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Leci Brandão: 80 anos de resistência, música e luta pelo povo negro

Sinônimo de potência e resistência

atualizado

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1 de 1 Foto colorida de Leci Brandão - Metrópoles - Foto: Divulgação

Conheci Dona Leci Brandão nos rituais sagrados dos domingos de minha infância. A vitrola girava e a casa se inundava com o melhor da música popular brasileira: Almir Guineto, Cartola, Jovelina Pérola Negra, Martinho da Vila, Dona Ivone Lara e, claro, Leci Brandão. Cada acorde parecia um abraço da nossa ancestralidade, uma lição de amor-próprio que meus pais transmitiam com afeto e intenção. No subúrbio do Rio, no final dos anos 70, eles nos ensinavam que ser negro era ser potente, belo, intelectual. Era um tempo em que a beleza da vida, assim como o samba, brotava com poesia. Era a nossa identidade sendo celebrada, reforçada em cada melodia, em cada verso. Tudo era lindo, profundo, e ecoava em nós como um hino à resistência e à arte de existir com orgulho.

Leci Brandão é sinônimo de resistência, uma mulher que com o seu samba forte, forjou uma das trajetórias mais brilhantes e inspiradoras do Brasil. Ao completar 80 anos, não celebramos apenas a vida de uma cantora, compositora e deputada estadual. Celebramos um ícone, cuja história é entrelaçada à luta de um povo que, há séculos, resiste e transforma.

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Nascida em 12 de setembro de 1944, no coração de Madureira, Rio de Janeiro, Leci desde cedo sentiu o pulsar da cultura que iria moldar sua existência. Criada em uma família humilde, a jovem Leci não apenas assistia ao samba, mas o vivia. Sua proximidade com a Estação Primeira de Mangueira foi fundamental para sua formação como artista, mas foi sua voz singular, sua coragem em ser quem era, que a projetou para o mundo.

Em meio a um cenário dominado por homens, Leci se destacou ao integrar a ala de compositores da Mangueira, sendo a primeira mulher a conquistar tal espaço. Sua presença ali não foi apenas uma vitória pessoal, mas o início de uma nova era, onde as mulheres, sobretudo as mulheres negras, começaram a ganhar mais visibilidade e espaço no samba.

Seu repertório, carregado de crítica social e amor pela ancestralidade, elevou o samba a novas alturas. Canções como “Zé do Caroço” e “Café” se tornaram hinos da resistência, narrativas cantadas de um Brasil que, muitas vezes, se esforça para invisibilizar os corpos negros. Mas Leci jamais foi invisível. Sua voz ecoa, reverbera e persiste, trazendo à tona os anseios e as lutas de um povo que nunca desistiu.

Durante o período mais sombrio da história recente do Brasil – a ditadura militar – Leci se posicionou contra o autoritarismo, tornando-se uma das poucas vozes a questionar, com coragem e clareza, o regime opressor. E, mesmo quando suas músicas foram proibidas, ela manteve-se fiel às suas convicções, desafiando a censura e levando sua mensagem para o povo de maneira criativa e resiliente.

Na década de 1980, Leci Brandão já era muito mais do que uma cantora. Ela era uma liderança natural, uma mulher que, com sua voz firme e seu coração generoso, representava uma coletividade. Foi com esse espírito que ela se aproximou ainda mais dos movimentos sociais, principalmente daqueles ligados à luta antirracista e ao feminismo. Leci entendeu que o samba era uma poderosa ferramenta política e que seu papel no mundo ia muito além da música. Ao lado de grandes nomes do movimento negro, ela marchou, cantou e lutou por um Brasil mais justo, onde o racismo e as desigualdades de gênero fossem enfrentados de frente.

