“É uma delícia”, diz autor de livro sobre fetiche por cocô no sexo
Gustavo Scat, que lançou livro sobre o fetiche por cocô no sexo, fala sobre preconceito e descreve o sabor das fezes
atualizado
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É sempre importante ressaltar que, quando se trata de fetiche, toda e qualquer prática pode ser considerada saudável, desde que seja completamente consensual e não gere sofrimento para nenhum dos envolvidos. Dito isso, há diversos fetiches que, ainda que comuns, geram muita polêmica e controvérsia. Um deles é o scat.
Para quem não sabe, scat é como é chamado o fetiche por sexo envolvendo fezes, urina, flatulências e outros possíveis excrementos. No mainstream baunilha, a tara ficou mais conhecida quando viralizou o vídeo pornô 2 Girls 1 Cup. Foi por meio desse filme adulto, aliás, que Gustavo Scat, de 29 anos, teve o primeiro contato com o fetiche que, anos mais tarde, o faria escrever um livro.
Lançado no início de maio, Quero Scat – o sexo com cocô, mijo e peidos é um livro com mais de 500 páginas sobre a tara e conta com informações, vivências e vários outros textos que foram herdado do antigo blog de mesmo nome, que Gustavo alimentou durante cinco anos.
À Pouca Vergonha, o autor falou sobre sua descoberta do mundo scat, seu processo de autoaceitação, preconceitos de uma sociedade cheia de tabus e futuros planos profissionais para o fetiche que mudou a forma com a qual ele vivencia sua liberdade e sexualidade.
Confira:
Conte um pouco sobre como você começou a perceber o interesse por scat.
Eu sempre tive curiosidade sobre cocô. Talvez porque a primeira vez que eu vi pornografia na minha vida (fuçando as revistas do meu irmão mais velho) foi defecando. Eu era muito pequeno e acho que, de alguma forma, a minha cabeça associou esses dois prazeres na infância. Já na adolescência, eu fui descobrindo vídeos, e o primeiro pornô de scat que eu assisti chama-se 2 Girls 1 Cup. Na época, ele se tornou viral no mundo todo, isso lá em 2017, e me fez perceber que eu não era o único no mundo a gostar disso. Logo, aquele nojo inicial que eu sentia foi se transformando em curiosidade e, depois, em muito tesão.
Vivemos em uma sociedade bastante normativa, que considera errado tudo que foge do “padrão”. Por conta disso, como foi o seu processo de aceitação do próprio desejo? Você chegou a lutar contra ele em algum momento?
Eu passei por um longo processo de autoaceitação. Me questionava se eu estava fazendo algo errado ou algo do tipo. Com o tempo, eu percebi que não estava fazendo mal a ninguém e que o sexo com cocô não só existe, mas é muito mais comum do que se imagina. Eu comecei a pesquisar mais sobre o assunto e fui descobrindo um mundo totalmente novo. Até que, em 2017, eu resolvi criar um blog chamado Quero Scat para tentar encontrar pessoas para praticar.
Com o passar dos anos, o meu blog foi se tornando uma referência no Brasil, e então eu me dediquei para que ele se tornasse o mais completo site sobre o fetiche do país. Comecei a escrever sobre aceitação, o que foi me ajudando e ajudando outras pessoas também. Os leitores me escreviam e contavam suas histórias e motivações, algumas bem parecidas com as minhas, outras mais voltadas para o meio BDSM – envolvendo dominação, submissão etc, que não é o meu caso.
Scat pra mim é intimidade. Fazê-lo no sexo é como se fosse um presente e é uma delícia. Literalmente, algo que saiu de dentro da pessoa, algo que ela produziu para mim. A liberdade de poder transar sem se preocupar com a sujeira chega a ser algo meio transgressor.
Já entendendo o seu fetiche por scat, como foi para você encontrar pessoas que curtissem as mesmas coisas e viver sua sexualidade de forma livre e sem julgamentos?
