Valdemar temia Bolsonaro usar a PF contra ele, diz articulador: áudio
Em entrevista à coluna, Otoni, vice-líder de Bolsonaro, diz que Valdemar temia que o então presidente usasse a Polícia Federal contra ele
atualizado
Compartilhar notícia
Vice-líder de Bolsonaro na Câmara, Otoni de Paula atuou como articulador político na aliança do antigo governo com o Centrão. Ele ajudou a costurar a aproximação do então presidente com dirigentes como Valdemar da Costa Neto (PL) e Ciro Nogueira (PP).
Segundo Otoni, antes de Bolsonaro se filiar ao PL de Valdemar, havia resistência de ambos os lados. O então presidente nada queria ceder em relação a cargos. Já o dirigente temia que Bolsonaro usasse “braço da Polícia Federal” contra ele.
O deputado avalia que o ex-presidente cometeu erros. Acredita, contudo, que Bolsonaro “ressurgirá como fênix”. Confira abaixo trechos da entrevista concedida por Otoni à coluna.
A oposição tem bombardeado Lula com ações na PGR e pedidos de impeachment. O senhor acredita que ele terá dificuldades para concluir o mandato?
Apesar de pensar que teremos a tempestade perfeita para o impeachment, acredito que o impeachment não vá ocorrer porque o Centrão, o pragmatismo da política de Brasília, prefere mais o rei de cabeça para baixo, sangrando mas no trono, do que correr o risco da troca de um rei. Foi isso o que aconteceu com o presidente Bolsonaro, que não quis negociar nada no início do governo. E ele estava certo, porque defendia o que acreditava.
Depois, Bolsonaro cedeu à pressão em troca da dita governabilidade. Chegou a dizer que “sempre foi do Centrão” e ajudou a eleger Arthur Lira presidente da Câmara. O senhor ajudou nessa aproximação?
Por diversas vezes eu disse ao presidente: “O senhor precisa ceder alguma coisa.” A primeira pessoa que levou Valdemar Costa Neto ao presidente Bolsonaro fui eu. Valdemar não queria ir ao encontro com Bolsonaro. Não queria. Aliás, naquele momento Valdemar tinha medo de Bolsonaro. Os grandes caciques da política tinham medo de Bolsonaro.
Em meados de 2019, eu percebi que Rodrigo (Maia, então presidente da Câmara) tinha tudo na mão, que ele iria fazer o presidente ficar refém. Aí eu fui até o presidente e disse: “Presidente, nós vamos perder o governo. Pelo amor de Deus”. Apesar de ser um parlamentar de primeiro mandato, como a minha relação com Bolsonaro foi construída com muita confiança, apesar de eu ser um bolsonarista crítico, com muito custo ele me autorizou a ir até o presidente Valdemar.
E o que Valdemar dizia de Bolsonaro?
Valdemar e a cúpula toda, os grandes caciques, tinham medo daquele Bolsonaro que havia chegado. Porque era a primeira vez que o Brasil tinha um presidente com autonomia plena, que não chegou aqui em Brasília sob a mão de nenhum cacique. E se naquele momento Bolsonaro usasse o braço da Polícia Federal, por exemplo, contra todos? E aí eu tinha que convencer o presidente Valdemar a sentar, a conversar.
Com muito custo, o presidente Valdemar aceitou e eu levei ele até essa reunião com o presidente que nunca esteve na agenda oficial.
Essa reunião aconteceu no Palácio do Planalto ou na Alvorada?
Foi no Planalto. Só sei que, quando acabou a reunião, eu vi que não tinha avançado nada naquele momento.
Houve resistência de quem? De Valdemar ou de Bolsonaro?
Na verdade, as coisas não avançaram porque o presidente não deu espaço, não deu liberdade para que o presidente Valdemar falasse de política. Houve uma segunda reunião que eu tive com Valdemar e com Ciro Nogueira (presidente do PP), na qual eu fui enviado pelo Bolsonaro.
Não que ele quisesse que eu fosse. Eu pedi pra ele, porque eu precisava estancar aquela sangria do governo, que estava sem base. E o presidente refém do Rodrigo. Eu acho que aí foi o erro do governo Bolsonaro. Antes de o governo começar, eu me reuni com o que seria o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e fiz uma pergunta: “Ministro, vai ser assim mesmo? Acabou o toma-lá-da-cá e tal?”
Ele disse: “Vai ser assim mesmo”. E aí eu disse: “Ótimo, ministro. Maravilha. Mas qual é o novo diálogo entre o governo e o Congresso?”.
