Mais Médicos: quase 60% dos cubanos naturalizados atuaram no programa
Levantamento feito pela coluna aponta que 367 dos 646 cubanos que obtiveram a cidadania brasileira este ano estão ou estiveram no programa
atualizado
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Mais da metade dos cubanos naturalizados brasileiros em 2023 atuam ou atuaram no Mais Médicos, programa do governo federal. De acordo com levantamento feito pela coluna, dos 646 cubanos que conseguiram a cidadania brasileira este ano, 367 são profissionais que vieram ao país trabalhar no Mais Médicos (o equivalente a 56%).
Entre os dias 4 e 5 de outubro, dos 17 cubanos que conseguiram a cidadania, 16 integram ou integraram o Mais Médicos. Entre eles está Carlos Morales Perez. Hoje com 53 anos e casado com uma brasileira, Perez chegou a cidade de Vila Boa, em Goiás, em 2017.
Trabalhou no Mais Médicos até 2019, quando foi substituído por um profissional brasileiro formado no exterior. Era o início do programa Médicos Pelo Brasil, instituído pelo governo de Jair Bolsonaro.
Meses antes, em novembro de 2018, depois de uma série de declarações do então presidente eleito que chegou a classificar o Mais Médicos como “trabalho escravo”, o governo cubano decidira romper a parceria com o Brasil e deixar o Mais Médicos.
Perez, porém, não deixou o Brasil. No mesmo dia em que foi substituído por um brasileiro formado no exterior, começou a trabalhar como agente de saúde em Vila Boa. Em março deste ano, o Mais Médicos foi relançado por Lula. Em maio, Perez foi novamente aceito no programa. Foi selecionado para atuar no estado do Ceará. Recorreu da alocação, mas teve seu pedido indeferido.
Questionado pela coluna, o Ministério da Saúde informou que a cidadania brasileira não interefe no trabalho dos profissionais que já foram selecionados para atuar no Mais Médicos. A nacionalidade é considerada apenas no momento da inscrição. Ou seja, a cidadania concedida a Perez no dia 5 de outubro não vai impedir sua permanência no programa.
O mesmo se aplica aos milhares de médicos cubanos que se naturalizaram brasileiros e continuam atuando no Mais Médicos. Para aqueles cuja cidadania foi concedida no período em que estavam afastados do programa, por outro lado, caso desejem o reingresso, deverão receber o mesmo tratamento dos médicos brasileiros.
O levantamento feito pela coluna não inclui maridos, esposas, filhos e outros familiares de médicos cubanos que vieram para o Brasil devido à participação do parente no programa.
Descontinuidade e pandemia
Mesmo com a descontinuidade do Mais Médicos, os médicos cubanos que permaneceram no Brasil encontraram alternativas para continuar atuando na profissão.
Primeiro a conseguir a cidadania brasileira em 2023, já no dia 3 de janeiro, Camilo Francisco Ramos Perez chegou ao Brasil em 2014. No município de Santa Mariana, no Paraná, desenvolveu um programa de prevenção a doenças.
Quase voltou a Cuba em 2019, com a saída do governo cubano do Mais Médicos. Acabou ficando no Brasil e trabalhou no combate à Covid-19 durante a pandemia.
Em 2022, teve seu diploma revalidado pelo Ministério da Educação. Também em janeiro deste ano, conseguiu o Título de Especialista em Medicina de Família e Comunidade (TEMFC) pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) do Rio de Janeiro.
Ainda durante a pandemia da Covid-19, um grupo de 43 médicos que atuavam no Pará solicitou aso Ministério da Saúde sua reintegração ao programa para atuar no combate à doença. Entre 2019 e 2023, 17 deles conseguiram a cidadania brasileira.
Seis deles, este ano: Claribel Turruelles Ricardo, Frank Reinier Varona Morell, Rafael Luis León Castillo, Dennis Viscaino Cedeño, Noevia Brana Musa e Luis Rodrigues Herrera.
Relançamento
O Mais Médicos foi lançado em 2013, durante o governo Dilma Rousseff. A justificativa era reduzir o déficit de profissionais em áreas mais remotas do Brasil. O programa foi interrompido no início do governo Bolsonaro.
O ex-presidente era um crítico da forma como o governo cubano interferia na remuneração dos profissionais, que eram funcionários do Ministério da Saúde de Cuba. Assim, segundo Bolsonaro, o governo acabava ficando com 70% da renda dos médicos que trabalhavam no Brasil. Com o rompimento com o governo cubano, cerca de 8 mil médicos estrangeiros foram desligados do programa.
Ainda em 2018, o governo cubano divulgou seus dados sobre atuação dos profissionais no Mais Médicos. De acordo com esses dados, em cinco anos de trabalho cerca de 22 mil médicos cubanos teriam atendido 113,3 milhões pacientes em mais de 3.600 municípios brasileiros.
O Mais Médicos acabou sendo substituído pelo Médicos Pelo Brasil, iniciativa que priorizava os médicos brasileiros formados no exterior e estrangeiros com diplomas revalidados no Brasil.
Lançado em 2019 com uma previsão de contratação de 15 mil profissionais, o programa teve seu primeiro edital em dezembro de 2021. Foram abertas 4.057 vagas para médicos bolsistas e 595 para tutores médicos. Os salários chegaram a R$ 15 mil para bolsistas e R$ 17,5 mil para tutores.
Em março deste ano, Lula relançou o Mais Médicos. Foram abertas 15 mil vagas com salários de R$ 13 mil. A prioridade desta vez são os médicos brasileiros formados pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). A medida provisória que recriou o Mais Médicos foi assinada por Lula em julho com uma emenda que proíbe o repasse de salários dos profissionais para o governo de seus países.
Em junho, o Mais Médicos tinha mais de 34 mil inscritos e, em setembro, o governo anunciou que 18,5 mil profissionais estavam em atuação pelo programa, um recorde nos dez anos desde sua criação. A expectativa do Ministério da Saúde é terminar o ano de 2023 com 28 mil profissionais no Mais Médicos.