Encontrar pessoas é a parte difícil. Claro que no virtual muitos papos e interesses surgem, mas as pessoas somem, me bloqueiam… normal. Até porque não é fácil dividir esse segredo com qualquer um, é preciso muita confiança. Desde que me descobri um cara pig (assim chamamos quem curte esses fetiches mais sujos), eu fui praticando comigo mesmo a vida toda, claro que respeitando o meu próprio tempo e fazendo tudo com calma. Desde fazer na própria mão, bater uma punheta melada e até experimentar o gosto que a merda tem.
Até que eu fui morar sozinho em São Paulo – ouso a dizer que a cidade é o paraíso dos fetichistas. Com a ajuda de aplicativos de relacionamento tipo o Tinder e o Grindr (sou bissexual), fui começando a realizar todos os meus desejos mais sujos, principalmente com outros caras que tinham tanto desejo em scat quanto eu. Sobre viver a sexualidade de forma livre, eu levo algo para a vida: contanto que haja bom senso, consenso e que seja dentro da lei, seja feliz. Me reprimir não foi uma opção pra mim, e hoje em dia eu me sinto muito bem, porque esse desejo faz parte de mim, é quem eu sou. Mas também não sou apenas isso. Eu trabalho, estudo, tento viver a minha vida o mais saudável possível e tenho até TOC de limpeza… acredite se quiser.
Rola também muito hate de quem não faz parte do universo scat e o vê com maus olhos? Se sim, isso já te desmotivou? Como você lida com esse tipo de comentário?
Eu demorei muito pra contar para outras pessoas que me conhecem pelo medo da rejeição. Como eu lidei com muitos haters na internet de forma anônima, que me julgam como “doente” ou falam coisas ainda piores, eu tinha medo de escutar isso de alguém que eu amasse. Então, eu tive a coragem de ir pela primeira vez em um psicanalista sexólogo contar sobre os meus desejos e isso mudou a minha vida. Ele me explicou, em detalhes, que isso é comum, me narrou minhas origens, me dando exemplos, e afirmou que não tinha nada de errado comigo. Isso me deu muita confiança de começar a contar para os meus melhores amigos e que, para a minha surpresa, reagiram muito bem.
Já para outras pessoas eu evito mostrar o rosto, até para não prejudicar meu trabalho. Como eu sou da área artística, tenho receio de que misturem as coisas. Mas hoje em dia eu sei que, independente do que eu falar ou fizer, sempre vão existir os haters. Eles existem para todo mundo, não só pra mim. Como mostra o filme O Poço, os oprimidos também oprimem aqueles que estão abaixo deles
Até aqueles que sofrem por ser minoria e também lidam diariamente com frases preconceituosas do tipo “Seu doente”, “Eu não aceito isso”, “Longe de mim” e “Isso não é de Deus” fazem o mesmo comigo. O ser humano é foda… interprete como quiser.
Então, eu tento ligar o “foda-se” pra isso e procuro me relacionar com pessoas que buscam entender ou no mínimo respeitar. Porque, assim como alguém pensa que o scat é nojento, quando ouço alguém dizer que curte apanhar no sexo eu penso: “Mas isso dói!”. A gente só precisa procurar se entender mais.
Sobre o livro, quando você decidiu levar as informações e vivências do scat para outras pessoas por meio da escrita?
Eu nunca imaginei lançar um livro. O que aconteceu é que depois de acumular cerca de 4 milhões de visualizações com o meu blog em quase cinco anos de existência, ele foi deletado no ano passado. Em uma tarde qualquer, eu perdi o maior projeto da minha vida, sem aviso prévio. Fiquei arrasado, liguei para os meus amigos, passei alguns meses de luto e, depois de conseguir recuperar todos os textos, fiquei pensando em alguma forma de eternizar todos eles sem correr o mesmo risco. Foi então que surgiu a ideia de lançar um livro. Depois de um longo processo de adaptação e revisão profissional, agora todos os meus melhores textos estão em um livro de mesmo nome do meu ex-blog chamado Quero Scat – o sexo com cocô, mijo e peidos.
