Colômbia quer discriminalizar incesto; é errado desejar um parente?
Apesar de malvisto, o incesto já foi normalizado em outros contextos históricos. Para a habitação da Terra, foi aceito até mesmo na Bíblia
atualizado
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No último mês, o ministro da Justiça da Colômbia, Néstor Osana, apresentou ao Parlamento um projeto de descriminalização do incesto entre maiores de idade. No país, parentes de primeiro grau que se relacionam sexualmente podem ser punidos com até seis anos de prisão.
“O que estamos propondo eliminar é que duas pessoas, ambas adultas, que consentem livremente em fazer sexo, sejam enviadas para a prisão (…) Não é estupro, nem atos sexuais abusivos, nem atos com menores. Se o incesto for com uma criança, aí sim é estupro”, afirmou o político em entrevista à Blu Radio.
No Brasil, apesar de não ser criminalizado (salvo em casos que envolvam crianças e adolescentes), o incesto não é visto com bons olhos no que diz respeito à régua moral da sociedade. Muito se deve também à religião, uma vez que a Bíblia traz regras contra o envolvimento de parentes — muito embora a prática tenha sido permitida por Deus entre os primeiros habitantes, para que se multiplicassem e habitassem a Terra.
De acordo com a psicóloga Alessandra Araújo, apesar dos fatores culturais que nos fazem ver relações afetivo-sexuais como algo não aceitável, sabe-se que o incesto era não só aceito, mas incentivado em outros contextos sociohistóricos.
“Algumas sociedades usavam o incesto para poder perpetuar e proteger o sangue real em uma mesma família; há também crenças que apontam que o casamento entre parentes fortalece vínculos afetivos dos laços familiares. Mas são realidades distantes da que existe hoje, principalmente no Brasil”, explica a profissional.
A especialista elucida que a “santidade” das relações familiares é imposta em diversas outras áreas, o que inclui a ideia de que familiares têm que, obrigatoriamente, se dar bem por serem “sangue do mesmo sangue”. “Somos educados a proteger nossas relações familiares. Mesmo diante de todos os conflitos, não podemos de forma alguma ter raiva ou taxar a família como tóxica. Cria-se, então, o culto a uma amabilidade, muitas vezes falsa, entre parentes”, diz.
Hipocrisia e crime
No Brasil, país em que mais da metade dos casos de pedofilia e abuso sexual acontecem dentro de casa, vale problematizar até que ponto as pessoas realmente seguem a régua da “moral e dos bons costumes” quando ninguém está vendo.
Um sinal claro disso são as plataformas de pornografia. Bastam alguns cliques ao entrar em um site de conteúdos adultos para encontrar milhares de vídeos de incesto. Eles, inclusive, possuem categoria própria.
Por que a atração surge?
Dentro de um contexto que condena tão veemente o incesto, é importante questionar: o que pode explicar, então, o mero surgimento desse desejo sexual entre parentes, uma vez que é algo tão malvisto e repreendido? Alessandra aponta que a explicação pode vir de vários fatores — externos e internos.
“Uma família que tem como estrutura uma liberdade do toque, do beijo, do corpo nu dentro de casa, faz com que uma relação afetiva corporal seja natural; existe a possibilidade das pessoas serem permissivas dentro dos seus desejos sexuais e entrarem nessas relações como realização de fetiches, sem contar com a possibilidade de carência afetiva e dependência emocional”, lista a terapeuta.