Tarcísio demite policial que perdeu arma e foi preso injustamente
Policial demitido por Tarcísio foi condenado a 15 anos por assalto após arma registrada em seu nome ser encontrada na cena do crime
atualizado
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Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas determinou a exoneração do policial e perito criminal Rogério Pinheiro Leão. A demissão ocorre cinco meses após a reintegração do servidor aos quadros da Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP). Leão foi preso em 2021 e passou 461 dias na cadeia por um crime que não cometeu.
O perito da Polícia Civil foi condenado a 15 anos de prisão, em 2022, por assalto a uma residência em Campinas (SP). Na fatídica noite, contudo, ele estava com a esposa na casa em que morava em Ribeirão Preto, a 220 quilômetros do local do roubo. Os bandidos usaram uma arma perdida pelo policial em 2018.
Naquele ano, o perito esteve na capital paulista para prestar concurso para a Polícia Federal (PF). Na rodoviária do Tietê, Leão foi ao banheiro e, após usar o sanitário, acabou esquecendo no local um revólver de uso pessoal registrado em seu nome. Ele decidiu não registrar boletim de ocorrência por temer que o incidente o prejudicasse no certame para a PF.
Três anos depois, em junho de 2021, um grupo armado invadiu uma residência em Campinas, rendeu os moradores e levou dinheiro, joias, aparelhos eletrônicos e bebidas. No local, a Polícia Militar encontrou uma arma com a numeração intacta. O revólver de Leão.
Tarcísio exonerou o policial não por conta da condenação, mas pelo fato de o servidor ter perdido uma arma durante o período de estágio probatório [leia, ao final da reportagem, a íntegra da nota].
“Reconhecimento”
Um morador da residência assaltada “reconheceu” o policial, pela fotografia da CNH, como sendo um dos criminosos. A vítima disse que o homem teria tirado a máscara para fazer exigências durante a ação.
Leão foi detido e levado para o Presídio Especial da Polícia Civil no dia 16 de junho de 2021. Um ano depois, no dia 2 de junho de 2022, foi condenado a 15 anos de prisão e perda do cargo público.
Juíza da 1ª Vara Criminal de Campinas, Patrícia Suárez Pae Kim considerou que a palavra da vítima que reconheceu Leão tinha mais peso que as imagens das câmeras de segurança que mostravam o perito criminal em Ribeirão Preto na noite do crime.
Um dos vídeos foi registrado pela câmera em frente ao consultório de uma terapeuta holística com quem Leão havia se consultado. Nas imagens, o policial e a esposa se despediam da terapeuta às 21h41 do dia 8 de junho de 2021. Outro vídeo, gravado às 22h03, mostrava o casal chegando em sua residência.
Na sentença, a juíza Patrícia Suárez Pae Kim também descartou os registros do GPS do celular de Leão, que indicavam que o perito não havia saído de casa na noite do assalto. Desconsiderou, ainda, um vídeo que mostrava o policial passeando a pé com os cachorros no mesmo dia do crime.
Recurso
O policial recorreu da decisão. As provas apresentadas pela defesa foram acolhidas pela 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). O relator da decisão, desembargador João Morenghi, argumentou que o reconhecimento pela vítima foi “viciado” e que as provas apresentadas pela defesa eram “contundentes”.
“Restou patente que o reconhecimento inicial, realizado em sede policial apenas por meio fotográfico e sem o devido respeito à forma estabelecida no artigo 226 do Código de Processo Penal, influiu para que as vítimas voltassem a simplesmente confirmá-lo em juízo, uma vez que voltaram a ver a mesma pessoa, agora entre outras pessoas que nunca haviam visto”, disse o magistrado.
“A defesa produziu prova contundente a confirmar a hipótese de que o reconhecimento foi viciado, assim afastando a autoria delitiva por parte do apelante”, frisou o relator. Em outro trecho da decisão, Morenghi disse considerar improvável que Leão, perito com experiência em cenas de crime, tivesse esquecido a arma justamente no local onde supostamente teria praticado um assalto. Ele também questionou as afirmações de testemunhas que disseram que o assaltante havia retirado a máscara durante o crime.
“Este relator, que vem julgando na seara criminal há mais de 40 anos, confessa que nunca se deparou com um caso assim, pois foge à lógica e à razão que um assaltante que ingressa mascarado numa residência para roubar possa tirar o disfarce no meio do roubo a fim de conversar com a vítima”, disse o desembargador. “O acusado é policial civil, fotógrafo, portanto habituado com cenas de crime, o que causa ainda mais perplexidade que houvesse ele agido com tanto descuido. Convenhamos que isso é um pouco demais para merecer a credibilidade que recebeu”, observou.
Leão foi libertado no dia 21 de setembro de 2022, um dia depois do acórdão da 12ª Câmara de Direito Criminal, após 461 dias na prisão. Em julho de 2024, o policial conseguiu ser reintegrado ao trabalho na Polícia Civil de São Paulo.
“Imprudência”
Na terça-feira (10/12), o governador Tarcísio de Freitas determinou a exoneração do perito. A decisão seguiu parecer da assessoria jurídica do gabinete do procurador-geral do Estado. O argumento foi que Leão, ainda em estágio probatório, descumpriu o artigo 7º da Lei Complementar nº 1.151/2011, que afirma que o policial civil deve ter “conduta ilibada, na vida pública e na vida privada, inclusive em período anterior ao início do exercício”.
Em nota enviada à coluna, a Secretaria de Segurança Pública esclareceu que o motivo que levou à exoneração não está relacionado à suspeita de participação no assalto em Campinas nem à condenação a 15 anos de prisão. O governo Tarcísio informou que o extravio da arma durante o estágio probatório foi a razão da demissão.
“A exoneração do agente ocorreu porque ele não atendeu aos requisitos do estágio probatório, que é um período de observação e avaliação, do qual todo efetivo de 3ª classe é submetido nos primeiros três anos de carreira. Durante o estágio, o agente citado não demonstrou a prudência necessária ao cargo, já que sua arma foi extraviada.”
“Por isso, em decorrência do extravio, ele não atendeu aos requisitos do item 2 do § 1º do artigo 7º da Lei Complementar nº 1.151, de 25 de outubro de 2011.”
“As investigações na esfera criminal e administrativa são independentes, e os procedimentos conduzidos pela Corregedoria da Polícia Civil respeitam a Lei Orgânica da Instituição, sendo mantidas em sigilo.”