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Movimento Black Rio & Amor de Baile – passado e presente se encontram

Amor de baile é o nome do espetáculo, com artistas jovens e geniais em cena que me retroalimentaram de esperança

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Eu estava exausto, depois de horas de trabalho. Não queria ir para casa. Resolvi assistir um espetáculo teatral. Atravessei o túnel que liga a zona sul carioca e a zona norte – túnel Rebouças em homenagem aos Irmãos Rebouças – primeiros engenheiros negros do Brasil. Ali se estabeleceu um portal do tempo. Saí de 2024 e me joguei nos anos 70. A peça que assisti foi a grande responsável por essa proeza lúdica.

Amor de baile é o nome da obra, com artista jovens e geniais em cena que me retroalimentaram de esperança. Vale ressaltar que oriundos da real Baixada Fluminense e da periferia do Rio. O espetáculo é uma vibrante e emocionante homenagem ao movimento Black Rio dos anos 70, um período de efervescência cultural e empoderamento racial que moldou a identidade da população negra brasileira. Com a supervisão geral de Dom Filó, texto de Tati Villela, direção de Rei Black a peça consegue capturar a essência dos bailes da periferia, criando uma atmosfera autêntica que resgata memórias e provoca reflexões profundas sobre a afetividade e a resistência negra. O ponto nevrálgico é mostrar que na luta pela democracia a população negra sofreu (e continua sofrendo) e combateu com afinco a ditadura militar no país. Ao contrário do que ainda é ventilado por parte da literatura, audiovisual e teatro que colocam com exclusividade a classe média branca no confronto pela redemocratização.

Desde o início, “Amor de Baile” cativa o público com sua riqueza visual e sonora. Os cabelos orgulhosamente crespos e as roupas personalizadas dos atores não são apenas figurinos; são símbolos de uma estética que desafia os padrões eurocêntricos e celebra a beleza negra em toda a sua diversidade. A direção musical é feita pela magistral Beà Ayòóla, trabalho essencial para recriar o clima dos bailes, é cuidadosamente selecionada, transportando a plateia diretamente para os salões onde esses encontros aconteciam.

O espetáculo vai além da nostalgia ao abordar temas contemporâneos como o empoderamento racial e a afetividade negra. As cenas de amor e camaradagem entre os personagens racializados são apresentadas como atos de resistência, destacando a importância de se reconhecer e valorizar a humanidade plena de cada indivíduo. O amor, nesse contexto, é visto como uma ferramenta poderosa contra o racismo, uma forma de reafirmação e fortalecimento das identidades negras.

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A direção de Rei Black é impecável ao equilibrar momentos de alegria contagiante com cenas de reflexão profunda. A narrativa é fluida, entrelaçando histórias de cada personagens com a história coletiva do movimento Black Rio. Cada cena é carregada de emoção, fazendo com que o público não apenas assista, mas sinta a intensidade das experiências retratadas. “Amor de Baile” não é apenas um espetáculo; é uma celebração da cultura negra e um chamado à consciência social. Através de sua abordagem multilinguagem, a peça consegue comunicar mensagens poderosas de forma acessível e envolvente. É um tributo necessário e impactante à história e à resiliência da população negra brasileira, que merece ser visto por todos aqueles que valorizam a arte como meio de transformação social.

Movimento Black Rio

O movimento Black Rio foi um fenômeno cultural que emergiu no Rio de Janeiro durante a década de 1970, marcando uma época de profunda transformação social e cultural na cidade e, por extensão, no Brasil. Inspirado pela explosão da música soul e funk nos Estados Unidos, o movimento incorporou essas influências para criar um estilo único e autêntico que celebrava a identidade negra brasileira. Não era apenas sobre música; era uma afirmação de orgulho racial e uma resposta às injustiças sociais e raciais da época. Nos bailes que surgiram nos subúrbios do Rio, especialmente nas zonas norte e oeste, jovens negros se reuniam para dançar e ouvir as novidades musicais importadas, que iam desde James Brown a Kool & The Gang. Esses eventos rapidamente se tornaram pontos de encontro fundamentais para a juventude negra, oferecendo um espaço seguro e acolhedor onde podiam expressar livremente sua identidade cultural.

A moda desempenhou um papel crucial no movimento. Inspirados pelo estilo afrocêntrico dos Estados Unidos, os participantes dos bailes Black Rio usavam roupas chamativas, cabelos volumosos e acessórios que simbolizavam orgulho e resistência. Essa estética visual era um desafio direto aos padrões de beleza eurocêntricos predominantes na sociedade brasileira da época. Além da música e da moda, o movimento Black Rio também teve um impacto significativo nas discussões sobre raça e identidade no Brasil. Ele trouxe à tona questões importantes sobre racismo, desigualdade e a necessidade de uma maior valorização da cultura negra. As festas e bailes serviram como um catalisador para debates e reflexões sobre a condição social da população negra no país.

Artistas e bandas locais, como Dom Salvador & Abolição, Banda Black Rio e Tim Maia, foram influenciados por esse movimento e ajudaram a difundir suas ideias e sonoridades. Esses músicos não apenas adotaram o funk e o soul em suas composições, mas também utilizaram suas plataformas para abordar temas de relevância social, fortalecendo ainda mais o movimento.

O legado do Black Rio é inegável. Ele pavimentou o caminho para futuras gerações de artistas e ativistas negros no Brasil, promovendo uma maior consciência racial e cultural. Hoje, o movimento é lembrado como um marco na luta por igualdade e justiça social, bem como uma celebração vibrante da cultura negra brasileira.

Demorei algumas horas para voltar para 2024. Com a alma lavada fui para casa cantando “Mandamentos Black” de Gerson King Combo e acreditando que amanhã será lindo.

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