E a resposta do ministro foi: “Não, deputado. Só tem esse diálogo. Que não vai ter nada. E a gente vai ali dialogando individualmente com cada parlamentar que pensa como a gente”. Ali eu saí, já no final de 2018, sabendo: não vai dar certo.
E como foi a segunda reunião com Valdemar e Ciro Nogueira?
Na segunda reunião, eu vou de novo ao presidente e suplico a ele que me autorizasse a voltar no presidente Valdemar e no Ciro para saber o que eles queriam para a gente construir uma base mínima. Naquele momento, por receio do presidente Bolsonaro, eles fizeram pedidos simplórios perto do que o governo teve que dar depois, ao ponto de eu e o deputado Fausto Pinato sairmos de lá felizes.
Fui direto ao presidente Bolsonaro, só eu, e me encontrei com ele lá no Alvorada. Eu disse ao presidente o resultado da reunião, e a reação do presidente foi altamente negativa. Muito negativa, porque até aquele momento, o presidente não estava disposto a negociar nada. O resultado foi que, mais tarde, aconteceu com o presidente o que ele sempre falou, que ele se sentia uma rainha da Inglaterra.
Postura de Bolsonaro após as eleições
Depois das eleições, Bolsonaro teve uma postura criticada por parte da base dele, inclusive pelo senhor. Ficou quase dois meses sem orientar a militância, parte dela acampada em quartéis, viajou para os Estados Unidos… Houve perda eleitoral para Bolsonaro pós-2022?
Bolsonaro para mim é um fênix. Quando todo mundo acha que ele morreu, ele ressurge. Eu garanto que ele vai ressurgir. E quem vai fazer Bolsonaro ressurgir é o desgoverno que imagino que vamos ter.
Apesar de Bolsonaro ter perdido, com esses passos, uma boa parte do seu eleitorado, que se sentiu traído, abandonado. Mas o desgoverno vai trazer de volta esse eleitorado, que é de Bolsonaro. Só está triste e magoado. Mas é de Bolsonaro.
Eu fui crítico não só ao silêncio do Bolsonaro após as eleições, mas também à viagem aos EUA. Porque eu sabia que iam fazer uma comparação entre o comportamento do Lula e o do presidente Bolsonaro.
Quando o Lula sabe que a Lava Jato vai prendê-lo, ele fica. Ele não vai embora. Ele não pede refúgio. Ele sabe que vai ser preso e topa. Como acho que Lula é um grande ator, ele encenou superbem.
Então, na sua concepção, Bolsonaro viajou por medo?
Eu acho que ele viajou por um mau conselho. Eu acho que a fragilidade emocional do presidente naquele momento era tão grande, isso o próprio Valdemar falou abertamente, que, quando você está assim, você é muito movido pelo entorno.
E se ele fica e vai preso? Parabéns para ele. Qualquer prisão envolvendo Bolsonaro em solo brasileiro criaria o efeito contrário do que os inimigos dele queriam. Transformaria o presidente em vítima do sistema.
Então, ficar seria importante, seja em qual cenário fosse. Bolsonaro saiu grande do processo eleitoral. Eu só acho que ele não aproveitou ainda a grandeza. Com que ele saiu.
Como avalia o cenário eleitoral caso Bolsonaro fique inelegível?
Eu acho que, se lá na frente Bolsonaro estiver inelegível, mais forte ele estará. Qualquer movimento contra Bolsonaro hoje, torna ele grande. A esquerda tem que decidir qual vai ser o pior adversário para eles, ou Bolsonaro ou uma eventual candidatura de Michelle.
Ou uma candidatura de quem Bolsonaro colocar a mão. Porque o bolsonarismo, por mais que ele represente 10%, 15% da população, no máximo 20%, que tem nele o líder, esse bolsonarismo ainda é a âncora da centro-direita. A âncora do cara que não é bolsonarista mas ainda vê em Bolsonaro a virgem nessa casa de orgias.
O senhor avalia que Lula tem cometido muitos erros neste terceiro mandato?
Eu entendo que os três primeiros meses do governo já foram difíceis. Por exemplo, nada foi votado nessa Casa ainda, porque o governo não tem coragem de mandar nada porque não tem base aqui dentro. E aí, se os três primeiros meses já foram complicados, eu imagino que os próximos três meses vão ser mais complicados ainda, porque o governo ainda está nessa arrumação da sua base, que está cada vez mais lenta.
E, por outro lado, você tem uma figura de um presidente da Câmara, que a gente brinca internamente chamando ele de “Rei Arthur”, que teve a maior votação de uma eleição de presidente da Câmara da história. Todos nós entendemos que, naquele momento, o Arthur era aquela pessoa importante para contracenar com a política que viria da esquerda.
