Coronel da FAB acusado de assediar 6 mulheres alega “disfunção erétil”
Coronel José Arnaldo do Nascimento, de 56 anos, alegou “disfunção erétil” mas foi desmentido por laudo médico; caso será julgado pelo STM
atualizado
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Coronel da Força Aérea Brasileira (FAB), José Arnaldo do Nascimento, de 56 anos, é acusado de assediar sexualmente mulheres do Grupamento de Apoio do Distrito Federal (GAP-DF). No tribunal, ele alegou ter “disfunção erétil” ao rebater as denúncias feitas por seis oficiais, sendo três tenentes, uma capitã, uma major e uma tenente-coronel. A coluna teve acesso ao processo, colocado em sigilo pela Justiça Militar.
Nascimento sustenta que lhe faltaria libido para cometer assédio sexual contra as militares, uma vez que não conseguiria manter ereção. O argumento, que por si só não comprovaria inocência, caiu por terra após especialistas da FAB produzirem laudos médicos. “Mesmo com as comorbidades apresentadas e o uso das medicações citadas [pelo coronel], o paciente pode apresentar ereção”, concluíram Marcílio David, chefe do departamento de Cardiologia do Hospital da Força Aérea, em Brasília, e Felipe Vidigal, supervisor de Urologia na mesma unidade.
A primeira militar a acusar o coronel foi a 1º tenente A.P.B, que registrou boletim de ocorrência na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher do Distrito Federal em setembro de 2018. Ela atuava na secretaria do GAP-DF em agosto 2017, quando Nascimento foi designado para o cargo de ouvidor da unidade militar, quatro meses antes de assumir seu comando.
Entre as condutas inapropriadas adotadas por Nascimento, a tenente relatou “abraços inconvenientes, apertos de mãos diferenciados e ‘pegajosos’, toques no queixo, nos braços e nos seios com a desculpa de ‘ajeitar’ a tarjeta de identificação”. Em uma das ocasiões, segundo a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), a oficial estava sentada em sua mesa na secretaria do GAP-DF quando o coronel se posicionou em pé, ao lado da tela do computador.
“A referida ofendida declarou que, em certa oportunidade, enquanto estava em sua sala, sentada à sua mesa de trabalho e após o expediente, o Coronel Arnaldo se aproximou, posicionou-se à frente da mesa da vítima e quando esta levantou o olhar para o oficial, percebeu que este estava com o pênis ereto e que passava a mão neste, por cima da calça, e olhava para ela no intuito de se exibir. Tal ocorrência a deixou extremamente constrangida”, relatou o MPM.
“A ofendida ainda esclareceu que o Denunciado, ao ingressar no recinto, posicionou-se intencionalmente à frente dela, de maneira a não lhe facultar outra alternativa a não ser observar o seu órgão genital ereto, devido ao fato de que a referida Tenente estava olhando para a tela do seu computador e o Denunciado ficou parado ao lado da tela”, continuou o Ministério Público.
Laudos médicos
Em sua defesa, o coronel apresentou uma relação de medicamentos contra hipertensão arterial e problemas coronários que supostamente o impediriam de ter ereções. Para verificar as alegações, o juiz Alexandre Augusto Quintas, da 2ª Auditoria da 11º Circunscrição da Justiça Militar, solicitou a elaboração de três laudos periciais e uma perícia médica realizada pelo tenente coronel Marcílio Bastos David, cardiologista, e pelo tenente Felipe Eduardo Costa Vidigal, urologista.
Nos laudos, os especialistas responderam a questionamentos da Justiça Militar sobre a possibilidade dos medicamentos Concor 2,5mg, Plavix 75mg, Aspirina Prevent 100mg, Vytorin 10/20mg e Glifage 500mg, com uso contínuo, causarem disfunção erétil.
“Sim. A medicação utilizada (Concor), na dosagem prescrita, pode afetar negativamente a ereção e a libido. Os betabloqueadores são uma das principais classes medicamentosas associadas a disfunção erétil e perda da libido”, respondeu Vidigal em seu laudo.
O perito, no entanto, afirmou que o coronel era capaz de ter ereções mesmo sob o efeito da medicação. “Existem opções de tratamento para a disfunção erétil em casos como o do paciente. O paciente apresenta contraindicação a tratamento com medicação oral para disfunção erétil, porém é possível injeção intracavernosa (no pênis) de medicações que induzem a ereção. Mesmo com as comorbidades apresentadas e o uso das medicações citadas, o paciente pode apresentar ereção”, concluiu o médico da FAB.
Chefe do setor de Cardiologia do Hospital da FAB, Marcílio David também atestou a capacidade de Nascimento ter ereções mesmo tomando as medicações para hipertensão arterial, pré-diabetes e insuficiência coronariana.
