O direito à busca da felicidade
Muito embora o direito à busca da felicidade não seja muito conhecido na esfera popular, o Supremo Tribunal Federal já utilizou o referido postulado em várias oportunidades, inclusive em casos de grande repercussão social
atualizado
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O tema ainda é pouco debatido no Brasil e os debates são tímidos acerca do quase desconhecido direito à busca da felicidade. O tema, aliás, serviu como um dos fundamentos utilizados pelo Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº RE 898060, do dia 21 de setembro (quarta-feira passada), que analisou divergência acerca da possibilidade da coexistência da paternidade afetiva e biológica.
Muito embora o direito à busca da felicidade não seja muito conhecido na esfera popular, o Supremo Tribunal Federal já utilizou o referido postulado em várias oportunidades, inclusive em casos de grande repercussão social. É o caso, por exemplo, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, que tratou do tema da união homoafetiva. Naquela oportunidade, o Ministro Ayres Britto afirmou que a “Felicidade é um estado de espírito consequente. Óbvio que, nessa altaneira posição de direito fundamental e bem de personalidade, a preferência sexual se põe como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana” (inciso III do artigo 1º da CF),e, assim, poderoso fator de afirmação e elevação pessoal. De autoestima no mais elevado ponto da consciência”. O Ministro então concluiu: “nós daremos a esse segmento de nobres brasileiros (os homossexuais) mais do que um projeto de vida, um projeto de felicidade”.
O direito à busca da felicidade encontra conformidade, portanto, no núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana. Assim, a busca da felicidade assumiria papel importantíssimo no processo de afirmação, exercício e expansão dos direitos fundamentais.
A origem do direito à busca da felicidade — ou right to pursuit of happiness, como é chamado em inglês —, remonta à Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, e foi incluído na Declaração de Independência dos Estados Unidos como direito inalienável do cidadão. De lá pra cá, importantes mudanças sociais foram percebidas em todo mundo, não só nos EUA. O direito, por sua vez, seguiu, ainda que não na mesma velocidade, o desenvolvimento social, adequando-se aos seus anseios e necessidades daí surgidos.
Aqui em terras tupiniquins, no fim da década de 80 (mais especificamente em 1988), promulgamos nossa Constituição Federal, que poderá receber mais uma Emenda à Constituição, dessa vez para positivar o direito à busca da felicidade. As duas propostas de emenda à Constituição pretendem alterar o artigo 6º ao estabelecer que os direitos sociais ali elencados são essenciais à busca da felicidade. Em outros termos, seriam passos da busca da felicidade a concretização dos direitos à “educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à infância e a assistência aos desamparados”.
De acordo com as justificativas apresentadas para essas emendas, pretende-se alcançar não apenas o aspecto subjetivo da busca à felicidade, que tem relação com os sentimentos e o estado de espírito de cada indivíduo, mas seu aspecto objetivo, isto é, a felicidade coletiva, que seria plenamente tutelável pela legislação. A justificativa da PEC proposta no Senado define que “há felicidade coletiva quando são adequadamente observados os itens que tornam mais feliz a sociedade, ou seja, justamente os direitos sociais — uma sociedade mais feliz é uma sociedade mais bem desenvolvida, em que todos tenham acesso aos básicos serviços públicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer, dentre outros”.
Ou seja, a busca da felicidade tem um viés não apenas individual, em que cada um, no seu íntimo, pretende alcançar aspectos subjetivos de sua própria felicidade. A busca da felicidade vai além e alcança, também, um aspecto social, em que o bem estar coletivo concretiza a felicidade geral.
Mas para além do aspecto legislativo, o que falam os Tribunais sobre o direito à busca da felicidade?
Mais de 20 anos depois de sua aposentadoria, um servidor público foi surpreendido, às vésperas de seus 80 anos, com o corte de um adicional de 20% de seu salário-base. Em sede administrativa, o Estado sustentou que o pagamento contrariava a Constituição de 1988. O servidor ajuizou ação contra o Estado do Amazonas e aguardou, por vários anos, seu problema ser resolvido.
Quando o processo chegou ao Supremo Tribunal Federal em 2002, o Ministro Relator utilizou-se de um fundamento até então desconhecido para determinar ao Estado que voltasse a pagar o adicional: o direito à busca da felicidade. Desde então, o termo “felicidade”, que não está em nenhum dos 250 artigos da Constituição de 1988, passou a ser cada vez mais mencionado por ministros de tribunais superiores para embasar decisões.
No Supremo Tribunal Federal, o decano Ministro Celso de Mello é, até o momento, o membro da Corte que mais mencionou o direito à busca da felicidade em suas decisões. No julgamento da ADPF 132, afirmou que esse direito seria “verdadeiro postulado constitucional implícito, como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana.” Admite, assim, que o direito à busca da felicidade é decorrente do princípio da dignidade humana e de outros direitos essenciais e inerentes à condição humana.
O Superior Tribunal de Justiça também tem proferido decisões importantíssimas tendo a felicidade como fundamento principal. A Ministra Fátima Nancy Andrighi já afirmou que, para ela, o “Estado-juiz” tem participação indireta na construção da felicidade individual, proporcionando as ferramentas básicas para essa construção.
Fora de todo esse aspecto jurídico-legislativo que envolve a questão, a busca da felicidade é um valor associado ao bem-estar e deve estar sempre presente em qualquer atividade relacionada com a pessoa humana e suas conquistas individuais e coletivas.
Um dos casos mais lembrados quando se pensa na felicidade como valor fundamental é o Butão, país que substituiu o PIB pelo Índice Nacional de Felicidade Bruta. Ao medir o desenvolvimento nacional, os butaneses levam em consideração o quanto as pessoas são felizes, fazendo uma relação entre objetivos definidos por elas e o que de fato alcançam.
Fiquemos, enfim, com as lições de Aristóteles, para quem o bem soberano é a felicidade, para onde todas as coisas tendem, sendo, em si, a finalidade da natureza humana.