De Ruth de Souza a Viola Davis. Um panorama da história dos negros na televisão
Em meados do século passado, os televisores entraram de vez na casa das pessoas, virando um ponto de encontro das famílias e um escape fantasioso ao caótico ou tedioso cotidiano. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, é possível perceber a mudança de comportamento durante as décadas que se seguiram observando programas, atores, novelas, polêmicas […]
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Em meados do século passado, os televisores entraram de vez na casa das pessoas, virando um ponto de encontro das famílias e um escape fantasioso ao caótico ou tedioso cotidiano. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, é possível perceber a mudança de comportamento durante as décadas que se seguiram observando programas, atores, novelas, polêmicas e controvérsias criadas naquela pequena caixa de fantasias.
Tais transformações também podem ser notadas na história dos negros, de como eles foram retratados, e das várias quebras de paradigmas. Veja uma linha do tempo contanto essa trajetória nas televisões americana e brasileira.
1950
Primeiro um programa de rádio, “Beulah” chegou à TV em 1950. Foi a estreia de uma protagonista negra na telinha, interpretada por Ethel Waters. Em suas três temporadas, no entanto, a série trocou de atriz principal algumas vezes — Ethel foi substituída por Hattie McDaniel, depois por Louise Beavers, até voltar para a leva final de episódios em 1952.
1964
Se os Estados Unidos tiveram Hattie McDaniel, a Mammy de “E o Vento Levou…”, fiel escudeira de Scarlett O’Hara na telona, o Brasil apresentou Mamãe Dolores. Interpretada por Isaura Bruno na adaptação da novela cubana “O Direito de Nascer”, a personagem era uma das protagonistas da trama — ela sabia a verdadeira identidade do protagonista Albertinho Limonta.
1965
Muitas décadas antes de enfrentar acusações de assédio sexual, escândalo que manchou sua imagem nos anos 2000, Bill Cosby foi motivo de orgulho ao co-estrelar a série “I Spy”. Ele vivia o treinador de tênis do grande jogador Kelly Robinson (Robert Culp). O trabalho era de mentirinha e servia para esconder a identidade secreta da dupla que, na “realidade”, trabalhava para o Pentágono. Foram 82 episódios.
1967
Ná época do Batman ultracolorido que distribuía socos e pontapés acompanhados das onomatopéias SOC e POW, a cantora Eartha Kitt viveu a sexy Mulher Gato no programa. Mais de quarenta anos depois, outra negra interpretaria a vilã em um filme, desta vez com a personagem como protagonista: Halle Berry.
1968
O episódio “Plato’s Stepchildren”, da interplanetária “Star Trek”, mostrou o primeiro beijo inter-racial da televisão americana. Quando membros da nave Enterprise são capturados em uma terra distante, o capitão Kirk de William Shatner é forçado a selar os lábios com Uhura (Nichelle Nichols).
1969
A primeira trama da TV brasileira a ter um protagonista negro era, na verdade, uma fraude. Em “A Cabana do Pai Tomás”, baseada no romance americano de Harriet Beecher Stowe, Sérgio Cardoso interpretava o personagem título. O único porém é que o ator era… branco. Com o rosto pintado de preto, Cardoso contracenou com Ruth de Souza, já uma veterana (ela estreou na TV em seus primórdios, no início da década de 50, nos teleteatros).
1971
A queda do elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, marca a estreia na televisão de uma das mais respeitadas jornalistas do país. Foi com essa cobertura que Glória Maria começou sua trajetória.
Desde então, passou por diversos telejornais, entrevistou líderes de Estado e celebridades do primeiro escalão, apresentou o “Fantástico” e carimbou vários passaportes em inúmeras viagens pelos quatro cantos do mundo para fazer reportagens. Hoje, é especial do “Globo Repórter”. No núcleo de jornalismo da rede ainda constam outros nomes negros de destaque tais como Heraldo Pereira, Zileide Silva e Maria Júlia Coutinho, a Maju.
1977
O maior sucesso da TV brasileira em termos de exportação, “Escrava Isaura” é mais uma trama escravocrata da Globo com protagonistas brancos. Atores negros, como Léa Garcia, participaram como coadjuvantes.
A “tradição” perdurou. Nove anos depois, em “Sinhá Moça”, mais uma trama sobre o período, a protagonista também era branca, interpretada por Lucélia Santos, assim como Isaura. Grande Otelo e Jacyra Sampaio participaram dessa última. Ambas as tramas ganharam remakes nos anos 2000.
1980
O BET, Black Entertainment Television, destinado ao entretenimento, estreou em 1980 como uma programação especial do canal Nickelodeon. Três anos depois ganhou casa própria e tornou-se uma emissora a cabo. No início, mostrava programas de variedades, mas atingiu seu ápice ao tornar-se vitrine para os clipes musicais dos principais artistas negros dos últimos 35 anos.
1984
Hoje uma das mais importantes figuras da mídia americana, tanto em popularidade quanto em fortuna, Oprah Winfrey começou como repórter em Nashville, no Tennessee. O talento nato fez com que ela fosse, pouco a pouco, catapultada para a fama.