“Destes medicamentos citados, o único que poderia causar disfunção erétil por ser antihipertensivo é o Concor, mas mesmo assim a porcentagem de pacientes que referem este problema é bem baixa nos estudos, devido o medicamento ser um dos mais modeimos da sua família”, afirmou o cardiologista.
“Só o fato de ser portador destas patologias ou até de estar tomando medicações que podem prejudicar a função erétil não é suficiente para afirmar que ele não terá ereções. Não é possível afirmar que esta ou qualquer dosagem interfira ou interferiu em maior ou menor grau na função erétil”, atestou.
Mão na virilha
De acordo com A.P.B, o coronel Nascimento repetia um mesmo comportamento quando a via tomando café na sala onde trabalhava. “Gosta de um pretinho”, perguntava. “Para vítima, o Denunciado, ao afirmar que ela gostava de um pretinho, fazia referência a ele mesmo, haja vista que o Coronel Arnaldo é negro. A ofendida relatou que, em tais oportunidades, ficava constrangida e não respondia às colocações do Coronel Arnaldo”, diz a denúncia.
Nascimento vai responder às acusações no Superior Tribunal Militar (STM), após o Ministério Público recorrer da decisão de primeira instância que absolveu o coronel.
O MPM afirma, na denúncia, que a tenente A.P.B. decidiu revelar as condutas do coronel Arnaldo Nascimento depois de um episódio em que o oficial teria tocado sua perna de forma indecorosa durante uma carona.
“No fim do mês de outubro de 2019, após o horário de expediente, enquanto ainda estava trabalhando por necessidade do serviço, a 1º tenente foi abordada pelo Cel Arnaldo que lhe solicitou uma carona até a residência deste. Tal solicitação lhe causou estranheza, haja vista que os oficiais superiores, via de regra, possuem um apoio de viatura para conduzi-los para as residências destes. Disse que ficou apreensiva com a solicitação, todavia, pelo fato de se tratar de um coronel, entendeu que ele não representaria perigo/ameaça para ela”, conta a denúncia.
“A ofendida relatou que, ao chegar ao edifício onde o Denunciado reside, no ato de despedir-se, o Cel Arnaldo ficou acariciando a coxa da militar, região próxima à sua virilha, de forma prolongada. Nesse momento, a vítima afirmou que ficou paralisada com a ação do Denunciado e que, mesmo após o seu desembarque do veículo, permaneceu sentada, com as mãos ao volante, sem reação”, afirma o documento.
A partir desse episódio, a tenente teria passado a sofrer de problemas emocionais, chegando a crises de pânico e o temor de se encontrar com o oficial. Após a denúncia de A.P.B, outras cinco militares do GAP-DF revelaram ter sofrido abusos por parte do coronel Arnaldo Nascimento.
A 2º tenente L.M.S [hoje promovida a capitã], a 1º tenente RHR, a 1º tenente I.S.L.O., a major F.L.S.H e a major R.R.C relataram situações nas quais o coronel as abordava com apertos de mãos “pegajosos” e demorados, com um dedo tocando a palma das mãos das militares. Tal cumprimento é, por muitos, interpretado com um convite para sexo.
Nascimento, segundo os relatos, também costumava usar o pretexto de ”arrumar” as plaquetas de identificação das oficiais para tocar seus seios.
“Sem provas”
A tenente A.P.B pediu transferência do GAP-DF e foi deslocada para o para o Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (CECOMSAER) em 2018. Uma vez que a tenente era uma oficial temporária, ou seja, contratada via processo de seleção para exercer funções específicas nas Forças Armadas e cujo perído de serviço precisa ser renovado pelo seu superior, o MPM considerou que Nascimento usou de sua posição de superior hierárquico para tentar “obter vantagem ou favorecimento sexual”.
Nascimento foi absolvido das acusações pelo Conselho Especial de Justiça para a Aeronáutica, em abril deste ano, pelo placar de 4 votos contra 1. A decisão considerou a “inexistência de prova da realização da conduta de assédio sexual em relação a todas as ofendidas”.
“Não basta o sujeito ativo constranger, é imperioso que fique evidente o propósito de obter a vantagem sexual. No caso concreto, concluiu o Conselho que as provas colhidas da instrução criminal não foram suficientes para demonstrar que o apelado tenha forçado ou coagido qualquer das vítimas, com a intenção de obter vantagem ou favorecimento sexual”, diz trecho da decisão.
Um ponto polêmico no processo é que o juiz se recusou a analisar, como prova material, um vídeo no qual o coronel tocaria a tarjeta de identificação no seio de uma das militares.
A apelação do MPM foi aceita pelo STM no dia 17 de julho. No recurso, a acusação alega que “no crime de assédio sexual, a coação nem sempre ocorre de forma tão explícita. Da mesma forma, a intenção de obter a vantagem sexual também ocorre de forma sutil”.