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Identificação do doador de material genético é retrocesso jurídico

Casais têm dificuldade para registrar nascimento, quando se trata de criança gerada com utilização de doação de sêmen, após exigência do CNJ

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1 de 1 inseminação - Foto: iStock

Em março de 2016, entrou em vigor o Provimento n° 52, da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cuja pretensão era regulamentar o registro de nascimento de crianças geradas com o emprego de qualquer técnica de reprodução humana assistida.

Muito embora o referido Provimento tenha surgido com o suposto intuito de facilitar a lavratura do registro de nascimento dessas crianças, muitos casais ainda encontram dificuldades para fazer os registros de nascimento quando se trata de criança gerada com a utilização de doação de sêmen.

Os oficiais cartorários aplicam o que determina o artigo 2°, inciso II, do Provimento 52 e exigem os dados do doador do material genético, o que entra em total rota de colisão com o direito à intimidade do doador, que até então tinha sua identidade guardada a sete chaves.

Há casos de impedimento do registro da criança em razão da ausência de dados sobre o doador de material genético registrados em Itabuna (Bahia) e no Rio de Janeiro. No caso baiano, duas mulheres que mantinham um relacionamento homoafetivo há seis anos tiveram seu pedido de registro de nascimento de seu filho autorizado pela Justiça, após o funcionário do cartório se recusar a registrar a criança, utilizando como fundamento o artigo 2°, inciso II, do Provimento 52/2016 do CNJ.

A sentença reconheceu a dupla maternidade apenas com as informações e dados concedidos pelas mães, ou seja, a declaração de que a criança nascera viva, o registro de união estável e a declaração do diretor médico da clínica e que haviam feito a fertilização in vitro – as mesmas apresentadas ao oficial cartorário.

Dignidade da pessoa humana
O fundamento utilizado pelo magistrado ao julgar a ação de registro civil na Bahia foi o já tão debatido princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que cada um de nós carrega, ao nascer, o direito ao registro civil.

No entanto, a questão vai um pouco além do debate sobre o direito fundamento ao registro civil.
Isso porque o Provimento 52/2016 do CNJ acabou com o anonimato do doador de material genético de forma abrupta e na contramão do que já determina o Conselho Federal de Medicina (CFM) e todas as regras internacionais sobre bioética.

E há mais. O Provimento 52/2016 atinge diretamente as clínicas de inseminação artificial, que podem ser processadas caso informem a identidade do doador, seja ele homem ou mulher. Ao exigir dos pais o fornecimento dos dados relacionados ao doador ou doadora do material genético, o CNJ determina que os únicos detentores dessas informações (médicos e diretores de clínicas de reprodução assistida) as concedam contrariando o sigilo imposto nessa atividade.

É importante questionar, inclusive, a própria competência do CNJ para atuar como legislador do tema, já que o inciso I do artigo 22 da Constituição Federal determina que compete à União legislar sobre temas relacionados aos registros públicos.

Privativo da União
Muito embora o CNJ tenha atribuição para regulamentar questões relacionadas aos registros públicos, a restrição criada pelo Provimento em questão cria regra privativa de legislação da União, na medida em que não representa mera regulamentação, mas norma de caráter típico de registros públicos, havendo inclusive registros de médicos que foram ameaçados de prisão por crime de desobediência por terem se negado a informar a identidade de doadores.

O tema é delicadíssimo e não se esgota nessas singelas reflexões.

Se por um lado é importante ou até mesmo salutar a revelação da identidade do doador de material genético, a fim de que a criança tenha direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade e, mais ainda, a intangibilidade do seu direito à plena dignidade, o que pode se afirmar com a mais absoluta certeza é que tema de tamanha importância social não pode ser definido por mero Provimento do Conselho Nacional de Justiça.

Convenhamos, dentre as atribuições do CNJ não está a de legislar como se União fosse.

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