Ilê Aiyê 50 Anos: meio século de resistência e orgulho negro
Celebrando cinco décadasm o primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Aiyê, tem impacto na autoestima e na cultura negra
atualizado
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A primeira vez que vesti o traje do bloco Ilê Aiyê foi como vestir a própria história. Senti o tecido quente e pesado sobre a pele, como se as tramas fossem feitas de memórias ancestrais. Era Carnaval em Salvador, e eu estava ali, entre tantas outros pessoas negras, envolto em cores vivas e símbolos que carregam séculos de luta e orgulho. Cada detalhe do traje parecia um espelho, refletindo a beleza que o mundo insistia em negar. Aquele momento não era apenas festa, era reencontro; era olhar para dentro e me ver, finalmente, completo. Era sentir o peso da tradição, mas também a leveza de me saber parte dela.
Ilê Aiyê
Em 1974, no coração de Salvador, no bairro do Curuzu, nasceu o Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro do Brasil. Foi fundado por Antônio Carlos Vovô (Vovô do Ilê) e Apolônio de Jesus Filho (Popó do Ilê) como resposta à exclusão imposta pelos blocos carnavalescos tradicionais, que restringiam a participação de pessoas negras. Desde o princípio, o Ilê foi uma afirmação da dignidade, um grito ancestral que ecoa entre as vielas e becos da cidade. Nas suas batidas de atabaque e nas suas cores vibrantes, o Ilê não é apenas um bloco: é um manifesto de resistência e orgulho negro.
O Ilê Aiyê representa a memória viva de uma África reimaginada e reelaborada no Brasil, subvertendo as narrativas do senso comum racista. Sua missão é resgatar, valorizar e divulgar a cultura afro-brasileira, nutrindo a autoestima e o senso de pertencimento de um povo que, por séculos, foi marginalizado e desumanizado. Os desfiles do Ilê não são apenas carnavais; são celebrações da identidade negra, onde cada passo é uma afirmação de resistência e liberdade. Aqui, a beleza negra não é marginal, mas central. Cada turbante amarrado, cada penteado trançado e cada tecido estampado carregam o peso e a leveza de uma ancestralidade infinita.
No centro dessa expressão cultural está a estética negra, enaltecida de forma singular pelo Ilê. A valorização das raízes africanas não se resume à festa; o bloco também promove iniciativas sociais e educativas, como a Escola Mãe Hilda, criada em 1988, que oferece educação formal e cultural, formando gerações de crianças e jovens negras com uma consciência aguçada sobre suas origens e potencialidades. A escola é um dos pilares do Ilê, pois compreende-se que o empoderamento começa pela educação. O Ilê Aiyê se projeta além do carnaval, influenciando a música, a moda e as artes brasileiras. O bloco tornou-se uma das maiores referências na luta pela valorização da estética e da cultura afrodescendente no Brasil, inspirando a criação de outros blocos afro e movimentos culturais que celebram a beleza e a força negra. Nos palcos, o Ilê apresenta espetáculos que são celebrações de uma ancestralidade, honrando deuses e orixás em uma sinergia de corpo, voz e espírito. E não é apenas nas avenidas de Salvador que o Ilê desfila; ele desfila na memória e na autoestima de cada criança negra que descobre, no Ilê, um espelho de si mesma.
A importância do Ilê Aiyê na cultura brasileira não se limita às suas apresentações festivas, mas se estende ao impacto profundo na construção de um novo imaginário sobre a negritude. Em uma sociedade marcada pelo racismo, o Ilê representa o renascimento contínuo de uma consciência negra positiva, onde o negro não é apenas sujeito da sua história, mas também autor do seu futuro. Cada desfile do Ilê é uma lição de coragem e beleza, uma proclamação de que a dignidade negra não pode ser negociada.
O Ilê Aiyê segue brilhando, iluminando os caminhos de um Brasil que precisa redescobrir suas raízes para avançar. É o sol negro que renasce a cada fevereiro, lembrando que a beleza está na pele preta, na força dos corpos que dançam e na resiliência de um povo que, através do Ilê, reafirma sua existência com orgulho e alegria. O Ilê Aiyê é mais do que um símbolo de resistência: é um lembrete constante de que a autoestima de um povo começa pelo reconhecimento de sua história e pelo orgulho de sua herança cultural.
Celebração
No dia 1º de novembro de 2024, o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil, celebra seu cinquentenário na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador, a partir das 18h30. O evento reúne artistas renomados como Carlinhos Brown, BaianaSystem, Daniela Mercury, Orquestra Afrosinfônica, Beto Jamaica, Aloísio Menezes, Matilde Charles e Amanda Maria. A direção artística é de Elísio Lopes Jr, direção de arte e cenário de Mauro Vicente Ferreira e coreografia de Edilene Alves.
Toda a renda do espetáculo será revertida para as ações sociais e culturais da Associação Cultural Bloco Ilê Aiyê.
Ilê Aiyê – 50 Anos
Em 1º de novembro de 2024, na Concha Acústica do TCA (Salvador), a partir das 18h30. Ingressos disponíveis on-line