metropoles.com

O jogador Endrick imitando um macaco é uma narrativa perigosa

Mesmo não desejando, há um reforço dos estereótipos racistas ao comemorar um gol

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Reprodução/Instagram
foto colorida do jogador Endrick no campo de futebol imitando macaco - Metrópoles
1 de 1 foto colorida do jogador Endrick no campo de futebol imitando macaco - Metrópoles - Foto: Reprodução/Instagram

Começo sinalizando que este texto não é sobre linchamento, cancelamento ou até mesmo censura. É sobre narrativa.

Narrativa é poder. É através dela que contamos histórias e apontamos pontos de vista. Não está só na escrita. Está em tudo, principalmente em criação e execução de símbolos e signos. Mesmo em um jogo de futebol, pois há milhares de pessoas na arquibancada e milhões de pessoas assistindo pela televisão, rádio e streaming.

A primeira vez que ouvi sobre a história brasileira, contada de uma maneira crítica, além da universidade, foi em uma viagem a Portugal. Sim, na terra do colonizador. Eu estava em Belém, na cidade e distrito de Lisboa, quando uma professora diante do Monumento aos Descobrimentos ou Monumento aos Navegantes falou para seus alunos, que beiravam sete ou oito anos, algo próximo a “Não descobrimos nada. No Brasil, por exemplo, já existiam civilizações. Nós invadimos, uma história que não deveríamos nos orgulhar”.

Quando fui a Benin — antigo reino do Daomé, no porto de Ouidah, onde foi o segundo maior ponto de embarque de escravizados na história do tráfico de pessoas negras — eu pude ouvir e ler o ponto de vista de quem foi violentado, porque aqui no Brasil ainda lemos, como regra, a narrativa de quem violentou, explorou, sequestrou, estuprou… Aqui, parte da literatura e do audiovisual (principalmente as novelas) romantizam o período mais violento do país, colocando o colonizador como herói.

Hoje estamos no centro da história sendo contada por nós mesmos. Sempre escrevemos, mas era mais difícil publicar, montar espetáculos, encenar e roteirizar e dirigir filmes e novelas. Ainda está longe de ser o suficiente, para não comemorarmos com uma falsa simetria, mas negar o avanço é negar uma luta histórica. Aí, que mora a reflexão.

Você, jovem negro, apesar das suas batalhas individuais, as conquistas são coletivas. Porque no fundo a batalha também se estabeleceu assim. Você querendo ou não. Aquilo que você falar, escrever, publicar, dançar ou simplesmente a forma como comemorar o seu gol, haverá um desdobramento coletivo. Ao justificar o motivo de comemorar o gol imitando um macaco, o jogador Endrick disse: “O que importa é que estou feliz”. Não é só sobre ele, pois é exemplo para muitos.

Você deseja estabelecer uma nova narrativa ou reforçar uma velha?

Como sempre frisa a intelectual Deborah Medeiros, consultora de diversidade racial e gênero, adotar aquilo que poderá ser problemático em uma obra é uma questão de escolha. Por isso, frisei no início da reflexão, que não estabelece uma censura.

Se tem um grupo apontando que tal termo ou ação constitui algo problemático e/ou violento e você não dá escuta, está feita a sua escolha. Confesso que uma única pessoa já seria o suficiente para se repensar, imagina um grupo que você faz parte. Em uma postagem no Instagram do jogador Endrick, perceba quem de forma educada solicita que o jovem reveja a forma que comemora o gol e quem apoia.

O gesto de imitar um macaco após marcar um gol é profundamente problemático e tem raízes históricas no racismo e na desumanização de pessoas negras. Quando um jogador, especialmente um jovem negro, escolhe realizar esse gesto, ele está perpetuando estereótipos racistas que desumanizam e diminuem as pessoas negras.

Falarão: “Mas ele já justificou que é fã do Planeta dos Macacos e gosta do filme do King Kong”.

O futebol, assim como muitos outros esportes, tem sido um campo de batalha onde o racismo ainda persiste. Embora alguns progressos tenham sido feitos para combater o racismo no futebol, incidentes como esse mostram que ainda há muito trabalho a ser feito.

É importante entender que gestos como esse, mesmo sem intenção, não são apenas ofensivos para as pessoas negras, mas também perpetuam uma cultura de racismo que é prejudicial para a sociedade como um todo. Ao imitar um macaco, o jogador está reforçando estereótipos que foram usados historicamente para justificar a escravidão, a discriminação e a violência contra pessoas negras – os colocando como primitivos, desumanos e incapazes de intelectualidade.

O atacante Endrick está com um pé na Europa, para jogar no Real Madri. Clube de Futebol que joga o Vinícius Jr, que está esgotado com tantos casos de racismo – onde torcidas inteiras imitam macacos, da mesma forma que Endrick comemora os seus gols. Estarei daqui torcendo para que a história não se repita. Lembro bem o quanto o jogador Neymar escamoteava a existência do racismo e depois de ficar insustentável começou a falar sobre – mesmo de forma equivocada.

Jovens jogadores ou não, não acreditem no mito da democracia racial. Vão buscar um letramento racial, para fazerem ótimas escolhas.

INDICACÕES
Livro: Pele Negra, Máscaras Brancas, de Frantz Fanon.
Livro: Olhares Negros: Raça e Representação, de Bell Hooks
Redes sociais: Bárbara Carine – @uma_intelectual_diferentona

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?