Papo de reto: médico tira dúvidas sobre sexo anal e saúde do ânus
Metrópoles bate papo com o Dr. Eurípedes Barsanulfo, proctologista que acaba de lançar livro que aborda diversos aspectos do tema
atualizado
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Parte importante do corpo humano, o ânus é cercado de tabus e pouco se fala abertamente sobre ele. Para desmistificar essas questões, o proctologista Eurípedes Barsanulfo alimenta o perfil Papo de Reto no Instagram e acaba de lançar o livro Papo de Reto – Tudo o Que Você Queria Saber Sobre Seu Ânus, Mas Tinha Vergonha de Perguntar.
No título são abordados não só temas de saúde, mas assuntos como o sexo anal e outros mais polêmicos, como o empalamento – introdução de objetos (não apropriados para o ato) no ânus. A Pouca Vergonha conversou com Dr. Eurípedes e revela alguns detalhes da obra:
Como surgiu a vontade de lançar um livro com assunto e título tão polêmicos?
A intenção inicial era um livro para ajudar na prevenção do câncer de intestino, que é o terceiro que mais mata homens e mulheres e não é tão divulgado. E tem um certo preconceito, principalmente entre os “machões”, de procurar um proctologista para se cuidar. Então a pegada do livro é desmistificar um monte de coisa nessa área. É para falar sobre isso de uma forma mais aberta mesmo. Tanto que eu já começo o livro falando: vamos chamar do nome correto? Em vez de ficar falando ânus, vamos falar cu. É de cu que as pessoas chamam, então vamos quebrar essa besteira e falar pelo nome popular.
Porque as pessoas têm tanto medo do cu? Principalmente de falar e perguntar sobre ele?
É uma questão de tabu mesmo. Desde a infância todo mundo é ensinado que tem que esconder a genitália, esconder o bumbum, o ânus. A gente cresce com aquilo na cabeça e à medida que vai passando o tempo, vai criando bloqueios que não sabe de onde vêm, mas que a origem está na infância, na criação. Não é uma coisa abertamente conversada, os pais não se sentam com os filhos para falar sobre essas coisas. Freud explica. A gente passa pela fase oral, fase anal e fase fálica, que é a do órgão genital. São fases que todo mundo passa, mas principalmente na anal e fálica, a criança mexe ali e é repreendida. Vem muito disso.
Como podemos fazer as pazes com nosso ânus?
Para fazer as pazes é preciso derrubar os tabus. Entender que é uma parte do corpo como qualquer outra. Eu costumo falar que o cu é uma parte do corpo que só é lembrada quando começa a dar problema. Ele é feito para trabalhar caladinho, em silêncio. Mas se deu um problema, é porque tem alguma coisa errada. Então não tenha vergonha, procure, fale abertamente.
Quais são os principais assuntos abordados no livro e as maiores dúvidas das pessoas quando elas chegam ao consultório?
Um dos capítulos serve para deixar claro que proctologia não é só para homens. Muitas pessoas acham isso por fazer uma ligação com a próstata, mas quem cuida dessa parte é a urologia, que é uma área irmã. O exame de toque é feito pelo ânus por conta da parede da próstata, que é muito próxima à do intestino. Muitos homens entram no consultório dizendo que vieram fazer a prevenção de próstata, e é nessa hora que eu explico a diferença e aproveito para amarrar o paciente para fazer a prevenção de intestino também, porque de outra forma ele não iria procurar. Muitas vezes a esposa tem que trazer pelo braço.
Também recebo muitas dúvidas sobre sangramentos e se hemorroida vira câncer. E não, não vira. E o fato de haver sangramento também não significa um câncer, só é preciso investigar quando junto com o sangramento não há nada no ânus, como uma fissura ou lesão, por exemplo.
Grande parte das dúvidas vêm dos homossexuais também. Muitos que ainda não se assumiram acabam indo escondido ao consultório para tirá-las. Eu já atendi um rapaz de 16 anos que foi acompanhado da mãe. Só a mãe sabia que ele era homossexual e ele nunca tinha tido relação anal. Fez a consulta justamente para ter as primeiras orientações porque ele queria ter a relação anal. Achei incrível.
No capítulo reservado ao sexo anal, quais aspectos são levantados?
Nele eu falo sobre tudo que cerca o sexo anal e ainda dou uma “receitinha de bolo” de como praticar de forma segura. Eu, como especialista, não vou te indicar nem contraindicar o sexo anal, porque não cabe a mim. Mas indicando ou não, a pessoa vai fazer de qualquer jeito. E já que vai fazer, é melhor seguir algumas orientações. Por exemplo, lubrificação é fundamental, porque o ânus não tem lubrificação natural. No mercado tem diversos produtos a base de vaselina que são muito bons. Anestésico nunca é indicado, porque ele vai tirar a sensibilidade, e, sem sentir dor, a chance de se machucar é muito grande. A dor funciona como uma espécie de aviso.
