Gravidez indesejada: por que não existem anticoncepcionais masculinos?
Na semana em que se comemorou o Dia Mundial da Contracepção, médicos apontam a generalização dos cuidados com a gravidez indesejada
atualizado
Compartilhar notícia
A última semana foi marcada por uma boa notícia para homens e mulheres. O Instituto Indiano de Tecnologia revelou que um novo contraceptivo masculino está em fase final de testes e pode chegar ao público em 2023. A novidade, porém, levantou também uma dúvida: por que, até hoje, não existe um método voltado exclusivamente para eles, enquanto as mulheres precisam enfrentar uma série de alternativas para evitar uma gravidez indesejada?
Até o momento, os homens têm apenas duas formas de evitar que a parceria fique grávida: usando camisinha ou realizando uma vasectomia. Infelizmente, nenhum dos dois métodos são 100% eficazes. Pelo contrário: ambos possuem taxas de falha que varia entre 1% e 15% – ou seja, entre uma e 15 pessoas acabam engravidando ao recorrer a eles.
Apesar da existirem formas de se cuidarem, geralmente cabe às mulheres evitar a concepção. Segundo dados divulgados pela healthtech Clue, mesmo quando os métodos são compartilhados entre o casal, como o uso do preservativo, elas são mais ativas no gerenciamento do seu uso em 90% das ocasiões.
Ainda que “tomem as rédeas” da situação, as condições também não são perfeitas para o sexo feminino, e os métodos podem falhar, refletindo em gravidezes não desejadas por ambas as partes. Pesquisa realizada pela Bayer e conduzida pelo IPEC, em 2021, revelou que 62% de 1.000 mulheres entrevistadas já tiveram pelo menos uma gravidez não planejada – destas, 46% usavam algum método contraceptivo.
Carga feminina
Para a ginecologista Giani Cezimbra, é importante que novos métodos sejam criados para os homens e que eles também possam ter o controle sobre o próprio corpo e a própria fertilidade.
“De forma muito injusta, essa responsabilidade foi deixada exclusivamente para as mulheres. Elas ainda suportam a maior parte da carga financeira e das alterações na sua saúde quando decidem pelo uso de barreiras contraceptivos em seus corpos”, salienta Cezimbra.
Para além da existência de métodos, a especialista ressalta que é necessário uma construção social e educacional aos homens. Embora muitos se preocupem com a possibilidade de uma gravidez indesejada para o casal como um todo, há muito o que ser feito.
Ainda de acordo com dados exibidos pela Clue, as mulheres são as responsáveis por planejar e executar o uso de métodos contraceptivos em cerca de 60% dos encontros sexuais. “São necessárias mudanças sociais e não só avanços científicos, pois devemos avançar em direção a uma responsabilidade contraceptiva compartilhada”, defende a médica.
Recentemente, uma pesquisa feita pela Lloyds Pharmacy com 1.000 homens revelou que apenas 42% deles “ficariam felizes em usar pílula anticoncepcional”. Enquanto isso, 58% das mulheres brasileiras fazem seu uso diariamente, de acordo com estudo da Bayer realizado pelo Instituto Ipsos em 2021.
“É extremamente importante que novos métodos masculinos sejam desenvolvidos para tirar essa carga, desconforto e risco das mulheres. Deve-se considerar que uma gravidez é responsabilidade do casal e, portanto, o cuidado deve ser compartilhado de forma equilibrada”, ressalta Cezimbra.
Afinal, o que falta?
De acordo com o médico urologista Leonardo Seligra Lopes, do Departamento de Andrologia, Reprodução e Sexualidade da Sociedade Brasileira de Urologia, uma série de fatores influenciam para que ainda não exista contraceptivos hormonais masculinos. Entre eles, investimento em pesquisa e estudos na área:
“Existem alguns estudos em andamento no mundo. Eles ainda precisam de patrocínio e desenvolvimento da indústria. A criação desses métodos não despertam muito interesse, já que a vasectomia e a camisinha têm sido amplamente utilizadas”, relata.
Segundo o médico, que também é especialista em andrologia e reprodução humana, é preciso considerar diversos riscos ao criar um anticoncepcional com testosterona. Além da dose que seja suficiente para evitar uma gravidez, é fundamental que os contraceptivos hormonais tenham uma reversão rápida, sem traumas ou prejuízos ao espermatozoide.
A principal forma de conseguir interromper a fertilização masculina, é com a manipulação de testosterona. “Injeções e comprimidos já foram testados, mas têm sido estudados porque voltar a produzir esse hormônio de forma natural e 100% após seu uso ainda não foi possível. Quando foi, fez-se necessário o uso de outras medicações ou houve uma demora muito grande”, explica Seligra.
O especialista ainda defende a importância dos homens também terem o poder de decisão pelo uso de um método contraceptivo para além da camisinha. “É importante ir atrás dessa independência segura e eficaz, e também com potencial reversível e que traga a segurança de não ter um risco de perder a fertilidade de maneira definitiva”, reforça.
O que é a injeção contraceptiva masculina?
Nomeada de Risug (Inibição Reversível do Esperma Sob Controle), é a primeira injeção anticoncepcional masculina. Em fase final de testes, o contraceptivo pode ter efeitos que duram até 10 anos e sem qualquer manipulação hormonal. Seus testes estão sendo coordenados pelo Instituto Indiano de Tecnologia.
A injeção consiste em um gel aplicado nos ductos deferentes (no saco escrotal), região do sistema reprodutor masculino e que é responsável por levar os espermatozoides até o líquido seminal. A substância “quebra” a cauda dos espermatozoides e os deixa incapazes de fertilizar os óvulos.
Seligra salienta, no entanto, que o método não é perfeito e ainda requer atenção da sociedade médica. “Por não ser um método hormonal, é necessária a realização de um pequeno procedimento cirúrgico”, explica o médico urologista.
Além disso, ele entende que a injeção pode ser “duvidosa” devido à forma desconhecida de sua reversão. “Ele é reversível, mas a substância aplicada deveria ser diluída para que o homem volte a ser fértil. Para que isso seja seguro, vai depender do treinamento, da técnica de manuseio dessa substância e também do reversor”, ressalta.
O médico também salienta que a falta de estudos a longo prazo não permite saber se a tal substância pode causar malefícios ao homem ou até mesmo prejudicar a qualidade do seu espermatozoide.