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Cotas raciais: justiça em debate dentro do próprio Judiciário

Mesmo com a validação do STF, críticas à legalidade e à eficácia das políticas afirmativas persistem, até dentro do Judiciário

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Foto colorida da desembargadora Rosita durante a sessão de julgamento - Metrópoles
1 de 1 Foto colorida da desembargadora Rosita durante a sessão de julgamento - Metrópoles - Foto: Reprodução

Mesmo com o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecendo a constitucionalidade das políticas de cotas, ainda existem aqueles que questionam sua legitimidade — incluindo, lamentavelmente, integrantes do próprio Judiciário, como uma desembargadora.

Durante uma audiência no Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), a desembargadora Rosita Falcão Maia criticou o sistema de cotas raciais, alegando que elas dividem a sociedade e contribuíram para uma suposta queda na qualidade das universidades públicas. As declarações geraram forte repercussão, especialmente na Bahia, estado com maioria negra e profundas desigualdades raciais. A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA) e o Sindicato dos Servidores do Judiciário repudiaram as falas, destacando que as cotas são políticas afirmativas essenciais para corrigir desigualdades históricas e que estudantes cotistas têm apresentado desempenhos acadêmicos equivalentes ou superiores aos de não cotistas.

Carta Aberta à Desembargadora Rosita Falcão Maia

Excelentíssima Senhora Desembargadora,

É com profundo respeito que me dirijo a Vossa Excelência para discutir as recentes declarações sobre as cotas raciais e a meritocracia no Brasil. Como integrante do Tribunal de Justiça da Bahia, estado onde a população negra representa cerca de 80.8% dos habitantes, é crucial considerar as profundas desigualdades raciais que permeiam nossa sociedade e o papel das políticas afirmativas na promoção da justiça social.

O conceito de meritocracia, que pressupõe a ascensão baseada exclusivamente no mérito individual, desconsidera as disparidades históricas e estruturais que afetam a população negra no Brasil. Após séculos de escravidão e políticas excludentes, a população negra enfrenta barreiras significativas no acesso à educação, emprego e justiça. As cotas raciais são, portanto, uma ferramenta essencial para corrigir essas desigualdades históricas e promover a inclusão.

Desde a implementação das cotas nas universidades públicas, houve um aumento significativo na presença de estudantes negros, que têm demonstrado desempenho acadêmico equivalente ou superior ao de não cotistas. Por exemplo, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a taxa de conclusão entre estudantes cotistas é de 67,3%, enquanto entre não cotistas é de 51,7%. Além disso, uma revisão integrativa da literatura indica que, ao longo dos anos de políticas afirmativas, os cotistas obtiveram rendimentos similares aos demais estudantes, superando-os, inclusive, nos índices de diplomação e apresentando menores taxas de evasão.

Entre 2012 e 2023, as matrículas de estudantes por cota racial no ensino superior federal tiveram um expressivo crescimento de 266,4%, impulsionado pela implementação da política de cotas. Nesse período, o número de alunos matriculados em universidades federais aumentou de 14.262 para 52.256. O impacto das cotas também se reflete na conclusão dos cursos: em 2012, apenas 1.780 estudantes cotistas se formaram, número que saltou para 26.151 em 2023, representando um crescimento impressionante de 1.369,2%. Esses dados reforçam a eficácia das políticas afirmativas em ampliar o acesso e a permanência de estudantes negros e indígenas no ensino superior público.

Um estudo realizado pela USP acompanhou o desempenho acadêmico das primeiras turmas com estudantes cotistas desde a implementação do sistema, em 2018. Os resultados indicam que a diferença de desempenho entre cotistas e não cotistas é mínima e se concentra principalmente nos primeiros semestres da graduação, tornando-se praticamente imperceptível ao longo do curso.

Entre 2014 e 2023, estudantes que ingressaram no ensino superior federal por meio de cotas apresentaram uma taxa de conclusão 10% superior à dos não cotistas, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Além disso, o levantamento revelou que alunos beneficiados por ações afirmativas, como o ProUni, também demonstram índices de desempenho acadêmico mais elevados.

É fundamental reconhecer que a meritocracia só pode ser efetiva em uma sociedade onde todos têm igualdade de oportunidades desde o início. No contexto brasileiro, as cotas raciais são um passo crucial para nivelar o campo de oportunidades, permitindo que o mérito individual possa, de fato, prevalecer.

Espero que esta reflexão contribua para uma compreensão mais profunda da importância das políticas afirmativas e do papel do Judiciário na promoção da igualdade racial em nossa sociedade.

Com respeito à busca por equidade,

Rodrigo França
Filósofo, escritor e diretor de cinema e teatro

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