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Decisão do STF sobre maconha e os impactos na população negra

Para a população negra, que historicamente tem sido a mais afetada pelas políticas punitivas, as implicações dessa mudança são profundas

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Aline Massuca/ Metropoles
Planta da maconha cannabis - Metrópoles
1 de 1 Planta da maconha cannabis - Metrópoles - Foto: Aline Massuca/ Metropoles

Eu era professor de um projeto de reforço escolar dentro de uma comunidade em um morro carioca. Nela via centenas de trabalhadores sonhando em terem uma vida melhor para os seus. Óbvio como em qualquer localidade deste país havia o lado violento.

Antes que questionem sobre o tráfico de drogas, preciso ressaltar que não existia fábrica de armas e munição, plantação de coca e cannabis, estrutura farmacêutica para produção… Tudo vinha de fora. Inclusive a maior parte dos consumidores das drogas vendidas, nitidamente pertencentes à classe média – maioria branca. Esta conta não fecha.

Trago números de São Paulo, mas não são diferentes do resto do país, porque a lógica policial e jurídica são as mesmas. Estudo do Insper revela discrepância racial no enquadramento de casos de porte de drogas pela polícia de São Paulo entre 2010 e 2020. São Paulo enquadrou 31 mil negros como traficantes em situações similares às de usuários brancos.

No dia 26 de junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil tomou uma decisão crucial ao descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal – 40g ou seis plantas fêmeas de cannabis. Essa medida, que redefine a abordagem do país em relação ao consumo de drogas, não legaliza o porte, mas altera significativamente as consequências legais, que passam a ser administrativas.

Para a população negra, que historicamente tem sido a mais afetada pelas políticas punitivas de drogas, as implicações dessa mudança são profundas e merecem uma análise cuidadosa.

Histórico de criminalização e racismo

Entender plenamente o impacto dessa decisão é essencialmente examinar o histórico de discriminação racial no Brasil. Desde a abolição da escravidão, a população negra tem sido marginalizada e criminalizada de várias formas. No contexto das políticas de drogas, essa marginalização se manifesta em taxas desproporcionalmente altas de prisões e condenações de negros por porte de drogas.

A “guerra às drogas” no Brasil tem, de fato, sido uma guerra contra os negros. Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) indicam que a maioria dos presos por crimes relacionados a drogas são jovens negros de baixa renda. Esse contexto evidencia como a criminalização do porte de drogas tem servido como uma ferramenta de opressão racial.

A decisão do STF de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal representa um marco significativo na política de drogas do país. Ao transferir as consequências do porte de maconha do âmbito penal para o administrativo, o STF busca reduzir o impacto negativo das prisões e das condenações criminais, especialmente sobre as comunidades negras.

Sob as novas diretrizes, o porte de maconha para uso pessoal não resultará mais em prisão, mas em medidas administrativas como advertências, prestação de serviços comunitários ou participação em programas educativos. Essa mudança é vista como um passo em direção à redução da população carcerária e da violência policial, que frequentemente utiliza a posse de drogas como pretexto para buscas e detenções abusivas.

Para a população negra, a descriminalização do porte de maconha pode trazer benefícios significativos, mas também apresenta desafios. A redução das prisões por porte de pequenas quantidades de maconha pode aliviar a pressão sobre o sistema penitenciário e reduzir a violência policial contra jovens negros. No entanto, a implementação eficaz dessa mudança depende de uma aplicação justa e equitativa das novas regras.

A discriminação racial no sistema de justiça criminal brasileiro é profunda e persistente. Para garantir que a descriminalização beneficie verdadeiramente a população negra, é essencial que as medidas administrativas sejam aplicadas de maneira equitativa e que haja mecanismos eficazes para monitorar e punir abusos policiais.

A decisão do STF é um passo importante, mas não deve ser vista como uma solução completa para os problemas enfrentados pela população negra. Reformas estruturais são necessárias para abordar as raízes da discriminação racial no sistema de justiça criminal.

Isso inclui a formação de policiais para lidar com a posse de drogas de maneira não punitiva – até porque não é função do policial punir, a criação de mecanismos de responsabilização para abusos policiais e a implementação de programas de apoio e reabilitação nas comunidades mais afetadas pela criminalização.

Que o Ministério Público fique atento, porque os 40g podem virar 1kg, se as câmeras nas fardas policiais não existirem ou não estarem funcionando. O Rafael Braga Vieira foi detido com duas garrafas de Pinho Sol e acabou condenado a cinco anos de prisão.

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