Assédio na Caixa: um ano depois, vítimas se veem entre o alívio e a angústia
Ação em que Pedro Guimarães é réu está no início, mas caso revelado pelo Metrópoles já resultou em várias medidas para combater abusos
atualizado
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Há exatamente um ano, a coluna publicava uma reportagem que fez barulho no meio político e fora dele. A revelação de casos de assédio sexual envolvendo Pedro Guimarães, então todo-poderoso presidente da Caixa Econômica Federal, provocou um terremoto no governo de Jair Bolsonaro. Havia motivos de sobre para isso. Guimarães, como se sabe, era um dos auxiliares mais próximos do então presidente da República.
A partir dos depoimentos de cinco mulheres subordinadas a ele, e ao final de um longo trabalho de apuração (e de muita conversa com as vítimas, que tinham medo de falar e sofrer represálias), a reportagem revelou toques íntimos não autorizados, abordagens inadequadas e convites heterodoxos, absolutamente incompatíveis com a liturgia esperada na relação entre o presidente do maior banco público do Brasil e funcionárias que davam expediente nos arredores de seu gabinete.
O caso, o primeiro a expor o assédio sexual no topo do poder no país, ganhou ampla repercussão. Pedro Guimarães caiu um dia depois. Em seguida, a coluna ainda revelou outros abusos, como episódios de assédio moral explícito na relação entre o então presidente da Caixa e seus subordinados diretos.
Passado um ano da eclosão do escândalo, ao mesmo tempo em que é possível apontar facilmente uma série de desdobramentos positivos do caso, como providências para evitar a repetição de situações semelhantes não apenas na Caixa, entre as vítimas há um certo clima de angústia.
A demora em punir e a atenção às vítimas
Algumas se queixam de que não têm recebido, dentro do banco, a atenção adequada para lidar com as marcas deixadas pelos abusos — há casos de depressão profunda clinicamente comprovados, por exemplo. Outras, mesmo reconhecendo as providências legais adotadas a partir da revelação das histórias de assédio, se dizem decepcionadas com a demora de uma punição exemplar.
No front judicial, o Ministério Público do Trabalho moveu uma ação contra a Caixa e contra Pedro Guimarães na qual cobrava, de ambos, o pagamento de uma indenização milionária pelos abusos — a ação exigia ainda, do banco, a adoção de uma série de providências para combater o assédio internamente. Já neste ano, a Caixa fez um acordo com o procurador do caso no qual se comprometeu a pagar R$ 10 milhões para encerrar a ação.
Como resultado de um procedimento aberto ainda no curso da apuração das reportagens publicadas pela coluna, o Ministério Público Federal ajuizou ainda no final de 2022 uma ação criminal contra Pedro Guimarães que corre sob sigilo na Justiça Federal de Brasília. O ex-presidente da Caixa foi enquadrado nos crimes de assédio sexual e importunação sexual. Teoricamente, considerando os termos da acusação, se ele for condenado a pena pode ultrapassar os 70 anos de prisão. O processo, porém, ainda está na fase inicial e não há previsão de quando haverá um veredicto.
Confissão à vista?
Na mesma denúncia, o MPF incluiu Celso Leonardo Barbosa, um amigo pessoal de longa data que Pedro Guimarães levou para a Caixa e alçou à condição de vice-presidente do banco. Barbosa era citado como personagem de pelo menos um dos casos listados na denúncia.
Como a pena dele seria menor, o que abre a possibilidade de negociação de uma transação penal para encerrar o processo, essa parte acabou separada dos autos principais. Tornou-se uma segunda ação. Até recentemente, Celso Leonardo vinha negociando com os procuradores os termos de um acordo no qual reconhece a acusação — o que, por razões óbvias, é um marco importante para o caso — e se compromete a pagar pelo crime do qual foi acusado sem carregar o peso de uma condenação clássica.
Consequências positivas
Afora a angústia da demora, natural em processos do tipo, o caso teve uma série de consequências positivas que, se não evitam, ao menos ajudam a frear casos similares. A começar pelo simples fato de ter posto o assunto em pauta nas esferas mais altas do poder. Direta e indiretamente, a questão ganhou tração. No Congresso, foi aprovada uma lei que instituiu um programa de prevenção e enfrentamento ao assédio e à violência sexual na administração pública.
No microcosmo da Caixa, várias medidas de prevenção e monitoramento de casos de assédio foram adotadas, no governo passado e no atual, em resposta ao escândalo. Após investigações internas confirmarem as denúncias trazidas à luz pela reportagem, o banco deu mais poderes à Corregedoria e abriu um núcleo especializado em apurações de assédio. Também criou um canal seguro para receber e dar o tratamento adequado às denúncias.
“A Caixa enfatiza que não tolera nenhum tipo de assédio por parte dos seus dirigentes ou empregados e informa que fortaleceu sua governança para investigar denúncias, proteger denunciantes e colaboradores do banco, bem como a própria instituição. Além das medidas judiciais e correcionais, foram reforçadas e implementadas ações de combate às práticas de assédio sexual e moral no banco”, disse o banco, em nota enviada à coluna.
O futuro
A defesa de Pedro Guimarães repete, sempre, que ele é inocente e que confia na Justiça. Enquanto aguarda os próximos passos do processo no qual é réu, o ex-presidente da Caixa voltou, recentemente, a dar as caras em transmissões nas redes sociais e a circular com desenvoltura por Brasília e em instituições do mercado financeiro. Pessoas próximas garantem que ele sonha em retomar seu projeto político, movido pela popularidade que ainda conserva entre a militância bolsonarista.