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A escala 6X1 e a herança da escravidão na moderna economia brasileira

O argumento de que melhorar as condições dos trabalhadores prejudicará a economia brasileira tem raízes coloniais

atualizado

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Vinicius Schmidt/Metrópoles
Subestação de energia elétrica da ENEL - Trabalhadores da ENEL - Energia Eletrica
1 de 1 Subestação de energia elétrica da ENEL - Trabalhadores da ENEL - Energia Eletrica - Foto: Vinicius Schmidt/Metrópoles

O debate sobre a escala 6×1, que limita o trabalhador a apenas um dia de descanso para cada seis de trabalho, não é apenas uma discussão sobre jornadas ou produtividade: é um reflexo profundo da mentalidade histórica que ainda rege as relações de trabalho no Brasil. O argumento de que melhorar as condições dos trabalhadores “prejudicará a economia” tem raízes coloniais e encontra ecos em diferentes momentos da história do país, como a resistência ao fim da escravidão, à regulamentação das oito horas diárias e, mais recentemente, aos direitos assegurados pela CLT. A economia, nos termos dos privilegiados, sempre precisou de sacrifícios, mas não os deles.

A resistência às reformas trabalhistas sempre usou o mesmo discurso: “É inviável.” Em 1932, quando os operários lutaram pelas oito horas diárias de trabalho, os argumentos contrários eram semelhantes aos que hoje defendem a escala 6×1. Diziam que o Brasil “não estava pronto”, que os negócios quebrariam, que o progresso econômico dependia do sacrifício de quem trabalha. O que nunca se colocou em discussão foi o custo humano dessa exploração: vidas exauridas, famílias desestruturadas e uma sociedade que normalizou o sofrimento do trabalhador enquanto celebra o crescimento econômico.

A escala 6×1 carrega essa mesma lógica. Ela se alimenta da ideia de que descanso é um privilégio, e não um direito. É uma forma contemporânea de manter a classe trabalhadora à disposição, como se seus corpos fossem meras engrenagens de uma máquina de lucro. Essa mentalidade remonta ao Brasil escravocrata, quando a exploração não tinha limites e a vida humana era reduzida à capacidade de gerar riqueza. Não é coincidência que os setores mais afetados pela escala 6×1 sejam aqueles historicamente marginalizados, como os trabalhadores do comércio e da indústria, que muitas vezes pertencem a camadas racializadas e empobrecidas.

Mas a resistência não vem apenas dos empregadores: setores privilegiados da sociedade também endossam a escala, mesmo que nunca tenham vivenciado a realidade de quem acorda antes do sol e só volta para casa à noite, exausto, para no dia seguinte repetir o ciclo. Um exemplo emblemático dessa postura veio à tona recentemente em São Paulo. Estudantes da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), historicamente vinculada às elites econômicas, foram flagrados proferindo ofensas racistas e aporofóbicas contra alunos da Universidade de São Paulo (USP), em sua maioria cotistas e oriundos de classes populares. Durante um jogo universitário, os estudantes da PUC chamaram os da USP de “pobres” e “cotistas”, usando essas palavras como armas de humilhação, reafirmando a hierarquia social que herdam de suas famílias.

Esses jovens, muitos dos quais nunca precisaram trabalhar para garantir o sustento, defendem estruturas como a escala 6×1, porque nunca sentiram os impactos de uma semana de trabalho exaustiva. Vivem em um mundo onde o esforço físico e mental é terceirizado, onde o sacrifício dos trabalhadores sustenta seu conforto. Suas ofensas contra cotistas da USP mostram o quanto a sociedade brasileira ainda está presa à lógica de exclusão: os “pobres” e “negros” devem permanecer em seus lugares, longe dos espaços de poder e conhecimento.

O episódio é particularmente simbólico porque expõe a continuidade da mentalidade escravocrata no Brasil contemporâneo. Os estudantes da PUC não apenas ofenderam seus colegas, mas ecoaram séculos de um sistema que normaliza a desumanização de quem ocupa a base da pirâmide social. O Brasil precisa romper com essa lógica. A luta contra a escala 6×1 não é apenas uma questão técnica sobre folgas ou produtividade; é uma tentativa de reescrever nossa história. É uma oportunidade de dizer que a dignidade do trabalhador não pode continuar sendo sacrificada em nome de uma economia que beneficia poucos às custas de muitos. O descanso, o lazer e a qualidade de vida não são privilégios, mas direitos que deveriam ser garantidos a todos.

A elite brasileira – incluindo os jovens que, protegidos por heranças e privilégios, insultam seus pares – precisa compreender que o país que eles herdarão está se desgastando. Não é possível sustentar uma sociedade saudável enquanto a exploração é norma e o ódio de raça e classe, uma piada para universitários que jamais sentiram o peso de um dia de trabalho.

A escala 6×1, como tantas outras políticas que favorecem o lucro em detrimento da dignidade, perpetua uma estrutura escravocrata que precisa ser desmontada. É hora de construir um país onde descansar, estudar e viver com dignidade não sejam privilégios de poucos, mas direitos de todos. Afinal, como esperar justiça em um país onde quem defende o trabalhador é chamado de inimigo da economia e onde quem insulta o pobre herda o trono de um sistema que nunca foi desafiado?

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