O próprio PT tem batido cabeça internamente, sobretudo na questão da economia…
Não acredito que esse novo arcabouço fiscal que Haddad está propondo a Lula vai convencer o presidente e, principalmente, a cúpula mais radical, liderada por Gleisi Hoffman (presidente do PT), que está no entorno do presidente. Porque, para você criar essa nova âncora fiscal, você tem necessariamente que fazer um freio de arrumação. E eles não querem, principalmente neste início de governo, nenhum freio. Eles querem gastar. Então, a única proposta que o governo vai fazer é furar o teto de gastos.
O senhor está com as redes sociais bloqueadas até hoje por determinação de Alexandre de Moraes. E tenta uma conversa com o ministro do STF para tentar reaver suas redes. Em que pé estão essas tratativas?
Primeiro que eu nunca pretendi fazer ataques ao ministro Alexandre de Moraes.
Mas fez. Chamou-o de canalha…
Fiz. E quando fiz, movido por um senso de justiça, quando eu o adjetivei, quando ele prende um jornalista, Osvaldo Eustáquio, o mantém preso por 15 dias e, quando solta, o impede de trabalhar. Aquilo me revoltou muito.
Aí eu abri uma live, revoltado, e cometo o erro, do que eu me arrependi, de adjetivar o ministro. O ministro me processou cível e criminalmente. O cível avançou, o criminal não. E eu fui condenado a pagar uma indenização ao ministro.
Agora, tirando esse episódio, a minha crítica nunca foi à Suprema Corte. A minha crítica sempre foi a comportamentos isolados de ministros, que podem ser criticados. Eles são agentes públicos. Assim como um político, eles podem ser criticados.
Eu mostro o twitt que foi a razão da Polícia Federal ter ido lá na minha casa. O que eu tuitei foi o seguinte, dia 7 de setembro de 2021. “Nós precisamos ir às ruas com pauta única. Artigo 52 da Constituição Federal. Temos que forçar o Senado a abrir impeachment contra Moraes e Barroso. E, se eles não fizerem isso, nós temos que parar o Brasil”. Eu pergunto qual o crime que eu cometi?
O que o senhor quis dizer quando falou em “parar o Brasil”?
Eu quis dizer que nós deveríamos, democraticamente, colocar pressão no Senado para abertura do processo de impeachment. Manifestação. Manifestação ordeira, como a direita sempre fez. Pressão popular. Isso faz parte da democracia.
Como o senhor classifica os atos de 8 de janeiro?
O 8 de janeiro, está claríssimo, foi armado. Simples. Houve um movimento da direita e de bolsonaristas organizado aqui em Brasília? Houve. A maioria esmagadora ali eram bolsonaristas.
Gente que não foi convencida de que o processo eleitoral foi legítimo, o que é um direito de qualquer cidadão fazer qualquer questionamento, inclusive ao processo eleitoral. Mas está claro que toda aquela confusão foi movimentada e arquitetada por vândalos da esquerda.
Já há elementos que provem isso?
Bem, provas não se tem. Mas eu pergunto: quem é o mais interessado em enterrar Bolsonaro como responsável, mentor intelectual do dia 8? Não é a esquerda? Não é o governo? Por que ele trabalha contra a CPI?
Por que o senador Humberto Costa diz que o governo fará o possível e o impossível para não haver CPMI? Que medo é esse? Aí alguém diz inocentemente: “É porque uma CPI você sabe como começa, mas não sabe como termina”. Não. Essa eles não querem que comece porque eles sabem como vai terminar. É o contrário.
A Abin mandou um documento para o Congresso dizendo que dois dias antes já havia comunicado o que iria acontecer, ao ponto, de um ato falho, em uma entrevista, o ministro Flávio Dino confessar que ele estava na janela do seu gabinete vendo toda aquela destruição.
Outra coisa muito estranha é o fato de, ainda na noite do mesmo dia 8, um delegado da Polícia Federal ter formulado o inquérito e, antes da meia-noite do mesmo dia 8, o ministro Moraes já estar com todas as dezenas e dezenas de folhas que ensejariam na prisão de Anderson Torres mais tarde. Portanto, todo esse cenário é muito estranho.
O senhor participou das posses de ministros do seu partido, o MDB, no governo Lula. Cogita integrar a base do governo?
Isso está descartado. Eu votarei tudo o que o governo mandar para a Câmara que for para o bem do Brasil. Eu não sou do “quanto pior, melhor”.