metropoles.com

As raízes coloniais da Polícia Militar do Brasil

Liberar o dono do Porsche após uma morte e 111 tiros em jovens trabalhadores. Eis a questão.

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Reprodução
foto colorida de Fernando Sastre de Andrade Filho, acusado de homicídio após provocar um acidente com seu Porsche em alta velocidade - Metrópoles
1 de 1 foto colorida de Fernando Sastre de Andrade Filho, acusado de homicídio após provocar um acidente com seu Porsche em alta velocidade - Metrópoles - Foto: Reprodução

Foram alguns anos trabalhando como pesquisador em segurança pública e professor da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, na disciplina Sociologia Criminal e Jurídica. Confesso que foi a experiência mais fantástica como professor. Dali construí um entendimento de dentro sobre a estrutura, mesmo não sendo policial. Ministrei aulas para muitos homens e mulheres apaixonados, que passavam no concurso desejando contribuir com o melhor, na esperança de subverter o entendimento negativo que há em parte da sociedade para a instituição. Meses depois, recrutas que eu reencontrava na rua ou na próxima formação, eu via o brilho no olhar diminuindo ou o primeiro discurso apaixonado sendo modificado radicalmente.

No Brasil, temos a polícia que mais mata e mais morre. Perdi pela violência muitos alunos e amigos – dentro e fora da polícia – por um sistema perverso de segurança pública. Na sua regra, preto matando preto, pobre matando pobre.

Segundo a investigação do 30° Distrito Policial (DP) do Tatuapé, o empresário Fernando Sastre de Andrade Filho (foto em destaque), que conduzia um Porsche, avaliado em mais de R$ 1 milhão, matou o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana após bater no carro dele, no dia 31 de março. A Polícia Militar (PM), que atendeu a ocorrência, informou que liberou Fernando do local do acidente após a mãe dele, Daniela Cristina de Medeiros Andrade, dizer aos policiais que levaria o filho para o Hospital, porque ele estaria com um ferimento na boca. Fernando com uma ferida na boca e, do outro lado, o Ornaldo morto por ele.

No Rio, em 2015, Wilton Esteves Domingos Júnior, 20 anos; Carlos Eduardo Silva de Souza, 16; Wesley Castro Rodrigues, 25; Roberto Silva de Souza, 16; e Cleiton Corrêa de Souza, 18, foram mortos com 111 tiros por policiais militares. Os cinco amigos voltavam de um passeio no Parque Madureira. Eles tinham ido a uma lanchonete comemorar o primeiro emprego de Roberto, que havia conseguido uma vaga como auxiliar de supermercado.

Não tem como entender o presente sem olharmos para o passado, como traduzem as filosofias africanas. No Brasil, a Polícia Militar tem suas raízes na época colonial, quando foi inicialmente criada para proteger os interesses da coroa portuguesa e da elite dominante. A PMERJ, em particular, foi oficialmente instituída em 1809 (a suposta abolição foi estabelecida em 1888), por meio de um decreto do então príncipe regente Dom João VI. Na época, o Rio de Janeiro era a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e a criação da Polícia Militar tinha o objetivo principal de manter a ordem e a segurança da cidade, que era a sede do governo colonial. Durante o período colonial e imperial, a principal função das forças policiais era manter a ordem e garantir a estabilidade política e econômica, em benefício das classes abastadas, incluindo os ricos proprietários de terras. Isso significava que, em muitos casos, a atuação da Polícia Militar não estava voltada para a proteção dos mais pobres, mas sim para a preservação do status quo e dos interesses da elite. Ao longo da história do Brasil, a Polícia Militar esteve envolvida em diversas situações controversas, incluindo repressão a movimentos sociais e protestos populares.

Se observarmos o significado de cada um dos elementos que compõem a bandeira da PMERJ, e o que eles representam, percebemos a concretude do texto. As duas plantas que estão presentes: um pé de cana-de-açúcar e um pé de café. Todos representam a classe dominante brasileira do período em que a Polícia Militar foi convencionada. As duas armas de fogo são a proteção. A bandeira ainda é assim, e a lógica também.

Os filhos dos policiais militares, normalmente, estão matriculados em escolas públicas. Quantas vezes a Polícia Militar foi utilizada para reprimir professores que estavam se manifestando por melhoria salarial e condições dignas de trabalho? Ressalto que também em busca de uma educação de excelência para os filhos dos policiais. Servir e proteger a quem?

Aqui escrevo sobre uma instituição que recorta a vida de pessoas – sendo policiais ou não. Óbvio que existem profissionais que ainda têm o brilho no olhar desejando modificar tal cenário, alguns dedicados e que trabalham diariamente para proteger todos os cidadãos, independentemente de sua condição social. Mas é urgente a discussão sobre o papel da Polícia Militar e a necessidade de reformas no sistema policial, buscando uma atuação mais justa, igualitária e voltada para o bem-estar de TODA a sociedade. Porque, senão, continuaremos coloniais.

Sobre a juíza que liberou o condutor do Porsche e manteve preso um ladrão de desodorante, segue o mesmo molde. A Justiça foi criada para defender quem?

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?