Outra coisa importantíssima: consenso. Não adianta só um querer e o outro não, não vai ser legal. Os dois têm que querer, entrar em um acordo e tentar. Eu costumo falar que tem mais coisas entre sua boca e seu ânus do que você pensa que tem, e uma delas é um músculo chamado esfíncter interno. Diferente do externo, que é o que nós conseguimos piscar, não temos controle do esfíncter interno, e quem quer fazer sexo anal tem que saber domá-lo. No ato, ele deve estar relaxado, mas isso não depende só de quem é passivo. Tem que ter muitas preliminares, a pessoa tem que estar bastante excitada. Também é importante ir devagar, não dá pra querer ser afobado e enfiar de uma vez, que esse músculo vai estar contraído, vai machucar e a pessoa nunca mais vai querer tentar. E mais um lembrete: proteção. Camisinha sempre!
Sobre a camisinha, muita gente não a utiliza no sexo anal. Quais os riscos da prática?
O ânus tem uma placa de tecido imunológico muito intensa. Nós, humanos, somos 90% células de bactérias, e 70% ou 80% delas está no intestino grosso. O vírus do HIV entra em um linfócito chamado CD4, que está muito presente no intestino – área da pessoa soropositiva com grande concentração do vírus. O sexo anal receptivo é uma grande porta de entrada para o HIV, sem contar com outras doenças sexualmente transmissíveis que podem ser contraídas.
Mesmo com parceiro fixo, é 100% necessário usar a camisinha no sexo anal, porque os riscos não moram apenas nas DSTs. Por este motivo, em uma relação heterossexual em que há penetração vaginal e anal, recomendamos sempre trocar a camisinha após a experiência anal para voltar a penetrar na vagina. As mulheres já tem uma questão anatômica que deixa a vagina muito próxima do ânus, e só por isso elas têm uma tendência maior a ter infecções urinárias de repetição por conta de bactérias do aparelho digestivo. Essas mesmas infecções podem atingir os homens se eles forem ativos e penetrarem o ânus sem proteção e causar uretrites de difícil tratamento. Há, inclusive, camisinhas próprias para as relações sexuais anais, que são mais reforçadas.
Existem muitos questionamentos sobre o prazer anal. Ele existe mesmo? Se sim, como se dá?
Existe sim. No homem e na mulher, o prazer anal se dá de formas diferentes, porém semelhantes, já que os dois são por via de estimulação. No homem está ligado à estimulação da próstata, e nas mulheres por um estímulo paralelo da mucosa da vagina, mais especificamente da glândula de skene, que é responsável pela ejaculação feminina. Logo, a mulher pode sim ter um orgasmo anal. Além disso, o nervo daquela região, que é o nervo pudendo, é o mesmo para os dois. Dependendo de variações anatômicas, tem gente que tem feixes sensitivos mais direcionados ao períneo e ao ânus, e com seu estímulo a pessoa acaba chegando ao orgasmo.
O empalamento recebe destaque no seu livro. Trata-se apenas de uma questão sexual?
Conversei muito com o meu editor, que é terapeuta, porque eu também queria entender. E ele fez uma nota com a parte psicológica do processo, porque eu sei da parte anatômica. O que ele menciona é a questão do tabu, do escondido. Porque a pessoa, independente de orientação sexual, pode sentir prazer na região. Ao ficar com vergonha de ir em um sex shop comprar uma coisa feita para aquilo, acaba improvisando e dando errado. Já tiveram muitos heterossexuais que chegaram ao pronto socorro empalados. Nos meus 12 anos de proctologia eu já tirei de tudo que você pode imaginar de dentro de ânus, desde boneca barbie, cenoura, pepino e desodorantes.
Se você introduzir alguma coisa no ânus e ele fechar, dificilmente você vai conseguir resgatar o que está ali dentro sem precisar da ajuda médica. Precisa ser algo que tenha uma parte que fique para fora, e mesmo assim pode ser perigoso, porque, dependendo da profundidade, pode atravancar nos ossos da pelve e acabar tendo que ser tirado em um centro cirúrgico. Na nota, ele também conta que muitas pessoas fazem isso por não aceitar a própria homossexualidade e querer se torturar como um castigo. É uma forma de dizer: “vou te machucar para você parar de querer isso”, e muitas vezes acaba chegando ao ponto de precisar realizar uma colostomia por motivos de perfuração.
Para finalizar, se você pudesse dar uma dica prática para as pessoas cuidarem melhor dos ânus, qual seria?
Não usem papel higiênico. Quando você vai limpar a boca com o guardanapo você esfrega ou vai limpando delicadamente? A pele do ânus é muito mais sensível que a da boca, então porque vai raspar o coitado daquele jeito? O mais indicado é lavar ou usar lenços umedecidos.