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O que as moradoras do McDonald’s no Leblon e o mendigato têm em comum?

O episódio das mulheres no McDonald’s deixa claro que a comoção social no Brasil tem recorte de raça

atualizado

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Foto colorida de mulheres que estão morando em unidade do McDonald's, no Leblon (RJ) - Metrópoles
1 de 1 Foto colorida de mulheres que estão morando em unidade do McDonald's, no Leblon (RJ) - Metrópoles - Foto: CBN/Reprodução

Há semanas estamos nos rendendo à notícia: mulheres moram há três meses em rede de fast food no Rio de Janeiro.

A prefeitura, a PMERJ, a associação de moradores, passantes, clientes, funcionários do estabelecimento, jornalistas… ofereceram ajuda.

Confesso que, quando soube desse “fenômeno”, já deduzi qual a raça e a classe social dessas mulheres. Sim, é óbvio pelo histórico de comoções seletivas que há no Brasil.

Segundo o Instituto de Pequisa Econômica Aplicada (Ipea), a população em situação de rua no Brasil supera 281 mil. Em 10 anos, esse segmento vulnerável cresceu 211%. Trago mais números, senhoras e senhores: negros representam 70% da população em situação de rua no Brasil, dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas. Mas cadê o tal compadecimento?

Para entender plenamente essa disparidade na percepção e no tratamento, é fundamental examinar o contexto histórico do Brasil, marcado por séculos de colonialismo, escravização e desigualdade racial.

Foto colorida de mulheres que estão morando em unidade do McDonald's, no Leblon (RJ) - Metrópoles
Mulheres que moram em McDonald’s têm histórico de calotes e despejo

O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888, o que deixou um legado profundo de desigualdade racial e social. Durante o período colonial e pós-colonial, a elite branca detinha o poder político, econômico e social, enquanto a população negra, descendente de escravizados, era marginalizada e subjugada a condições de extrema pobreza e exclusão. Mesmo após a abolição da escravização, políticas discriminatórias e estruturas sociais racistas persistiram. O mito da “democracia racial” foi propagado para promover a ideia de que o Brasil era uma sociedade livre de preconceito racial, enquanto na realidade a discriminação e o racismo continuavam a moldar as oportunidades e o acesso aos recursos.

Durante o século 19, o Brasil implementou uma série de leis e políticas destinadas a atrair imigrantes europeus para o país. Algumas dessas leis incluíam incentivos para estrangeiros que desejavam se estabelecer no Brasil, fornecendo-lhes terra e moradia. Algumas das leis mais importantes nesse contexto foram:

1. Lei de Terras de 1850: essa lei, também conhecida como Lei de Terras Livres, estabeleceu um sistema de compra de terras públicas no Brasil. Estrangeiros podiam adquirir terras mediante pagamento e, em muitos casos, receberam incentivos especiais para colonizar áreas específicas.

2. Lei Eusébio de Queirós de 1850: embora essa lei seja mais conhecida por sua proibição do tráfico transatlântico de escravizados, ela também permitia que estrangeiros adquirissem terras em determinadas regiões do Brasil, especialmente no Sul, onde a imigração europeia era incentivada.

3. Lei de Terras de 1895: essa lei revogou partes da Lei de Terras de 1850 e introduziu mudanças no sistema de aquisição de terras no Brasil, incluindo a possibilidade de concessão de terras públicas para imigrantes e colonos.

Nesses contextos, a presença de pessoas brancas em situações de vulnerabilidade tende a gerar mais comoção e preocupação por parte da sociedade, enquanto a presença de pessoas negras nessas mesmas condições é muitas vezes desconsiderada, naturalizada ou vista como parte inevitável da paisagem urbana.

Falta moradia no Brasil

Ainda não se sabe o real motivo de mãe e filha estarem morando no estabelecimento de fast food, mas é necessário trazer um fator para nossa inquietação: no Brasil, a questão da falta de moradia é um problema grave que afeta milhões de pessoas em todo o país. Ao mesmo tempo, há uma quantidade significativa de imóveis desocupados e subutilizados, o que destaca uma disparidade preocupante entre a necessidade habitacional e a distribuição desigual de recursos.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui mais de 6 milhões de famílias sem moradia adequada, vivendo em condições precárias, como favelas, cortiços e ocupações informais. Essas famílias enfrentam uma série de desafios, incluindo a falta de acesso a serviços básicos, infraestrutura adequada e segurança habitacional.

Ao mesmo tempo, estima-se que haja mais de 7 milhões de imóveis desocupados em todo o país, de acordo com o último Censo do IBGE, os quais podem incluir casas, apartamentos, terrenos e edifícios comerciais que estão vazios por diversos motivos, como especulação imobiliária, falta de manutenção, heranças não resolvidas, entre outros. Entende que a conta não fecha?

E o “mendigato” citado no título da coluna? Joga no Google Imagens para saber o porquê de a sociedade brasileira acreditar que um tipo como aquele não poderia estar em situação de rua. Na verdade, nenhum tipo deveria.

Dicas:
Livro – Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Cotidiano, de Grada Kilomba.
Espetáculo – Macacos, com texto, direção e atuação Clayton Nascimento.

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