Sequestro e alienação parental: um ato de violência contra os filhos
É preciso mais do que a intervenção do Estado para ver-se diminuído o volume de sequestros parentais registrados todos os anos pelas autoridades mundiais. É preciso amor, zelo e compaixão pelas nossas crianças
atualizado
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Um pai desesperado. A filha, de apenas 2 anos, estava desaparecida. Descobre-se, mais tarde, que a responsável pelo sumiço seria a mãe da criança. Dezoito anos mais tarde, esse pai, o britânico Joe Chisholm, conseguiu reencontrar a filha sequestrada pela ex-companheira, que, à época dos fatos, havia perdido a batalha pela guarda da menina.
O caso aconteceu em 1993, na cidade de Manchester, na Inglaterra. Patrícia O’Byrne, mãe da criança, viajou com ela para o Canadá e pretendia nunca mais dar notícias da criança ao pai. Por longos 18 anos, Chisholm fez tudo que estava ao seu alcance para reencontrar a filha (hoje com 25 anos de idade). Postou vídeos e fotos na internet, procurou instituições que trabalham com cadastros de crianças desaparecidas e entrou em contato com órgãos de outros países. Patrícia O’Byrne foi presa em dezembro de 2011 em Vitória, na Colúmbia Britânica, em razão do sequestro da filha.
Voltemos às terras tupiniquins. Caso recente que chamou a atenção nos noticiários de Brasilia é do menino Felipe, de apenas 5 anos. De acordo com a mãe da criança, Andréa Medeiros Garbatti, seu
ex-companheiro Yuri de Sá Guimarães Pereira, trouxe o filho para Brasília em dezembro de 2015 e, até a presente data, não se sabe o paradeiro nem de Yuri nem de Felipe, que morava no Rio de Janeiro com a mãe.
Segundo Andréa, o ex-marido é uma pessoa “violenta e agressiva” e, em 2014, precisou de buscar proteção judicial para mantê-lo longe, com fundamento na Lei Maria da Penha. No fim de 2015, a tia do garoto esteve no Rio de Janeiro para trazer Felipe até Brasília, onde passaria as festas de fim de ano com a família paterna. Em janeiro de 2016, Yuri entrou com um pedido na Justiça para conseguir a guarda do filho, mas o pedido foi negado e o Judiciário determinou a entrega de Felipe à mãe. Mas isso nunca ocorreu.
Talvez o caso mais conhecido no Brasil e que culminou em um conflito diplomático entre Brasil e Estados Unidos foi o do menino Sean Goldman, filho de mãe brasileira e pai norte-americano. A batalha judicial teve início em 2004, com a retirada do menino do convívio paterno sem sua autorização e a manutenção da criança no Brasil com a família da mãe. O desfecho do caso se deu em 2009 com resultado positivo para o pai, que passou a ter a guarda de Sean.
Os exemplos tratam de uma espécie de abuso contra a prole, conhecido como sequestro interparental. É certo que, há muitos anos, os atores da comunidade internacional convivem com conflitos causados por pais que, por inúmeras razões, acreditam ter o direito de exercer, com exclusividade, o direito de guarda, suprimindo o filho da convivência do outro genitor. O tema, em razão de sua extrema relevância e complexidade, foi objeto de discussão internacional e teve como resultado a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, também conhecida como Convenção de Haia.
No texto da referida convenção, há a determinação de imediato retorno da criança ou do adolescente ilicitamente transferido ou retido em local diferente daquele de sua residência habitual, com fundamento em um princípio conhecido por princípio do melhor interesse da criança.
A mesma convenção, no entanto, traz exceções a essa determinação. Uma delas diz respeito à hipótese em que a criança, pelo passar do tempo sob domínio do genitor sequestrador, atinge idade e grau de maturidade que possibilitem a consideração de suas opiniões e ela manifeste vontade de não retornar.
E é aqui que está um ponto delicado muito comum em histórias como as de Sean, de Felipe e tantos outros: a hipótese da ocorrência de alienação parental.
Alienação parental é o ato praticado por um dos genitores da criança (ou por quem exerce autoridade sobre ela), de modo que nela sejam criadas falsas memórias e crenças sobre um de seus pais, com o objetivo de criar um sentimento de rejeição, apagando o amor e o vínculo afetivo que possam existir entre os dois por meio da mentira e de falsas acusações.
Em termos técnicos, a Lei 12.318/2010 considera ato de alienação parental “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie o genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Não raro, o genitor que sequestra o próprio com o objetivo de retirar integralmente do convívio o outro genitor promove a alienação parental com a falsa expectativa de criar com a criança laços mais fortes ou, ainda, tentar legitimar essa relação.
E também não raro essa periódica desconstrução dos laços afetivos entre os filhos e o pai ludibriado surte efeitos e acaba sendo legitimado pelo dispositivo inserido na Convenção de Haia que permite
que a criança ou o adolescente sejam ouvidos sobre onde e com qual dos genitores preferem ficar.
Dito de outra forma, o artigo 13, parágrafo 2º, da Convenção de Haia estabelece que, quando a própria criança se opuser ao retorno e, pela sua idade e maturidade, a autoridade se convencer de que deva levar em consideração a sua opinião, não será determinada a imediata devolução da criança à guarda de origem, em razão do princípio do melhor interesse da criança.
A situação exposta ganha maior dramaticidade se levarmos em consideração que a criança que foi deslocada ilicitamente está em contato direto com o sequestrador, com quem pode desenvolver vínculos afetivos mais fortes do que com aquele que legitimamente postula o retorno, reforçado, em muitos casos, pela regular prática de alienação parental.
Essa grave situação vivida por inúmeras famílias ao redor do mundo tem uma vítima em comum: os filhos. O sequestro e a alienação parental produzem diversas consequências nefastas sobre as crianças e os adolescentes vítimas de seus próprios genitores.
A Lei 12.318, em seu artigo 6º, coloca à disposição do juiz inúmeros mecanismos de inibição ou atenuação dos efeitos da alienação parental, que vão desde advertência até a declaração de suspensão da autoridade parental. Essas medidas, aliás, devem ser aplicadas com a maior
rapidez possível, já na primeira percepção da hipótese de alienação parental, de modo a evitar que as consequências dos atos dos pais se alastrem na vida da criança de maneira irreversível.
O Estado, por meio da legislação, trata do tema com o maior cuidado possível, estando ciente o legislador de que se trata de questão delicada, que afeta, de forma abrangente, todo o seio familiar.
No entanto, o maior esforço para a diminuição de problemas como este não se dará por meio das mãos do Estado. É preciso mais do que a intervenção do Estado para ver-se diminuído o volume de sequestros parentais registrados todos os anos pelas autoridades mundiais. É preciso amor, zelo e compaixão pelas nossas crianças. É preciso voltarmos nossos olhares para aqueles que efetivamente são as maiores vítimas dos desequilíbrios emocionais dos adultos. É preciso, acima de tudo, despendermos o mais absoluto cuidado com as nossas crianças.