A obra tem muita coisa legal! Minha origem em detalhes e outras vivências que me marcaram e todo o meu diálogo com o psiquiatra (já que eu gravei toda a nossa conversa e transcrevi tudo), lembranças, conselhos e cuidados, dicas de como encontrar pessoas, de como praticar o scat, matérias curiosas, meus relatos de experiências sexuais, entrevistas com homens e mulheres influentes no meio, lista de vontades e ideias criativas (só pra quem tem estômago!) e até as melhores cartas que os fãs me enviaram em formato de contos eróticos. Este é o primeiro livro do Brasil dedicado totalmente sobre o fetiche, e ouso dizer que é o mais completo sobre o assunto no mundo.
A versão “não autorizada” possui mais de 700 páginas, incluindo uma galeria de fotos. É quase que a bíblia da merda! Uma obra dedicada àqueles que possuem o fetiche, a simpatizantes, a curiosos e a fetichistas de “mente aberta” para outras possibilidades. Uma leitura obrigatória de autoajuda para iniciantes em fase de aceitação. E uma verdadeira enciclopédia “recheada”, intrigante e prazerosa para os mais experientes.
Como tem sido o feedback do público?
Na primeira semana de lançamento, o livro virou meme. Jovens do Twitter fazendo brincadeiras do tipo: “Vou comprar para alguém”e “Já encomendei o meu”. Fizeram o meu livro viralizar e aparecer em fóruns, grupos de Facebook e acumular mais de 500 mil impressões no Twitter na primeira semana. Além disso, também tem as mensagens positivas dos fãs que ficaram muito felizes em poder relembrar o blog.
Um feedback que me chamou muita atenção foi o de um escritor brasileiro com bastante seguidores e conhecido nas redes sociais por também ajudar outras pessoas. Ele me escreveu revelando que gostava dos fetiches e me falou que nunca tinha lido um livro tão rápido antes. Uau. Ter esse tipo de retorno é muito recompensador.
Você ainda tem projetos para tirar do papel sobre o scat? Pode dar algum spoiler?
Olha… eu sonho em traduzir o livro para outras línguas, continuar sempre ativo no Twitter compartilhando vídeos e relatos, e quem sabe um dia quando eu começar a namorar, não saia um romance escatológico. Teve um rapaz que me escreveu contando que casou com um outro cara por causa do meu projeto (o texto está no livro) e isso é muito inspirador!
Você acredita que hoje, apesar de ainda existir muito tabu e preconceito, o universo kinky está ganhando um pouco mais de espaço?
Eu acredito que com o surgimento da internet é mais fácil ter acesso a informações e conteúdo, o que pode levar outras pessoas a se interessarem sobre o assunto. Mas sempre existiram adeptos à prática. É que o scat não é um fetiche popular por ser muito tabu. Ninguém fala sobre, e por isso eu resolvi mudar um pouco isso. Mas o próprio Grindr já sugere tags como “sujo” e “mijo”, o que significa ter uma grande procura de interessados.
Por fim, qual dica você dá para as pessoas que curtem algo mais kinky e não se aceitam ou têm vergonha de viver seus desejos livremente por conta do que outras pessoas podem pensar?
Leia meu livro! Vou te ajudar nisso! Mas fora o merchan…vá devagar. Não se afobe. Eu tive a sorte de começar assim, mas vejo que muita gente que está iniciando quer fazer tudo de uma hora pra outra e a vida real é diferente dos vídeos pornôs. Você não precisa fazer de tudo pra ser um fetichista. Tem muita gente que curte a coisa mais soft como apenas assistir vídeos ou ver a outra pessoa usando o banheiro, fazer xixi na hora do banho com o namorado etc., e está tudo bem. Como também tem quem curte algo mais avançado, como ingerir o cocô, esfregar no corpo etc.
Eu não chego a engolir e nem recomendo. Mas respondendo uma curiosidade: o sabor é amargo, chegando, às vezes, a ser até adocicado. É bem diferente do cheiro – que, aliás, eu amo.
Se conheça, conheça os seus próprios limites, faça com alguém confiável e legal e, assim, as coisas vão fluindo. Com o tempo, você vai percebendo que essa é apenas mais uma forma de sentir tesão. Com bom senso, consenso e dentro da lei… Seja feliz!