Em 2010, sua entrada na política institucional, como deputada estadual em São Paulo pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), foi uma consequência natural de sua trajetória de lutas. No parlamento, Leci continuou a ser a voz daqueles que não têm vez. Suas pautas focaram na promoção da igualdade racial, pelo respeito às religiões de matriz africana, na valorização da cultura afro-brasileira, na luta pelos direitos das mulheres, pelos direitos da população LGBTQIAPN+ e na defesa da juventude periférica. Sua atuação política, assim como sua carreira artística, é marcada pela coerência, um compromisso inegociável com as causas sociais.

Leci sempre é fiel à sua essência. Em tempos de grandes pressões midiáticas e mercadológicas, ela se mantém como uma artista independente, livre para cantar as verdades que a tocavam e que impactavam seu povo. E assim, a cada novo trabalho, a cada nova atuação, ela traz mais cor e luz para um Brasil que, por vezes, tenta apagar o brilho da negritude.

Aos 80 anos, Leci Brandão não é apenas uma artista consagrada ou uma política respeitada. Ela é um farol. Um guia que, com sua trajetória, ilumina os caminhos das futuras gerações de mulheres, artistas e militantes. Sua música, sua luta e sua presença são lembranças vivas de que o Brasil que ela sonha, e que todos nós sonhamos, ainda está sendo construído, mas cada acorde, cada discurso, cada ação é uma pedra nesse caminho.

Celebrar os 80 anos de Leci Brandão é um convite para olharmos para o futuro com esperança, mas também com a consciência de que a luta continua. O Brasil de Leci é o Brasil da justiça, da igualdade e da celebração da diversidade. E a cada dia, com sua voz inconfundível, ela nos lembra de que a resistência é, antes de tudo, um ato de amor. Que suas canções continuem sendo trilha sonora de novas revoluções. Que sua vida inspire mais corações a acreditarem em um país mais justo. E que sua trajetória continue ecoando nas ruas, nos palcos e nas casas de todo o Brasil, por muitos e muitos anos. AXÉ!

INDICAÇÃO

Espetáculo Leci Brandão – Na Palma da Mão.

Com direção de Luiz Antonio Pilar e texto de Leonardo Bruno, musical que celebra vida e obra da artista.

“Leci Brandão – Na Palma da Mão” é uma verdadeira obra-prima teatral que reverencia não apenas a vida e a obra dessa icônica sambista e política, mas também o legado da cultura negra no Brasil. Sob a direção excelente de Luiz Antonio Pilar (Prêmio Shell), o musical explora, com delicadeza e potência, a trajetória de Leci, costurando sua história com músicas que atravessam gerações. O excepcional elenco, composto por Tay O’Hanna, Verônica Bonfim e Matheus Dias, dá vida a uma narrativa repleta de emoções e ancestralidade. A direção de movimento de Luiza Loroza, somando com a cenografia de Lorena Lima, inspiradas nas raízes do Candomblé, e a direção musical de Arifan Júnior transformam o palco em um verdadeiro terreiro de celebração. A peça é um encontro visceral entre a música e o teatro, repleto de simbolismo, que transcende o palco e toca o público profundamente. Uma experiência teatral imperdível, onde cada canção ressoa como um hino de resistência e orgulho. Na incrível banda temos os músicos Matheus Camará (violão, clarinete e agogô), Thainara Castro e Pedro Ivo (percussão) e Rodrigo Pirikito (violão, cavaquinho e xequerê).

Com sessões lotadas desde sua estreia, o espetáculo prova ser uma homenagem justa e sensível a Leci Brandão, uma mulher que, aos 80 anos, continua inspirando gerações com sua arte e ativismo.

Já coloque na agenda:

13/09/2024
São Luís – MA
Teatro Sesc Napoleão Ewerton

18/09/2024
Porto Velho – RO

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Centro Cultural SESC Garanhuns

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Curitiba – PR
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12/11/2024
Porto Alegre – RS

14/11/2024
Canoas ou Gravataí – RS

27, 28, 29 e 30/11/2024
São Paulo – SP
Teatro Alfredo Mesquita

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