Abin usou verba secreta para atuar em área cobiçada por milícias no RJ
Ação gerou desconfiança interna sobre possível uso da agência para fins eleitorais. Congresso pedirá explicações
atualizado
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Sob o comando de Alexandre Ramagem, delegado da Polícia Federal fiel ao ideário do bolsonarismo e próximo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) gastou recursos de sua milionária verba secreta para pagar informantes em comunidades do Rio de Janeiro dominadas pelo tráfico de drogas – e onde as milícias que atuam na cidade têm interesse de entrar.
A coluna confirmou a informação com fontes a par do assunto dentro da própria Abin, o serviço secreto do governo federal.
Segundo essas mesmas fontes, os dados obtidos têm sido entregues a órgãos de segurança pública do Rio. Ou seja: no caso, a Abin está trabalhando para municiar a ação de policiais fluminenses nas comunidades. Não se sabe ao certo quais setores da polícia local têm recebido as informações.
Embora a troca de informações seja prevista na legislação, pela lógica do Sistema Brasileiro de Inteligência o normal seria a agência receber informações dos órgãos estaduais. A ação nas comunidades foi registrada internamente na Abin sob o nome “Plano de Operações 06/2021”.
Um outro ponto chama atenção. Como a operação é custeada com verba secreta, é difícil rastrear o caminho do dinheiro que está sendo gasto na operação. A coluna apurou que o valor total empregado até agora se aproxima de R$ 1,5 milhão — uma cifra considerada alta para os padrões da agência em ações de campo.
Só com o pagamento das tais fontes na operação são gastos cerca de R$ 160 mil a cada trimestre. Nos sistemas internos, essas fontes são identificadas apenas por letras e números. Assim, é quase impossível, mesmo dentro da Abin, aferir quem exatamente tem recebido esses recursos.
A operação foi organizada por policiais federais levados por Ramagem. A iniciativa chamou atenção dos agentes de carreira da própria corporação, que estranharam a estratégia.
Nas próximas semanas, parlamentares da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência, o colegiado do Congresso Nacional que tem por atribuição fiscalizar a atuação da Abin, devem pedir explicações acerca do assunto.
Ao menos no papel, não é atribuição da Abin atuar diretamente no ramo de segurança pública. Por lei, a agência tem por missão produzir relatórios que possam auxiliar o presidente da República a tomar decisões estratégicas, além de proteger informações sensíveis de interesse do país.
A verba secreta é usada para a obtenção de informações e dados que sirvam a esse propósito. Previstos no orçamento anual da agência, os recursos costumam ser usados para manter a fidelidade de fontes, entre elas as que contribuem, por exemplo, com dados sobre estrangeiros suspeitos de exercer atividades de espionagem em território nacional e sobre pessoas ligadas a organizações terroristas com passagem pelo país.
O emprego da verba secreta para o pagamento de informantes em comunidades do Rio acendeu o sinal de alerta a ponto de agentes de carreira terem questionado, internamente, qual é o objetivo da Abin com as informações repassadas por essas fontes.
Ao menos um dos casos envolve a “compra” de informações de fontes de uma área onde as milícias tentam atuar há anos.
Em conversas internas, agentes chegaram a aventar a hipótese – grave – de que a Abin estaria agindo por interesse eleitoral, na intenção de abrir caminho para que grupos de policiais ligados ao bolsonarismo possam entrar nessas regiões e agir em favor de candidatos aliados do presidente nas próximas eleições.
Outra questão que tem causado desconforto diz respeito justamente ao fluxo da verba empregada na operação: quem, afinal, está recebendo o dinheiro?
Para além dos interesses eleitorais da própria família presidencial, Ramagem, que deixou a direção da Abin no fim de março, é pré-candidato a deputado federal pelo Rio.
Indagada sobre a operação, a Abin limitou-se a dizer que age de acordo com a legislação, a qual permite a sua atuação em assuntos que envolvem crime organizado. A agência afirma ser natural o compartilhamento de informações com órgãos estaduais de segurança. Eis a nota oficial enviada à coluna:
“A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) tem os parâmetros e limites de sua atuação estabelecidos pela Constituição Federal, pela Lei nº 9.883/99 e pela Política Nacional de Inteligência (Decreto nº 8.793, de 29 de junho de 2016), que é o documento de mais alto nível de orientação da atividade de Inteligência no país. O item 6.9 da PNI define a criminalidade organizada como uma das principais ameaças à integridade da sociedade e do Estado e à segurança nacional.
Não obstante, a Lei nº 9.883/99 criou o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), que preconiza o intercâmbio de dados e informações entre os órgãos integrantes do Sistema. A referida legislação também estabelece que as atividades de Inteligência serão desenvolvidas, no que se refere aos limites de sua extensão e ao uso de técnicas e meios sigilosos, com irrestrita observância dos direitos e garantias individuais. O emprego de meios sigilosos na atividade de Inteligência é justificado, conforme a própria PNI, “como forma de preservar sua ação, seus métodos e processos, seus profissionais e suas fontes”.
Cabe ressaltar, ainda, que a ABIN está sob fiscalização da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), que pode verificar a conformidade do trabalho da ABIN ao ordenamento jurídico brasileiro, e se submete a auditorias periódicas da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU).”