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Othon Bastos: 91 anos de existência e uma carreira de mais de 70 anos

No teatro, na televisão e no cinema, Othon Bastos é um mestre

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Beti Niemeyer
Foto colorida de Othon Bastos - Metrópoles
1 de 1 Foto colorida de Othon Bastos - Metrópoles - Foto: Beti Niemeyer

Conheci o mestre Othon Bastos quando eu ainda tinha pouco menos de 18 anos, na preparação de um festival de teatro que aconteceu nos anos 2000. Naquela época, a vida para mim era um vasto campo de possibilidades, e eu estava imerso no desafio de interpretar o padre na montagem teatral de Deus e o Diabo na Terra do Sol, sob a direção cuidadosa de Betina Viany. Era uma responsabilidade imensa, uma peça carregada de simbolismos e memórias do cinema brasileiro, e estar ali já era, por si só, um ato de profunda reverência.

Foi então que Othon apareceu, uma presença quase mítica, que parecia carregar consigo a própria história das artes cênicas no Brasil. Ele entrou naquele ambiente com uma serenidade que só os grandes mestres possuem, mas, ao mesmo tempo, com uma proximidade que tornava fácil para qualquer um sentir-se à vontade ao seu lado. Eu, ainda muito jovem e cheio de perguntas, fui agraciado com sua atenção generosa. Ele não hesitou em compartilhar conosco as preciosas histórias dos bastidores do filme de Glauber Rocha, onde ele deu vida ao indomável Corisco. Cada palavra de Othon era uma janela que se abria para os mistérios e a magia do cinema, e eu me sentia como um aprendiz privilegiado, absorvendo cada detalhe.

Muitos anos se passaram desde aquele encontro, e, em 2023, o destino me brindou com a oportunidade de reencontrar Othon Bastos, dessa vez em um cenário diferente, mas igualmente significativo. Eu estava ali, no Vibra Open Air, para prestar-lhe uma homenagem. Eu como um profissional do cinema da nova geração reverenciando aquele que fez e faz muito pela arte. Ao vê-lo novamente, toda aquela admiração que eu sentira na juventude voltou com força total. Mas agora havia algo mais: uma gratidão profunda por tudo o que ele representa para o teatro, para o cinema e para as gerações de artistas que, como eu, foram influenciados por sua trajetória.

Reencontrá-lo e ter a honra de homenageá-lo foi um momento de celebração e de reconhecimento. Othon Bastos não é apenas um ator brilhante; ele é um símbolo vivo da resistência e da paixão pelas artes, alguém que, ao longo de décadas, nos ensinou que o talento e a dedicação são forças capazes de atravessar o tempo e deixar um legado eterno. Naquele dia, ao lado dele, senti que as histórias que compartilhamos não eram apenas memórias, mas parte de um contínuo diálogo entre passado e futuro, entre mestres e aprendizes, onde a arte se renova e permanece viva.

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Aos 91 anos, ele não é apenas um ator, mas um monumento vivo de uma época e de uma arte que transformaram o Brasil e o mundo
Nascido em 1933, no calor intenso de Tucano, uma pequena cidade do sertão baiano
Othon cresceu entre as paisagens ásperas e os sons da natureza agreste que moldariam sua visão de mundo e seu modo de atuar
Othon Bastos: 91 anos de existência e uma carreira de mais de 70 anos
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Conheci o mestre Othon Bastos quando eu ainda tinha pouco menos de 18 anos, na preparação de um festival de teatro que aconteceu nos anos 200

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Aos 91 anos, ele não é apenas um ator, mas um monumento vivo de uma época e de uma arte que transformaram o Brasil e o mundo

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Nascido em 1933, no calor intenso de Tucano, uma pequena cidade do sertão baiano

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Othon cresceu entre as paisagens ásperas e os sons da natureza agreste que moldariam sua visão de mundo e seu modo de atuar

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Othon Bastos: 91 anos de existência e uma carreira de mais de 70 anos

Beti Niemeyer

A vida de um mestre

Aos 91 anos, ele não é apenas um ator, mas um monumento vivo de uma época e de uma arte que transformaram o Brasil e o mundo. Nascido em 1933, no calor intenso de Tucano, uma pequena cidade do sertão baiano, Othon cresceu entre as paisagens ásperas e os sons da natureza agreste que moldariam sua visão de mundo e seu modo de atuar. Sua trajetória é a de um artista que não se limitou a interpretar personagens, mas que se fundiu a eles, tornando-se uma extensão de cada um que trouxe à vida.

Quando pensamos em Othon Bastos, é impossível não sermos imediatamente transportados ao universo de Glauber Rocha, com o qual ele se fundiu de forma inextricável em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964). Corisco, o cangaceiro encarnado por Bastos, é uma figura que transcende o cinema. Com seu olhar penetrante e sua voz que ressoa como um trovão, ele não apenas representou, mas corporificou o espírito do sertão, a revolta contra a opressão, a luta de um povo por dignidade. O filme de Glauber, que é um marco do Cinema Novo, tornou-se uma espécie de evangelho visual, e Othon, o profeta que bradava as dores e as esperanças de um Brasil esquecido.

