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Câncer de mama em homens: a doença e os tabus da masculinidade

Apesar da baixa incidência, o câncer de mama masculino é real e perigoso. A fragilidade da masculinidade impede muitos de buscarem ajuda

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Deiviane Linhares/ Especial Metrópoles
André de Melo, homem diagnosticado com câncer de mama
1 de 1 André de Melo, homem diagnosticado com câncer de mama - Foto: Deiviane Linhares/ Especial Metrópoles

O câncer de mama é, majoritariamente, associado ao universo feminino, o que faz com que sua incidência em homens seja amplamente subestimada. No entanto, essa é uma realidade que precisa ser encarada com seriedade, especialmente durante campanhas como o Outubro Rosa, que visam à conscientização sobre o tema. Embora os casos de câncer de mama em homens representem cerca de 1% dos diagnósticos, o impacto é significativo, sobretudo pela falta de informação e o atraso no diagnóstico. A masculinidade frágil, alimentada por estigmas sociais, acaba sendo um grande empecilho na prevenção e no tratamento dessa e de tantas outras doenças.

A estrutura social na qual vivemos impõe ao homem uma relação distanciada com seu próprio corpo, como se o simples ato de autocuidado fosse um sinal de fraqueza. Esse fenômeno, muitas vezes descrito como “masculinidade tóxica”, leva homens a negligenciarem sinais importantes de alerta, como nódulos na região mamária, alterações na pele ou secreção no mamilo, retardando a busca por ajuda médica. Ao longo do tempo, a ideia de que cuidar da saúde é uma preocupação essencialmente feminina moldou comportamentos que afetam diretamente a saúde dos homens.

Diferentemente das mulheres, que, ao longo da vida, são incentivadas a realizar exames preventivos, como mamografias e consultas ginecológicas, os homens raramente são orientados a ter uma relação próxima com seus corpos. A cultura do “forte” e do “indestrutível” contribui para a ideia de que um homem não precisa se preocupar com a própria saúde até que algo esteja “gritantemente errado”. Essa percepção é reforçada pelo medo de que qualquer investigação médica, sobretudo em áreas sensíveis como a mama, possa “fragilizar” sua identidade masculina. Esse medo, por mais irracional que pareça, tem raízes profundas, e a consequência é o silêncio – um silêncio que pode custar vidas.

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), os sintomas do câncer de mama masculino são semelhantes aos femininos: nódulos indolores no tecido mamário, alterações na pele, retração do mamilo e, em alguns casos, secreção. No entanto, a diferença no tempo de diagnóstico é abismal. Enquanto as mulheres são frequentemente orientadas a realizar exames de rotina e a estar atentas ao seu corpo, os homens dificilmente recebem esse tipo de orientação, o que leva a diagnósticos em estágios mais avançados e, consequentemente, a tratamentos mais agressivos e menores chances de cura. A fragilidade da masculinidade se manifesta de várias formas, mas uma das mais alarmantes é a incapacidade de lidar com o próprio corpo. É como se o corpo masculino fosse uma máquina perfeita que, ao sinal de qualquer falha, representasse um colapso total. Essa crença enraizada dificulta a busca por ajuda, não só em casos de câncer de mama, mas em diversas outras questões de saúde, como a prevenção do câncer de próstata, que também é cercado de tabus.

Essa resistência não é apenas uma questão pessoal; ela tem raízes culturais e estruturais. O imaginário social, que constrói o homem como um ser invulnerável, é reforçado por décadas de discursos que valorizam a força física e emocional, em detrimento do cuidado e da vulnerabilidade. A masculinidade tóxica é, portanto, um processo de negação contínua da fragilidade e da doença, um esforço para manter a imagem de invulnerabilidade que, na prática, acaba por matar.

O Outubro Rosa é uma excelente oportunidade para levantar essas questões, para ampliar o debate e incluir os homens na discussão sobre o câncer de mama. Embora a incidência seja baixa, a doença existe, e pode ser devastadora se não tratada a tempo. O grande desafio, no entanto, é romper com essa barreira social que impede os homens de cuidar de si mesmos. Campanhas de conscientização devem dialogar com o público masculino de forma a desmistificar a ideia de que exames, como o de toque ou a mamografia, são exclusividade de mulheres. A saúde não tem gênero, e a prevenção deve ser uma preocupação de todos.

De acordo com a médica Cecília Pereira, Ginecologista e Mastologista, mesmo o protagonismo sendo feminino, o Outubro Rosa pode, também, abranger os homes. “Diferentemente da mamografia anual indicada a partir dos 40 anos para as mulheres, o rastreamento para câncer de mama masculino, não existe. Justamente devido à sua baixa incidência, a realização de exames rotineiros para os homens, causaria pouquíssimo impacto na redução da mortalidade, mas isso não justifica a falta de informação para essa população. Quantas figuras públicas do sexo masculino já declararam terem tido câncer de mama? Seria essa omissão pela vergonha do fato de se tratar de uma doença ligada ao estrogênio (hormônio feminino)? Apesar disso não podemos “sequestrar” essa pauta, o Outubro Rosa é sim uma iniciativa visando o protagonismo feminino e busca disseminar informação sobre o câncer que mais mata mulheres no mundo, porém essa é uma grande oportunidade de levarmos à todos essa discussão”, avalia a especialista.

A fragilidade da masculinidade também se expressa na recusa de aceitar que o corpo envelhece, que ele adoece, e que, como qualquer outro corpo, precisa de atenção, cuidado e monitoramento. Se para as mulheres a prevenção já é um desafio em um país onde o acesso à saúde pública é limitado, para os homens, essa batalha é ainda maior, pois é preciso vencer também o preconceito, o medo e a falta de informação. Nesse contexto, é fundamental que as campanhas de conscientização sejam inclusivas e abarquem a complexidade dos estigmas que ainda cercam a saúde masculina. Não se trata apenas de um corpo biológico, mas de um corpo político e social, moldado por uma série de expectativas e imposições que, muitas vezes, o afastam de práticas de autocuidado. Homens precisam entender que cuidar de sua saúde não diminui sua masculinidade; pelo contrário, fortalece sua capacidade de enfrentar a vida de maneira plena.

Os dados são claros: quando diagnosticado em estágio inicial, o câncer de mama tem altas chances de cura. O que falta, então, é sensibilizar e informar o público masculino sobre a importância de prestar atenção aos sinais do corpo e, principalmente, de buscar ajuda médica quando necessário. Não há vergonha em cuidar de si, em ser vulnerável, em admitir que há algo errado. A verdadeira força está em enfrentar o problema e buscar uma solução.

A prevenção é o melhor caminho, e isso começa com a desconstrução de estigmas e a construção de uma nova narrativa sobre o que significa ser homem. Ser homem também é cuidar de si, ouvir o próprio corpo e, sobretudo, buscar uma vida longa e saudável. O Outubro Rosa pode ser a porta de entrada para uma mudança de perspectiva, onde o autocuidado não é mais visto como fraqueza, mas como um gesto de força e sabedoria.

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