Pode-se dizer que o ano de 1984 marca o início desse sucesso. Foi quando a jovem assumiu o talk-show “AM Chicago”, já no Illinois. Depois, foi a vez do “The Oprah Winfrey Show”, ainda numa rede local, chamar tanta atenção que foi promovido a atração nacional. O resto é história. Oprah atualmente comanda o próprio canal de TV, o OWN (Oprah Winfrey Network).
O preconceito deu as caras durante a exibição da novela “Corpo a Corpo”, de Gilberto Braga. Tudo por conta de um romance entre os personagens de Zezé Motta e Marcos Paulo. Parte do público não aceitou o relacionamento inter-racial na narrativa. E isso há apenas 30 anos…
O “The Cosby Show”, estrelado pelo humorista Bill Cosby, marca o início da era das sitcoms negras. A família Huxtable fez a América rir por oito temporadas e abriu caminho para outros programas como “In Living Color”, “Family Matters”, “Living Single”, “Fresh Prince of Bel Air” e, mais recentemente, “Everybody Hates Chris” e “My Wife and Kids”.
1988
Em comemoração aos 100 anos da abolição da escravidão no país, a Rede Globo levou ao ar, em quatro capítulos, a minissérie “Abolição”, com participação dos atores Ângela Corrêa e Luiz Antonio Pillar.
1995
Em meio aos mistérios do suspense “A Próxima Vítima”, o autor Sílvio de Abreu inovou ao incluir um núcleo de classe média formado inteiramente por atores negros. Antônio Pitanga, Zezé Motta, Camila Pitanga, Norton Nascimento e Lui Mendes formavam a família. O personagem de Mendes, mais para o meio da trama, ainda se assumiria homossexual ao engatar um romance com Sandrinho, vivido por André Gonçalves.
1996
Depois de estrear na novela “Tocaia Grande”, da Manchete, Taís Araújo é alçada a protagonista, com apenas 17 anos, dando vida a Xica da Silva na novela homônima. O sucesso do folhetim ameaçou a audiência global e Taís logo foi contratada pela Vênus Platinada, estreando no canal 10 em 1997 em “Anjo Mau”.
2004
Já consolidada na Globo, Taís Araújo conquista outro feito. É a primeira protagonista negra de uma novela da emissora em “Da Cor do Pecado”, em que viveu Preta. Cinco anos mais tarde, ela continuaria em trilha pioneira com dois títulos: a primeira protagonista negra de uma novela das oito global e a primeira intérprete negra de Helena, a recorrente estrela das novelas de Manoel Carlos. Atualmente, Taís está no ar ao lado do marido, Lázaro Ramos, na série “Mister Brau”.
2012
Em “Lado a Lado”, atores negros fizeram parte do núcleo principal da trama, estrelada por Camila Pitanga e Lázaro Ramos, dentre outros. A narrativa mostra a luta de duas mulheres, Camila e Marjorie Estiano, num Rio de Janeiro pós-escravidão, no início do século 20. “Lado a Lado” ganhou o Emmy internacional de Melhor Novela no ano seguinte.
Shonda Rhimes já era conhecida por ser a responsável pelo dramalhão de sucesso “Grey’s Anatomy”. Em 2012, ela colocou outra série no ar, estrelada por Kerry Washington. Em “Scandal”, Olivia Pope é a gladiadora de chapéu branco mais temida da capital americana: é ela que resolve os problemas dos poderosos. E dentre esses poderosos está o presidente dos EUA. Não por acaso, amante dela. Babado, confusão e gritaria definem.
2014
Livremente inspirada no sucesso americano “Sex and the City”, “Sexo e As Negas” estrou no ano passado envolta em controvérsia. O autor, Miguel Falabella, queria fazer uma comédia nos moldes do original ianque, em que quatro diferentes mulheres discutem relacionamento, feminismo e, claro, sexo, desta vez substituindo a Big Apple pela Cidade Alta de Corvovil e as estrelas alvas por protagonistas negras. Os movimentos sociais não curtiram. Até agora, uma segunda leva de episódios do programa não foi confirmada.
Com “How to Get Away With Murder”, Shonda Rhimes, a mesma de “Grey’s Anatomy” e “Scandal”, fez os Estados Unidos dizerem: graças a Deus é quinta-feira. É nesse dia da semana que suas tramas brilham na tela da ABC. Na mais recente delas, a talentosíssima Viola Davis dá vida a uma professora de Direito que joga um enigma a sua turma de alunos. Pelo papel, ela venceu o Emmy de Melhor Atriz Dramática.
2015
Os bastidores do mundo cão do entretenimento, aqui representados pela indústria do hip-hop, movem a trama de “Empire”, o novo queridinho das últimas temporadas. Terrence Howard vive o papel principal, um executivo da indústria fonográfica que é infernizado pela personagem Cookie Lyon (Taraji P. Henson), sua excêntrica ex-esposa recém-saída da cadeia.
Por Arthur H. Herdy
Arte de Edson Caldeira