Mas a grandeza de Othon Bastos não reside apenas em Corisco, por mais icônico que este personagem seja. Sua carreira abrange mais de seis décadas de intensa atividade artística, em que ele se dedicou ao teatro, ao cinema e à televisão com a mesma paixão e integridade. Othon é um ator que nunca fez concessões à facilidade; cada papel seu é marcado por uma entrega total, uma busca incessante pela verdade do personagem, mesmo que isso significasse confrontar seus próprios demônios.

Em São Bernardo (1972), de Leon Hirszman, adaptado da obra de Graciliano Ramos, Othon deu vida a Paulo Honório, um homem endurecido pela vida, pelo poder e pela terra seca que domina. Sua interpretação é uma aula de contensão e de profundidade psicológica, onde cada gesto e cada silêncio são carregados de significado. Paulo Honório é ao mesmo tempo vilão e vítima, um ser consumido pelo desejo de possuir e que acaba sendo possuído por sua própria solidão. Othon, com seu olhar profundo e sua voz grave, construiu um personagem que reflete as contradições de um Brasil marcado por desigualdades e injustiças.

Othon Bastos é também um ator que nunca se acomodou. Em Memórias do Cárcere (1984), novamente sob a direção de Hirszman, ele interpretou um preso político durante a ditadura militar, em um filme que é ao mesmo tempo um testemunho histórico e uma obra de resistência. Sua performance é contida, mas carregada de uma força interior que se faz sentir em cada cena. Bastos, com sua longa trajetória, se tornou uma referência para atores de todas as gerações, um exemplo de como a arte pode ser usada como uma forma de luta e de transformação.

Ao longo de sua carreira, Othon Bastos navegou por diferentes meios e linguagens, mas nunca perdeu o contato com suas raízes baianas. O Nordeste, com sua cultura rica e diversificada, sempre esteve presente em sua obra, seja através dos personagens que interpretou, seja na maneira como incorporou elementos da oralidade e da religiosidade popular em sua atuação. Othon é um ator que traz consigo o cheiro da terra, o sabor do dendê, o ritmo do tambor. Ele é um intérprete que entende que a arte é, antes de tudo, uma expressão do lugar de onde se vem, uma forma de honrar as próprias origens.

Chegar aos 91 anos em plena atividade é uma prova da vitalidade e da paixão que movem Othon Bastos. Ele é um artista que nunca se deixou seduzir pelo brilho fácil da fama, preferindo sempre o caminho mais árduo da verdade e da integridade artística. Um símbolo da arte brasileira, um representante de uma geração que ajudou a construir um cinema e um teatro que são profundamente enraizados na cultura e na realidade do país. Othon Bastos é, sem dúvida, um dos maiores atores que o Brasil já produziu. Aos 91 anos, Othon continua a ser uma inspiração, uma referência e um exemplo de como a arte pode ser uma forma de vida, uma maneira de existir no mundo com intensidade, verdade e paixão.

INDICAÇÃO

Espetáculo NÃO ME ENTREGO, NÃO!
Com Othon Bastos
Texto e Direção: Flavio Marinho
Diretora Assistente e Participação Especial: Juliana Medella
Teatro Vannucci – Rio de Janeiro
De 02 de agosto a 29 de setembro de 2024
Horário: 6ª feira, às 20h; Sábado, às 19h; Domingo, às 18h

Assistir ao espetáculo Não Me Entrego, Não! é presenciar um ato de resistência, uma celebração da vida e da arte de um dos maiores atores brasileiros vivos, Othon Bastos. Em seu primeiro monólogo, escrito e dirigido por Flávio Marinho, Othon nos convida a mergulhar em suas memórias, numa viagem que atravessa décadas de uma carreira marcada por papéis icônicos e histórias profundamente humanas.

Não Me Entrego, Não! não é apenas um espetáculo sobre a vida de Othon Bastos; é um tributo à arte de atuar, à capacidade de se reinventar e à coragem de enfrentar as adversidades com dignidade e humor. O público sai do teatro com a sensação de ter participado de um encontro íntimo com um dos grandes mestres da dramaturgia brasileira, alguém que, ao longo de mais de 70 anos de carreira, não apenas interpretou personagens, mas viveu intensamente cada um deles.

Em um tempo em que as histórias de vida tendem a ser esquecidas com rapidez, Não Me Entrego, Não! surge como um lembrete da importância de valorizar os que vieram antes, de reconhecer o legado daqueles que, como Othon Bastos, dedicaram suas vidas à arte de contar histórias. Este espetáculo é um presente, uma oportunidade rara de ver um ícone em plena forma, compartilhando conosco as lições que aprendeu ao longo de uma vida dedicada ao palco e à tela. Uma experiência imperdível, que ficará gravada na memória de todos que tiverem a sorte de presenciá-la.

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