Deixem as vaginas em paz. Por que mulheres procuram cirurgia íntima?
Até a vulva sofre com o padrão de beleza imposto pela sociedade. Movimento para reduzir os lábios em consultórios é prova disso
atualizado
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Brasileiras não estão satisfeitas com a aparência da vulva. Elas foram as que mais recorreram a cirurgias estéticas íntimas, nos últimos dois anos. A procura pela labioplastia ou ninfoplastia, como o procedimento de diminuir os lábios da vagina é chamado, cresceu tanto que, pela primeira vez, as operações constam no relatório anual da Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos.
Em 2016, houve um aumento de 39% nos casos em relação ao ano anterior, no Brasil. Nesse período, 12.870 mulheres realizaram labioplastia, de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética. É o maior número de cirurgias plásticas nas partes íntimas do mundo.
Ao contrário do que se pode imaginar, geralmente não se trata de deformidades graves, que podem afetar a autoestima de qualquer pessoa. Nem dos casos em que o formato da vulva causa dor ou desconforto físico. É a questão estética — o ideal de perfeição e simetria — que leva a maioria dessas pacientes à sala de cirurgia.
Faz-se essa operação quando os pequenos lábios sobressaem diante dos grandes lábios. Há uma tendência de padronização das vulvas, como se todas as mulheres tivessem de ter órgãos sexuais idênticos. Criou-se um padrão de beleza até para as vaginas.“Aí está o grande conflito em não respeitar a subjetividade de cada um: perfeição é algo fantasioso e as pessoas ficam buscando algo não real”, explica a sexóloga Priscila Junqueira.
“Não sou contra procedimentos estéticos. Acredito que se a mulher sente que precisa e aquela característica a incomoda, então, que procure melhorar. O problema é fazer por causa de uma pressão, que muitas vezes vem de fora e causa conflitos emocionais graves. Ao invés de deixar a mulher melhor, poderá deixá-la pior se fizer só por que uma sociedade colocou como padrão”, acredita Priscila.
A ginecologista Thalia Maia acredita que a cirurgia foi banalizada. “Esse aumento todo que houve mostra que o critério para fazer a cirurgia ficou um pouco descontrolado. Eu faço, mas a decisão deve ser muito consciente. Mostro às minhas pacientes que existem vários tipos de vulvas, antes delas tomarem essa decisão”, explica Thalia.
A médica usa o The Great Wall of Vagina, uma escultura na qual aparecem 400 tipos de vulvas, para ilustrar a diversidade dessa parte do corpo às pacientes. Se ainda assim elas optarem por fazer a cirurgia, são encaminhadas ao procedimento.
“Ter uma vagina assim pode causar problemas sérios na autoestima da mulher. Algumas procuram o consultório ainda virgens, pois não conseguem se relacionar nessa condição. Cada caso deve ser avaliado sem generalizações. A cirurgia também não pode ser abominada, pois ajuda as pessoas a se sentirem bem com o próprio corpo”, avalia Thalia.
A cirurgiã Ivanoska Filgueira oferece esse tipo de operação. Ela relata que, a depender do tamanho dos pequenos lábios, eles podem entrar na vagina na hora da relação sexual, por exemplo. O que seria dolorido e atrapalharia o prazer feminino. “Nesse caso é difícil também higienizar a região e muitas mulheres e apresentam infecção urinária pela dificuldade de limpar o local”, explica Ivanoska.
Existe essa busca pelo corpo perfeito sim, mas o ponto de vista do conforto sexual pode ser melhor após a cirurgia. Sempre que o paciente procura essa cirurgia é muito mais para se sentir confortável durante o sexo
Ivanoska Filgueira
Na operação, as pacientes recebem anestesia peridural (da cintura para baixo) e vão embora no mesmo dia. A cirurgia dura cerca de 1 hora e a recuperação pode levar um mês — são recomendados 15 dias sem sexo. O preço, no consultório de Ivanoska, varia entre R$ 5.500 a R$ 7 mil.
A bancária Luísa, 35 anos, deixou de ter vida sexual por conta do formato de sua vagina. Os pequenos lábios eram maiores que os externos e isso a deixava insegura diante de parceiros. Depois de terminar um casamento, por exemplo, ela preferiu ficar sem sexo a se mostrar assim diante de novos parceiros. “Eu olhava e via que alguma coisa estava fora do lugar, que não estava muito legal. É muito feio”, relata Luísa.
Ela fez a cirurgia há menos de um mês. “Procurei a ninfoplastia pela minha vagina ser feia e causar desconforto. Os pequenos lábios eram grandes e eu usava protetor para a calça jeans não roçar neles. A recuperação foi ótima e não senti dor”, relata.
Mariana, uma vendedora de 32 anos, não sentia qualquer incômodo físico na vulva. A questão estética, porém, falou mais alto. “Desde que nasci minha vagina era assim, com os lábios irregulares. Nunca deixei de me relacionar por isso, mas hoje me sinto mais segura. Aproveitei que ia fazer silicone e lipo e fiz a ninfoplastia também. Doeu muito, ardeu, tudo inchou e a recuperação foi difícil, mas vale a pena”, afirma Mariana.
Além a cirurgia, há clínicas que também oferecem rejuvenescimento vaginal. São tratamentos a laser na área externa e interna do órgão para deixá-lo mais claro e mais firme. “Com isso é possível ter mais prazer na relação sexual”, ressalta a doutora Ivanoska. Entre os procedimentos procurados também está a lipoaspiração do monte de vênus, aquela parte logo acima da vagina e abaixo da barriga.
Muito além do padrão de beleza imposto, há uma preocupante tendência de infantilizar a genitália feminina. “De fato essas cirurgias estão na moda. Existe esse movimento de infantilização da genitália, que é muito nítido. A mulher faz laser, tira o máximo de pelo possível, faz com que não veja o pequeno lábio e clareia a vulva. A genitália infantil é assim: mais clara, sem o pequeno lábio para fora, sem pelo. Sem dúvida isso tem um peso muito grande”, afirma a ginecologista Thalia Maia.
Uma depiladora chamada Mel listou os principais tipos de vagina que vê diariamente. Veja só quanta variedade: