Com sexo como pano de fundo, 365 Dias exalta relacionamentos abusivos
A trilogia chegou ao fim, mas fica o questionamento: como uma história com elementos tóxicos pode fazer tanto sucesso?
atualizado
Compartilhar notícia
O filme 365 Dias Finais marca o final de uma das tramas de maior sucesso da Netflix. Apesar de ter sido considerado um dos longas mais populares do streaming desde que foi lançada a primeira versão, em 2020, 365 Dias Parte 3 encerra a trilogia como uma verdadeira ode a relacionamentos abusivos e síndrome de Estocolmo.
Desde o primeiro longa, as polêmicas que rodeiam a produção foram criticadas nas redes sociais. Por outro lado, além dos números de visualizações (que são altos), há fãs que se declaram, inclusive, apaixonados pelos personagens principais que passaram de vilões e sequestradores para objetos de desejo.
O Metrópoles assistiu a série de filmes e constatou: o sexo, por lá, é só uma desculpa. Com cenas quentíssimas, o enredo foi desenvolvido para agradar fãs do best-seller 50 Tons de Cinza (que, por si só, já não é dos mais saudáveis no quesito relacionamento). Porém, embora muito presente no roteiro, o conteúdo +18 foi manipulado para glamourizar “boys tóxicos” e objetificar corpos — tanto o feminino, quanto o masculino.
Homem ideal?
O relacionamento quente de Massimo, interpretado por Michele Morrone, e Laura, a atriz Anna Maria Sieklucka, ainda ganhou um terceiro elemento, somando traições, sequestradores e criminosos. Diante desse contexto, o sucesso de 365 Dias e a popularidade dos personagens masculinos levantam diversas questões.
A primeira delas: como um assassino e sequestrador (além de abusador sexual, como uma das primeiras cenas mostra) ainda triunfa como galã e exemplo de “homem dos sonhos“?
Uma das possíveis explicações é que a imagem do “macho alfa” atraente, poderoso e rico (a exemplo de Massimo e Christian Grey) segue forte na sociedade, não apenas pela maneira como mulheres são ensinadas a buscar realização pessoal no relacionamento, mas também pelo peso da jornada dupla, profissional e doméstica.
Em entrevista a revista Rolling Stone, a escritora Iara Dupont, autora dos livros Crônicas para Inspirar e Despertar, explicou que “a socialização feminina é direcionada ao romantismo e a algo mais perigoso: estamos cansadas, exaustas e cheias de obrigações, então, a socialização nos induz a sonhar com homens poderosos e ricos, que tomem conta de nós e assumam responsabilidade por nossa vida”, explicou.
É quase um pornô, mas com “amor”
As cenas de sexo do filme reproduzem uma série de padrões ditados pela indústria pornográfica. Inclusive, durante a trama, o consentimento feminino não é considerado (ou, no caso de Laura, a mulher é manipulada e agredida emocionalmente até ceder ao sequestrador). Colocam o personagem como um homem atraente e que talvez ame a mulher, mas, para ela ser amada, precisa ter disposição fazer sexo (ou o que ele quiser).
Quando a história é posta de forma romantizada, existe uma tendência à justificar ou minimizar os comportamentos abusivos. Ou seja, o abuso é sempre apresentado como parte do amor, da intensidade da paixão.
Na prática, a glamourização de abusadores na figura do galã desejável é repleta de grandes riscos. “As mulheres já tem muitos problemas de autoestima. Jogar um conteúdo onde elas não tem espaço para dizer ‘não’ é muito problemático”, alertou Iara ao site.
O sucesso comercial desse tipo de trama prova o longo caminho a ser percorrido até a violência contra a mulher ser totalmente repudiada pela sociedade. Por outro lado, e com cada vez mais frequência, existe uma parcela da população que se recusa a viver conforme esses padrões. Ainda assim, há muito trabalho a ser feito.