Por que sentimos tesão ao ver vídeos de receitas?
Desde fetiche com manuseio de comida até a sexualização das mulheres, existem algumas explicações para o tesão em assistir vídeos de receita
atualizado
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Não é incomum encontrar produtores de conteúdos culinários pela internet — desde os que ensinam o passo a passo até os que têm intenções mais estéticas. Porém, ainda que os posts tenham objetivos diferentes, uma coisa é unânime: o assédio de pessoas que se sentem excitadas ao verem vídeos com comida.
O cozinheiro André Rochadel, colaborador do Metrópoles, é um dos que recebe comentários desagradáveis em filmagens culinárias. “Já tiveram cantadas, coisas como ‘cozinha sem camisa’ ou ‘cozinha pelado’”, conta. Outra culinarista consultada pelo portal também admitiu ser importunada com comentários de cunho sexual e sentir-se triste com isso, mas preferiu não se identificar para “não atrelar ainda mais” o trabalho dela ao erotismo.
Mas o que motiva esse tesão dos internautas por vídeos de receita?
Segundo a psicóloga e sexóloga Tâmara Dias, essa sensação pode surgir por diversos fatores, a começar pelo desejo sexual pelo ato de manipular a comida, que é chamado de sitofilia. Para além da parafilia, existe o inconsciente humano, que pode projetar na comida algum tipo de memória afetiva despertada pela situação, provocando um gatilho.
“Às vezes, é alguma memória ou vivência do passado que veio à tona ao ver o vídeo ou mesmo o desejo de ter alguém com a habilidade culinária em sua vida”, diz a especialista.
O que pode acontecer também é confundir uma grande satisfação em ver as imagens com desejo sexual. “As duas sensações liberam hormônios de prazer, bem-estar e euforia. A diferença é que o desejo sexual fará você imaginar a cena em um lugar erótico, podendo levar a outra fase do ciclo da resposta sexual, isto é, a fase da excitação, em que o corpo é preparado para o orgasmo”, explica a profissional.
Sexualização feminina
Outra questão possível de se observar é que esse assédio é muito mais comum em vídeos protagonizados por mulheres. E não só o fetichismo sobre a imagem de uma figura feminina que cozinha, mas também a maior abertura que as pessoas (principalmente os homens) acham que têm para fazer comentários de cunho sexual, em razão da estrutura machista e patriarcal da sociedade.
No imaginário masculino, ainda existe a imagem da mulher submissa, que cuida da família e cozinha refeições deliciosas, sem nunca perder a “delicadeza” e a “feminilidade”. “Isso é muito retratado, inclusive, em vídeos adultos e fantasias sexuais que colocam a mulher como empregada, enfermeira, secretária e qualquer outra profissão em que a mulher presta algum tipo de cuidado”, associa Tâmara.
André Rochadel revela que, apesar de não ser o intuito de seus vídeos atrair comentários assim, essas mensagens nunca o desmotivaram. “Por ser homem, não rola uma desvalorização do meu trabalho. É algo direcionado a mim, como pessoa. Com mulheres, além de muito mais frequente, é diferente porque essa sexualização acaba se sobrepondo ao trabalho que elas estão fazendo”, opina.
O cozinheiro ainda reitera que essa diferença fica clara quando vídeos simples em que uma mulher está cozinhando são frequentemente comparados a vídeos explicitamente sexuais de homens na cozinha, fazendo referências claras ao ato sexual, como tapas e gestos masturbatórios nos alimentos.
@zbuo19 People’s happiness is so simple. It’s hot. Eat some fruit. Hello, everyone. I’m your sexy sweet chef#life#deliciousfood#food#Sexyman ♬ original sound – zbuo19
“Para a mulher, basta estar com uma roupa mais colada, um decote nem tão profundo ou fazer algo mais sensual e artístico para ser sexualizada. Os homens pulam o sensual e vão direto para o sexual sem sofrer grandes consequências. A mulher precisa estar o tempo inteiro pensando no que não fazer para não ser mexida ou diminuída”, complementa.
Um exemplo prático dessa realidade é a negativa que a coluna Pouca Vergonha recebeu ao propor a entrevista com a criadora de conteúdos culinários mencionada acima. A personagem ficou receosa de “dar palco” ao assunto e, fatalmente, o tema tornar-se mais relevante que o trabalho dela. “Infelizmente, a mulher sempre acaba virando um objeto”, conclui Tâmara Dias.