.
Oficiais ouvidos pela coluna dizem que, se forem consultados antes da decisão final, opinarão pela extradição do espião para os Estados Unidos porque enviá-lo para Moscou seria vergonhoso — significaria, na prática, cair na mentira contada pelos russos mesmo conhecendo a verdadeira história.
Nos bastidores, esses oficiais operam para que a decisão final seja favorável ao pedido americano.
Depois do STF, Lula dará palavra final
Cherkasov já foi condenado pela Justiça Federal brasileira por uso de documento falso, mas ainda há apurações em andamento sobre a atuação dele no Brasil. Enquanto correm os processos de extradição, o espião está preso na ala de segurança máxima do presídio federal de Brasília.
O pedido russo, feito primeiro, está mais adiantado e foi distribuído para o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal. Pela legislação brasileira, é ao STF que cabe avaliar a legalidade de extradições em geral. Após o veredicto da Corte, a palavra final caberá ao presidente da República.
Fachin está a par da situação e sabe que os órgãos brasileiros encarregados de apurar a conduta de Cherkasov, entre eles a PF e a Abin, têm elementos de sobra para provar que o argumento russo é falso. Até por isso, ele decidiu deixar o caso em suspenso enquanto as investigações prosseguem.
A solicitação feita pelo governo dos Estados Unidos, por sua vez, ainda está tramitando entre o Itamaraty e o Ministério da Justiça. A tendência é que, em seguida, ela siga também para o gabinete de Fachin, que vai decidir qual dos dois pedidos — o russo ou o americano — merece ser atendido. Depois disso, como já mostrou a coluna, Lula terá um complicado abacaxi diplomático para descascar.