PF investiga membro do “Conselhão” de Lula por fraude milionária
Empresário próximo a Lula, José Garcia Netto é investigado desde 2023 pela Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros da PF
atualizado
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A Polícia Federal (PF) investiga um empresário que integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), conhecido como o “Conselhão” de Lula, por fraude milionária ao sistema financeiro.
O inquérito aberto pela Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor), em julho de 2023, apura irregularidades em uma série de manobras fiscais da Caruana S.A., comandada por José Garcia Netto. Próximo do governo, o empresário chegou a compor a comitiva de Lula que viajou à China em abril do ano passado.
O “Conselhão” foi criado por Lula em seu primeiro mandato na Presidência e havia sido extinto por Jair Bolsonaro. O grupo é formado por 245 empresários, executivos, pesquisadores, artistas e sindicalistas escolhidos pelo presidente.
Investigado por três crimes, José Garcia Netto participa da “discussão de políticas públicas e proposição de medidas que estimulem o crescimento econômico, o desenvolvimento e a equidade social”. A função não é remunerada.
No site do governo federal, José Garcia Netto é descrito como “empresário do setor de mobilidade urbana, formado em administração de empresas”. Já a Caruana Financeira S.A. é citada como uma empresa que atua no “financiamento de inovações” para o setor de transporte de passageiros.
A suspeita de crime contra o sistema financeiro, que tem a Caruana como alvo, foi encaminhada à PF em maio de 2023 pelo próprio Banco Central.
A denúncia
De acordo com técnicos do BC, fraudes na análise cadastral teriam possibilitado que 31 empresas obtivessem empréstimos muito acima da sua capacidade de pagamento, entre 2017 e 2019.
Segundo a denúncia, Caruana S.A. Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento, que atua no mercado desde 2008, alterava o modelo de classificação de risco para oferecer empréstimos maiores, em critérios que escapavam da regulamentação do BC.
Diretor-presidente da Caruana, José Garcia Netto é nominalmente citado nas investigações da PF e pode ser enquadrado em três crimes. O mais grave é “gerir fraudulentamente instituição financeira”, cuja pena é de três a 12 anos de reclusão, mais multa.
“Maquiagem” nos cálculos
Outra prática ilegal apontada pelo BC se refere à renegociação sucessiva de dívidas. Os novos empréstimos serviam para pagamento das dívidas anteriores, simulando a adimplência dos clientes. A manobra, no entanto, contraria o princípio fiscal da liquidez.
Os técnicos do BC também apontaram uma “maquiagem” nos cálculos feitos pela Caruana para disfarçar prejuízos. As manobras fiscais tinham o objetivo de mascarar um rombo de R$ 143 milhões nas contas da financeira.
“O Banco Central, no exercício de suas funções, apurou a existência de irregularidades praticadas por dirigentes no âmbito da Caruana consistentes na realização de operações de crédito em desacordo com os princípios da seletividade, garantia e liquidez, bem como estruturação contábil em desacordo com a legislação vigente e elaboração de demonstrações financeiras e contábeis que não refletiam com fidedignidade e clareza a sua real condição econômico-financeira”, alega a denúncia do BC.
A PF, por sua vez, informou ao Ministério Público Federal a abertura do inquérito para apurar as irregularidades. “Apurou-se que a instituição financeira, entre janeiro de 2017 e maio de 2019, deferiu, conduziu e renegociou operação de crédito de montantes elevados, considerando seu patrimônio”, registrou a Polícia Federal.
“Inovações”
Na relação de conselheiros do CDESS divulgada pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, José Garcia Netto é descrito como “empresário do setor de mobilidade urbana, formado em administração de empresas”.
O perfil do empresário afirma ainda que a instituição financeira fundada por ele, a Caruana, é “especializada no financiamento de inovações voltadas para o transporte de passageiros”.
A empresa mantém relações com o transporte coletivo no município de Mauá (SP) pelo menos desde 2013. A empresa já havia financiado a compra da frota da Viação Estrela de Mauá e, em seguida, firmou parceria com a Suzantur, contratada de forma emergencial pela prefeitura em 2013. Em 2014, a Suzantur venceu licitação para executar com exclusividade o transporte coletivo na cidade.
Assim como fez com a Viação Estrela de Mauá, a Caruana financiou a aquisição dos veículos da Suzantur e passou a controlar o sistema de bilhetagem do transporte público. O mesmo cartão usado como vale-transporte podia ser usado como cartão de crédito no comércio local, com as linhas de crédito comercializadas pela empresa de José Garcia Netto.
Dessa forma, o lucro da Caruana na parceria com a Suzantur passou de R$ 6,8 milhões em 2015 para R$ 13,1 milhões em 2018. A Suzantur pertencia ao irmão de Garcia Netto, Angelo Roque Garcia, que passou o comando da empresa para o empresário Claudinei Brogliato antes do contrato precário com a prefeitura de Mauá, em 2013.
Vazamento de informações
Em 2017, a Caruana foi acusada de vazar informações sobre a quebra do sigilo bancário do empresário Jacob Barata Filho, investigado pela Polícia Federal por evasão de divisas, em um desdobramento da Operação Lava Jato.
Barata Filho foi detido com R$ 40 mil em moeda estrangeira no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, quando tentava embarcar para Portugal. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pelo arquivamento das denúncias contra o empresário.
A coluna entrou em contato com José Garcia Netto, por meio da Caruana, e com a assessoria de imprensa da Presidência, que não se pronunciaram até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto a manifestações.